Educação e comunidade

 01/03/2004
Maurantonia da Silva, 20, estudante e moradora de Cidade Tiradentes

Do combate ao analfabetismo ao ensino superior

 

Estreitar os vínculos da escola com a comunidade não se resume a abrir as portas das quadras nos finais de semana e liberar uma bola para um jogo de futebol ou de basquete. Nem reunir os amigos para pintar a fachada da creche ou consertar as mesas. É preciso mais do que isso para realmente tornar a escola parte integrante da comunidade em que está inserida.

"Num primeiro momento, apostamos nas instâncias institucionalizadas, como conselhos de educação, conferências municipais. Mas elas mostravam um certo limite, a comunidade pouco participava e nada mudava nas formas de ensinar, aprender, nem na qualidade do ensino", afirma Maria Clara Di Piero, coordenadora de projetos da ONG Ação Educativa, que atua em nível nacional na melhoria da qualidade da educação. Eram iniciativas centralizadas, que não consideravam a realidade local. Nos últimos tempos, a entidade passou a apoiar o fortalecimento dos vínculos entre a escola e a população que reside no seu entorno, levando isso para a sala de aula.

Ao contrário do que pensam muitos burocratas, as comunidades têm capacidade para participar ativamente na definição dos rumos de suas escolas e creches. "Tanto diretores, professores e funcionários quanto alunos, pais e demais integrantes das comunidades escolares consultadas revelam concepções amadurecidas e convicção sobre o que é uma escola de qualidade, e essas pessoas precisam ser ouvidas para o aperfeiçoamento da educação." Essa é uma das conclusões da Consulta sobre Qualidade da Educação na Escola, realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, feita em escolas dos estados de Pernambuco e Rio Grande do Sul no final de 2000.

Jovens e adultos

É necessário considerar as demandas, a identidade e a singularidade dos alunos para que se alcance um projeto eficaz de educação de jovens e adultos. "Não existe uma idade adequada para adquirir conhecimento. O atual paradigma aponta a necessidade de uma educação continuada, ao longo da vida. Em vez de indagar o que a pessoa não aprendeu, deve-se perguntar o que ela precisa aprender agora e para o futuro", explica Maria Clara. "A educação de jovens e adultos não pode mais ser vista como uma ação em busca do tempo perdido, mas uma tentativa de resposta às demandas dos alunos."

Um bom projeto que vem sofrendo atraso no repasse de recursos é o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova). Criado durante a gestão de Luiza Erundina, foi idealizado pelo educador Paulo Freire, então secretário municipal de Educação. Depois de permanecer desativado entre 1993 e 2000, foi retomado pelo atual governo, que enfrenta problemas para garantir sua sustentabilidade financeira. Nem os convênios firmados com associações de moradores e o fato de as aulas ficarem a cargo dos centros comunitários impediram que professores ficassem meses sem receber. A Secretaria de Educação, no entanto, afirma que a responsabilidade é das entidades, que não teriam entregado a documentação necessária.

Rodrigo Tadeu Mendonça, de 19 anos, e Ricardo dos Reis Souza, de 21, são alfabetizadores na Paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela. Até outubro último, os dois estavam pagando para ensinar, pois não recebiam remuneração e arcavam com custos da produção das aulas havia nove meses. "A gente não pode abandonar os alunos, pois temos um compromisso", diz Souza. Segundo eles, a prefeitura afirma que, em breve, a situação estará regularizada. Muitas salas de aula não fecharam devido à dedicação de monitores como os dois. "Financiamento para esses projetos até existe, mas uma estrutura burocrática complicada entrava o processo", lembra Maria Clara.

Vale especial atenção a situação da população negra. Cerca de 20% não sabem ler ou escrever, enquanto a taxa entre os brancos gira em torno de 8%, de acordo com dados da Ação Educativa. Além disso, a média de escolaridade dos negros é de dois anos a menos que a da população branca. Se o país está melhorando no que diz respeito às taxas gerais de educação, o mesmo não se pode dizer da diferença entre negros e brancos, que se mantém, o que reforça a necessidade de adoção de políticas afirmativas para diminuir essa desigualdade. Maria Clara aponta, como exemplo, a legislação que incorporou a história e a cultura afro-brasileira nos currículos escolares como conteúdo a ser contemplado em todas as disciplinas. Falta, agora, destinar recursos para a formação de professores que ponham isso em prática.

A USP na Zona Leste

Após anos de reivindicação por parte de moradores e de movimentos sociais, o governo do estado está implantando um campus da USP na Zona Leste de São Paulo – a mais pobre e carente da presença do poder público – numa área do Parque Ecológico do Tietê. Será apenas uma unidade (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) e terá cursos como arqueologia, políticas públicas, moda, ciências ambientais e enfermagem geriátrica. O primeiro vestibular deve ocorrer no final de 2004, com a abertura de mil vagas.

Os coordenadores da equipe de implantação já afirmaram que não haverá nenhum mecanismo para privilegiar o ingresso da população de baixa renda, e por essa razão o perfil dos alunos deve ser semelhante ao das outras unidades na capital. Também não há informações sobre um possível "cercamento", como acontece no fortificado campus do Butantã.

"A grande contribuição da USP na Zona Leste será o fato de ela estar ali. Não tanto a comunidade dentro dela, mas ela dentro da comunidade", afirma Antônio Luís Marqueone, o padre Ticão, da Igreja de São Francisco e coordenador da Pastoral Social do bairro de Ermelino Matarazzo. A universidade informou que terão prioridade projetos de extensão e pesquisa destinados à solução dos problemas da região, assim como programas esportivos, culturais e artísticos voltados para a comunidade, mas sem dar detalhes de como exatamente isso será feito.

Além da USP-Leste e de um campus da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) – primeira escola de ensino superior da região, construída em Artur Alvim e aberta em 2002 –, há outra iniciativa educacional importante voltada para a região: no ano passado, a prefeitura de São Paulo, em parceria com o governo federal, anunciou a im
plantação de uma universidade pública municipal na Zona Leste, ainda sem nome. A instituição vai oferecer cursos nas áreas de saúde, tecnologia e administração, com vestibulares previstos para 2005.

Em Cidade Tiradentes, será montado um núcleo de saúde, junto de um hospital-modelo que está em construção. A universidade municipal não formará médicos, mas técnicos, tecnólogos e graduados em saúde pública. "Se não se consegue levar profissionais dessa área para trabalhar na periferia, só há um jeito de resolver isso, que é qualificar pessoas das próprias comunidades para que atuem nesses lugares", explica Branislav Kontic, assessor especial da prefeita e um dos responsáveis pela implantação do projeto.

Carta: Cidade Tiradentes, zona Leste

A escola tem como dever educar o ser humano, ajudar no seu processo de desenvolvimento físico, intelectual e moral. Mas, na maioria das vezes, isso fica apenas na teoria. Pois as escolas de hoje não são mais como as de antigamente. Há tempos ouvimos de professores que cada vez mais os alunos estão desinteressados, que não estão preocupados com nada além de conversar com seus colegas.

O desinteresse da grande maioria faz com que, os interessados em aprender sejam prejudicados, pois os professores ficam desanimados sem ter uma programação legal. Isso faz com que a escola se torne uma rotina, afastando os alunos e colaborando para que eles saiam para o mundo do crime.

Muitos freqüentam as escolas apenas para receber o histórico. A “nova escola” tem como objetivo diminuir a repetência. Os “novos pedagogos” acreditam que a reprovação é diretamente proporcional a desistência. E, hoje, há uma lei que conseguiu fazer que todo o aluno que não falta, passa. Será que não teria outra forma de mudar esse quadro de desistência? Será que essa lei garante que todos saem da escola sabendo ou saem fazendo de conta que aprenderam?

Esse faz de conta acarreta vários problemas na formação do aluno. A prova maior é que, após terem concluído o ensino médio, não estão adaptados para enfrentar o mercado de trabalho já que o mercado seleciona os mais aptos. Ou mesmo uma universidade. Dessa forma, a má qualidade de ensino acaba prejudicando o país.

A escola deveria existir de uma maneira com que os alunos sentissem vontade de estar ali. Não são apenas paredes que fazem uma escola: para uma educação responsável são necessárias diversas mudanças, desde a relação escola-comunidade até a postura do professor com a escola.

Ou a escola e a forma de ensinar mudam de cara ou continuaremos ouvindo coisas como: “Aumenta o número de jovens assassinados”, “Aumenta o número de jovens com Aids”, usando drogas, brigando por nada.

Para que haja mudanças, é importante também resgatar alguns valores: respeito, persistência, amor próprio, auto-estima, e, principalmente, responsabilidade. A escola precisa encarar o desafio de que formar alunos de qualidade não se resume a abastecê-los de conteúdo. É, também, não ignorar a realidade que os cerca.

A população deveria freqüentar as escolas, participando de atividades, como esporte, música, artesanato, junto com os alunos. Principalmente nos finais de semana, quando os pais têm mais tempo livre. Pois assim ficariam por dentro dos problemas que as escolas enfrentam e poderiam se mobilizar para tentar resolver.

Maurantonia da Silva, 20, estudante e moradora de Cidade Tiradentes

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