Fiscalização móvel pode parar em fevereiro

A grande arma de que a sociedade brasileira dispõe para combater e tentar erradicar o trabalho escravo no Brasil, que atinge mais de 25 mil pessoas segundo estimativa da Comissão Pastoral da Terra, corre risco de parar de funcionar em fevereiro
Por Bia Barbosa
 29/01/2005

De 1995 até 2004, cerca de 15 mil trabalhadores que viviam em condições análogas à de escravos foram libertados pela ação de sete grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Somente em 2003 e 2004, este número superou 10 mil libertações. Além disso, as operações coordenadas pelos auditores fiscais do Trabalho determinaram os pagamentos atrasados dos trabalhadores, que totalizaram no período mais de 13 milhões de reais e possibilitaram a entrada na Justiça de ações por dano moral. Na Vara do Trabalho de Marabá (PA), por exemplo, corre neste momento um único pedido de indenização a um trabalhador escravizado no valor de 85 milhões de reais.

Esta grande arma de que a sociedade brasileira dispõe para combater e tentar erradicar o trabalho escravo no Brasil, que atinge mais de 25 mil pessoas segundo estimativa da Comissão Pastoral da Terra, corre risco de parar de funcionar em fevereiro. A Polícia Federal já informou ao Ministério Público que não participará mais das operações enquanto as diárias recebidas pelos policiais não forem reajustadas. Atualmente, policiais e auditores recebem cerca de R$60,00 brutos por dia de trabalho.Este valor, que no início das operações dos grupos móveis era suficiente para pagar uma hospedagem de qualidade para os integrantes das equipes, hoje não garante o pouso na mais simples pensão da região sul do Pará, Estado campeão em libertações.

Com a ausência da Polícia Federal, o Ministério Público do Trabalho não designará procuradores para os grupos móveis, já que sua segurança não estará garantida. E a ausência do MP nos grupos se traduz numa dificuldade grande para denúncias penais contra os que se beneficiam do trabalho escravo. As operações, portanto, não devem acontecer.

“Há duas funções dos policiais nos grupos móveis: enfrentar o crime e prender as pessoas envolvidas. E para prendê-las é preciso cumprir a legislação, lavrar os autos, etc. É uma tarefa de polícia sem a qual, depois, não se consegue condenar os responsáveis”, explica Luis Antônio Camargo, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). “A diária dos auditores e policias não é suficiente para pagar uma pensão de quinta categoria. O policial não dorme neste lugar porque o pistoleiro, a mando do fazendeiro, entra lá e o mata. Eles estão tirando dinheiro do bolso para libertar os trabalhadores. É preciso que o governo tenha sensibilidade para isso e determine o pagamento de uma diária que lhes permita cumprir com sua obrigação. O conforto já foi abandonado há muito tempo. Agora trata-se de cumprir com a obrigação”, protesta Camargo.

A denúncia foi feita durante do seminário “O Combate ao Trabalho Escravo no Mundo Globalizado”, realizado nesta sexta-feira (28) no Fórum Social Mundial. O evento contou com a presença na platéia do teólogo Leonardo Boff, dos atores Letícia Sabatella e Marcos Winter, militantes da causa, procuradores e auditores do trabalho, deputados e representantes dos sindicatos. Marcou também um ano do assassinato de quatro fiscais do trabalho em Unaí (MG) durante uma ação para a libertação de escravos.

Segundo a ANPT, a liberação do reajuste das diárias depende do Ministério do Planejamento. Quem faz o pagamento dos policiais e auditores é o MTE, já que a própria polícia não tem verba para as ações de combate ao trabalho escravo. MTE, Secretaria Especial de Direitos Humanos e a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo) têm tentado negociar mais recursos para as operações. Mas nada está garantido por enquanto. Dar estrutura para as inspeções é meta prevista desde 2003 no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo presidente Lula.

“Os grupos de fiscalização não detêm todos os meios para combater o trabalho escravo e o trabalho degradante. Isso acontece porque não é prioridade do governo, que deveria fornecer os meios materiais para a fiscalização”, acredita Grijalbo Fernandes Coutinho, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). A ANPT declarou que cobrará posturas mais claras do governo federal em relação a este problema.

“O resgate desses trabalhadores não tem preço. Encontramos fazendas onde os alojamentos sequer se assemelham ao curral onde o gado está. São de péssima qualidade, expostos a intempéries, cobertos de lona preta. A saúde do trabalhador é desprezada pelo fazendeiro, encontramos trabalhadores com tumores, leishmaniose, hanseníase, malária, calafrios. Às vezes, achamos pessoas morrendo”, relata a auditora fiscal do MTE Virna Damaceno. “Dentro deste contexto de exploração dos direitos humanos, a participação do grupo móvel é fundamental. Há pressões políticas e nós corremos riscos a toda hora, pois estamos em confronto com o poder econômico e com os latifundiários. A chacina de Unaí não impediu que os grupos móveis tivessem temor e que paralisássemos nosso trabalho. Resgatar a cidadania dos trabalhos é algo que precisamos continuar”, pediu Virna.

O Ministério Público ainda não tem nenhum procurador designado para as ações de fevereiro. Vai esperar o momento correto para uma operação de fiscalização e entrar em contato com a polícia. Se a PF não participar, a operação será abortada.

Da Agência Carta Maior. Colaborou Fernanda Sucupira.

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