Incra pode rever títulos de terras da “lista suja”

Em ofício, ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário)recomenda portaria que autoriza devassa nos documentos de propriedades que fazem parte da "lista suja" do trabalho escravo
Por Maurício Hashizume
 15/04/2003

Um simples ofício do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), emitido sem alarde pelo ministro Miguel Rossetto, pode abrir mais uma
possibilidade real para o combate ao trabalho escravo. No referido documento, datado do final de março, Rossetto pede a edição de uma portaria ao presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, determinando o recadastramento agrário e fiscalização cadastral – exame da cadeia dominial – dos 52 imóveis relacionados na chamada "lista suja" do trabalho escravo, divulgada em 10 de dezembro de 2003 pelo Ministério do Trabalho.

Na prática, a publicação dessa portaria pelo Incra, que deve se consumar nos próximos dias, será a ponta de lança de um processo de devassa nos documentos das propriedades relativas aos casos em que já ocorreu a condenação definitiva
na esfera administrativa e, por esse motivo, constam na "lista suja". Entre elas, vale destacar, está a Fazenda Caraíbas, em Dom Pedro Maranhão-MA, do 1o vice-presidente da Câmara, deputado federal Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), e a Fazenda Colorado, no Pará, do dono da Gol (empresa de transportes aéreos) e da maior frota rodoviária do país, Constantino de Oliveira.

"Acreditamos – e algumas investigações do Ministério Público Federal já confirmam – que boa parte dessas propriedades tenham titularidades
irregulares", assevera Carlos Kaipper, consultor jurídico do MDA e representante do ministério no Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo (Conatrae).

De acordo com o consultor, os problemas relacionados à titularidade da terra são notórios na região onde se encontram as fazendas que fazem parte da "lista suja". Para ele, se for verificado que uma propriedade da "lista suja" se trata de uma "grilagem" (com titularidade ilegal) em terras da União, o Incra pode simplesmente retomar, "arrecadar" a área, sem necessidade de nenhum processo de desapropriação. "O que pode ocorrer é o ressarcimento por uma benfeitoria que
comprovadamente tenha sido resultado de uma ação de boa-fé."

O tempo necessário, segue explicando Kaipper, para o processo de análise de cadeia dominial de uma determinada propriedade é incerto, pois depende de outros fatores como a quantidade e natureza dos documentos já disponíveis.
"Existem ocasiões em que somente uma inspeção local pode resultar em pareceres conclusivos".

A nota técnica que acompanha o ofício do MDA ao Incra informa também que, por proposição do Conatrae e amparado em uma nota técnica do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) cuja premissa é a de que "não podem as penalidades aos
infratores limitarem-se a meras autuações administrativas", o próprio MTE deliberou baixar uma portaria em 17 de novembro de 2003 determinando a remessa semestral da "lista suja" ao MDA, entre outros, "com a finalidade de subsidiar ações no âmbito de suas competências."

Por cumprimento a essa portaria, complementa a nota técnica, o MDA recebeu oficialmente a primeira remessa da "lista suja", contemplando proprietários autuados entre os anos de 1995 a 2002 colhidos pelo transcurso de "todas as
possibilidades recursais", referindo a listagem como "relativa aos autos de infração já transitados em julgado", e útil "às instituições como referencial para um série de iniciativas".

Se ratificada pelo presidente do Incra, a portaria do MDA poderá funcionar como complemento à proposta de emenda à Constituição (PEC) do trabalho escravo, que determina o confisco das terras onde casos de trabalho escravo forem
constatados. A matéria, de autoria do ex-senador Ademir Andrade, está sendo atualmente analisada em uma comissão especial na Câmara dos Deputados e deverá ser recomendada para aprovação no parecer do relator Tarcísio Zimmermann
(PT-RS) que será apresentado ainda este mês. "Caso a propriedade da 'lista suja' for legal do ponto de vista de toda sua titularidade, a PEC do trabalho escravo que tramita no Congresso poderia ser acionada", arremata Kaipper.

Da Agência Carta

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