Expoentes do agronegócio constam da nova “lista suja” do trabalho escravo

Divulgada com atraso pelo Ministério do Trabalho, a segunda relação de pessoas e empresas condenadas em âmbito administrativo pela prática de trabalho escravo traz alguns dos maiores produtores e exportadores de algodão do país. Veja a lista
Por Maurício Hashizume
 27/07/2004

Brasília – Com mais de dois meses de atraso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou oficialmente, nesta segunda-feira (26), a segunda “lista suja” do trabalho escravo – relação com 41 fazendeiros e 8 empresas condenadas em definitivo em instâncias administrativas por prática de trabalho escravo. As pessoas físicas e jurídicas da lista que submeteram 2.300 seres humanos a condições flagrantemente desumanas, promete o MTE, passarão a não ter mais acesso a recursos financeiros de instituições estatais e perderão os direitos a benefícios fiscais ou qualquer tipo de subsídio.

A “lista suja” que relaciona exploradores do trabalho escravo revela pelo menos quatro aspectos peculiares: o envolvimento de “tubarões” do agronegócio, a reincidência marcante, a verificação da chamada “cesta” de crimes e a ligação com o poder político.

Constam da segunda edição da “lista suja” o Grupo Maeda e o fazendeiro José Pupin, dois dos principais produtores de algodão do país. A Maeda S/A Agroindustrial, com seus 15 mil hectares de algodão e 21 mil hectares de soja que se espalham em quatro Estados (Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso), foi autuada e aparece na lista suja por manter 135 trabalhadores em condições análogas à escravidão na Fazenda Guapirama, em Diamanatino, no Mato Grosso. Faturamento do grupo: R$ 200 milhões por ano.

Pupin é dono da Fazenda Marabá, em Campo Verde, também no Mato Grosso. Só nesta única propriedade, deve bater altíssimas marcas de produtividade em 2004 com a colheita de 13 mil toneladas de algodão em 8,6 mil hectares. Pois na mesma Marabá, o grupo móvel de fiscalização do MTE encontrou 56 vítimas de trabalho escravo. Pela força da mão-de-obra de quem já teve o seu suor derramado nas terras da Marabá, Pupin recebe freqüentemente comitivas de compradores internacionais. O Mato Grosso produz quase a metade do algodão brasileiro. Mais da metade segue os caminhos da exportação.

Como não aparece estampado junto aos relatórios de balança comercial, mesmo aqueles que já foram autuados por trabalho escravo no Brasil não se acanham em repetir o crime. Três proprietários simplesmente reaparecem em dobradinha nas duas listas divulgadas pelo governo federal. Jairo Carlos Borges, da Fazenda Ouro Preto, no Pará, foi autuado pela violência contra 27 pessoas na primeira vez e 18 na segunda. Donatário da Fazenda São Paulo localizada também no Pará, Romualdo Alves Coelho foi pego na primeira lista com 55 trabalhadores e com 56 na segunda. Antônio das Graças Almeida Murta, da Fazenda Lagoinha, no Maranhão, fez parte da primeira lista por vitimizar 65 indivíduos; pela segunda vez, explorou 48.

O fazendeiro Miguel de Souza Rezende é igualmente reincidente, mas em propriedades distintas. Na primeira “lista suja”, ele foi incluído por autuação da Fazenda Zonga, onde foram libertadas 70 pessoas. Na relação seguinte, aparece como dono da Fazenda Rezende, local que abrigava outros 64 trabalhadores subjugados como escravos. A segunda “lista suja” é resultado de diferentes ações realizadas no período de 1995 a 2002.

No mesmo ano de 1995, o Estado de Rondônia foi palco de um dos episódios mais trágicos dos últimos anos: o massacre de Corumbiara. Morreram onze camponeses e dois policiais militares. Ficaram feridos outros 55 e 355 foram detidos. Poupado do vergonhoso julgamento do caso, o fazendeiro Antenor Duarte do Valle continua sendo apontado pelos sobreviventes como um dos principais responsáveis pela matança. O mesmo Valle está presente na segunda “lista suja” do trabalho escravo por explorar a força de trabalho de 188 pessoas – maior quantidade de todas as 49 propriedades – na Fazenda Maringá, no Mato Grosso. Explica-se, então, a idéia “cesta” de crimes.

O mandatário que aparece na segunda “lista suja” é o prefeito de Unaí-MG, José Braz da Silva (PTB). Na primeira lista, está presente o 1º vice-presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio Oliveira (PFL-PE).

Presos em Unaí
O trabalho escravo não é algo novo para José Braz da Silva. Três fiscais do MTE – Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages – e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados com armas de fogo quando estavam em pleno serviço no município governado por ele.

As mortes expuseram o problema das condições de trabalho e, por conseguinte, a necessidade mais que urgente de ações mais enérgicas para a erradicação do trabalho escravo. Nesta mesma segunda-feira (26), o MTE divulgou uma nota em que comunica a prisão de seis suspeitos – quatro possíveis assassinos e dois possíveis mandantes – do crime de Unaí. “O esforço do governo federal é chegar o mais rapidamente possível ao mandante do crime, a fim de reiterar o compromisso de lutar pelo fim da impunidade”, diz a nota.

Segundo a assessoria da Polícia Federal, o vínculo dos capturados com o crime ainda não foi confirmado e uma entrevista coletiva deve ser marcada para esclarecer os detalhes da suposta ligação dos presos com o assassinato dos fiscais, que completa seis meses na quarta-feira (28).

Da Agência Carta Maior

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