Para burlar a fiscalização, fazendeiros aplicam "maquiagem trabalhista"

Fazendeiros fazem o pagamento mensal aos trabalhadores. Porém, descontam ilegalmente o valor da alimentação consumida por eles. Segundo a fiscalização, o restante do pagamento é feito feito em cheques, mas não existe agência bancária próxima, então os funcionários acabam ficando sem salário
Por Leonardo Sakamoto
 02/12/2003
Proprietário da fazenda Nossa Senhora Aparecida, Aloísio Alves de Souza, entrega arma ao fiscal do Trabalho

“Cada dia mais os fazendeiros tentam ludibriar a situação de exploração do trabalho escravo do Sul do Pará. Uma forma é fazer contratos fraudulentos de trabalho, mascarando os fatos para não ser figurado no trabalho escravo”, afirma Virna Damasceno, coordenadora do grupo móvel de fiscalização.

O proprietário Aloísio Alves de Souza, da fazenda Nossa Senhora Aparecida, afirmava que fazia o pagamento mensalmente aos trabalhadores. Porém, descontava ilegalmente o valor da alimentação e de outros itens comprados na cantina, gerenciada por ele próprio. Os peões recebiam o saldo restante em cheques. O interessante é que a agência bancária de Aloísio não ficava em Goianésia. Os trabalhadores não conseguiam sacar o dinheiro e usavam os cheques no comércio local, mediante um desconto no seu valor nominal. No final, não recebiam o salário. Aloísio pedia as carteiras de trabalho, mas não as assinava.

Virna Damasceno, do MTE, e Lóris Pereira Júnior, do MPT, dão palestra a trabalhadores sobre seus direitos

“Tudo o que eles [os peões] pegam aqui tem desconto. Arroz, feijão, óleo, café, açúcar, sabão, milharina, bolacha…”, conta Manuel dos Reis. O cerceamento da liberdade também ocorre por meio do isolamento físico a que ficam submetidos os trabalhadores, com dezenas de quilômetros separando os barracos de lona e palma de babaçu do telefone público mais próximo.

Outra forma de ludibriar a fiscalização e enganar trabalhadores foi constatada em uma ação iniciada no dia 20 de novembro, quando foram libertados 22 trabalhadores que estavam em situação de escravidão na fazenda Entre Rios – de plantação de arroz e soja – a 125 quilômetros do município de Sinop, norte de Mato Grosso.

“Tudo o que eles [os peões] pegam aqui tem desconto. Arroz, feijão, óleo, café, açúcar, sabão, milharina, bolacha…”, conta Manuel dos Reis.

De acordo com Valderez Monte, coordenadora deste grupo móvel, uma empresa de prestação de serviços que respondia pela contratação para a fazenda Entre Rios estava em nome de dois gatos. A JS Prestadora de Serviços funcionava como fachada para encobrir o desrespeito aos direitos trabalhistas. Além disso, foram encontradas carteiras assinadas com data posterior à real e salário abaixo do acordado. Mesmo assim não havia pagamento.

Depois que motosserras tombam a floresta na região, levas de trabalhadores percorriam a área desmatada da Entre Rios, arrancando tocos de árvores e raízes, limpando o terreno para receber a soja ou o arroz. Uma grávida de quatro meses foi encontrada nessa tarefa. Como a fronteira agrícola avança diariamente no norte de Mato Grosso, o número de pessoas utilizadas no serviço é grande, principalmente nordestinos – fugitivos da falta de emprego e de terra.

Motosserra utilizada para derrubar a floresta em sítio no município de Sapucaia (PA)

A maior parte dos libertados é do Maranhão, trazida de lá por Chiquinho, um gato (contratador de mão-de-obra que faz a ponte entre o empregador e o peão) preso na ação. De acordo com Valderez, os trabalhadores temiam o gerente, que repetia: “maranhense tem que apanhar mesmo de facão”.

 

 

São Paulo, dezembro de 2003

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