Chega à Câmara projeto de lei que proíbe importação de pneus usados

Apesar de oficialmente proibir a importação de pneus remodelados, o Brasil se submete desde 2002 a uma decisão do Tribunal do Mercosul que o obriga a aceitar a entrada desse material vindo do Uruguai. Sob críticas de ambientalistas, governo decidiu agir e enviou ao Congresso um PL que proíbe importação de pneus usados
Por Maurício Thuswohl
 04/11/2005

Fazer com que o Brasil deixe de ser uma lata de lixo global para os pneus usados em outros países é uma das promessas de campanha pela qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais é cobrado pelo movimento ambientalista. A questão é delicada. Apesar de oficialmente proibir a importação de pneus remodelados, o Brasil se submete desde 2002 a uma decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul que obriga o país a aceitar a entrada de pneus vindos do Uruguai. Essa posição provocou uma chuva de liminares e decisões judiciais que significou na prática a chegada em território brasileiro de outros pneus usados vindos dos Estados Unidos e da União Européia. Quando, em 2003, Lula decidiu acabar com a taxa de R$ 400,00 imposta pelo governo anterior para cada unidade de pneu importado que chegava ao país, muita gente achou que esse tema já havia entrado para a lista de promessas não cumpridas de seu governo.

Isso pode ter começado a mudar esta semana. Após dois anos de uma discussão que envolveu sete ministérios (Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento, Justiça, Relações Exteriores, Fazenda e Casa Civil), o Executivo enviou ao Congresso um Projeto de Lei que proíbe em definitivo a importação de pneus usados, reformados e inservíveis, seja como bem de consumo ou matéria-prima. Além de evitar que o Brasil continue a receber e acumular um volume de lixo que aumenta a cada ano, o PL atende aos anseios do movimento ambientalista também ao prever a proibição e punição para o descarte inapropriado dos pneus e seu abandono no mar, rios, lagos ou riachos, terrenos baldios ou alagadiços. O projeto, que também proíbe e prevê punição para a queima de pneus em céu aberto, chegou esta semana às mãos do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e foi encaminhado para análise dos deputados nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Meio Ambiente (CMA) e Desenvolvimento Econômico (CDE).

Se transformar a proibição da importação de pneus usados e remodelados em lei, o governo brasileiro deixa de obedecer à determinação do Mercosul ao mesmo tempo em que passa a honrar a Convenção da Basiléia, da qual o Brasil é um dos signatários. Entre outras coisas, a Convenção acertada no âmbito das Nações Unidas proíbe a importação de bens usados, seja para consumo ou utilização como matéria-prima. Outras resoluções nesse sentido já haviam sido adotadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento e tudo indica que, salvo surpresas de última hora, o PL dos Pneus Usados deve ser aprovado na Câmara.

No cenário de disputa interna do governo Lula, o envio do PL ao Congresso pode ser considerado uma vitória da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que em 2003 foi convencida pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, a recuar em sua posição contrária à importação de pneus em nome de um “bem maior”, no caso a unidade do Mercosul. Desde então, Marina sempre reclamou que a questão dos pneus era tratada sem que se levasse em conta suas enormes dimensões ambientais. Em novembro do ano passado, durante uma reunião dos ministros do Meio Ambiente dos países do Mercosul realizada em Brasília, Marina criticou duramente a decisão do Tribunal Arbitral: “No Mercosul, esta questão está sendo tratada basicamente em nível comercial. Queremos que passe a ser tratada com a devida consideração dos fatores ambientais”, disse a ministra.

A decisão do Executivo de enviar um Projeto de Lei para proibir a importação de pneus foi bem recebida pelo movimento ambientalista. Uma das organizações que desde 2002 vem pressionando o governo brasileiro para que adote essa medida, o Greenpeace espera que a partir de agora a questão possa ser resolvida de forma definitiva. “Receber pneus velhos, seja do Uruguai ou de países ricos da Europa, é um problema desnecessário que o Brasil vem tendo que administrar. A importação de sucata de pneu foi condenada pela Convenção da Basiléia e já é hora de o Brasil deixar de servir como lata de lixo para países que deveriam cuidar eles mesmos de seus pneus descartados. O país já não terá facilidade para administrar o seu próprio lixo produzido”, afirma Marcelo Furtado, que é Coordenador de Campanhas da organização.

Cem milhões de pneus
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil tem atualmente um passivo de cerca de 100 milhões de pneus inservíveis à espera de encaminhamento apropriado, enquanto cerca de 40 milhões de pneus são jogados fora a cada ano. O número de pneus usados vindos do exterior vem aumentando desde 2002 e deve chegar à marca de 11 milhões de unidades importadas este ano. A indústria do pneu recauchutado é quem mais se beneficia da movimentação desse mercado. Durante uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o diretor-técnico da Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABR), Orfilo Teixeira Pena, afirmou que o Brasil teve no ano passado uma economia de cerca de R$ 598 milhões com a reforma de pneus: “Existem cerca de mil e seiscentas empresas no setor de reforma de pneus no Brasil. Elas faturaram aproximadamente R$ 4,3 bilhões em 2004 e geraram em torno de 79 mil empregos”, disse, segundo a Agência Câmara.

A maioria das empresas do setor defende a importação de pneus usados alegando que a qualidade do pneu produzido no Brasil não permite que ele seja remodelado com segurança. A baixa qualidade das carcaças nacionais é provocada, segundo os empresários, pela má conservação das estradas, pelo descarte inadequado dos pneus usados e pelo baixo poder aquisitivo da população, que costuma usar os pneus por mais tempo do que deveria. No entanto, a posição dos empresários é contestada pelo Ministério de Desenvolvimento, que este ano divulgou uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) que certifica que o pneu usado nacional é viável para remodelagem. “Essa conversa de que o parque industrial brasileiro não atende à demanda na área de reforma de pneus é uma falácia”, avalia Marcelo Furtado.

Deter o descarte inadequado
Do ponto de vista ambiental, o maior problema dos pneus inservíveis é seu descarte inadequado, uma vez que não existe no Brasil um sistema de transporte e disposição desse lixo em aterros apropriados. As duas destinações mais vezes dadas aos pneus são nefastas: quando jogados na água, causam poluição e assoreamento, além de servirem como criadouros para mosquitos e outros transmissores de doenças; quando queimados, os pneus liberam substâncias consideradas cancerígenas e com alta capacidade de poluir a atmosfera, como dioxinas e furanos. “Ainda não existe uma tecnologia que garanta a destinação ambiental adequada e segura para os pneus”, admite Marília Marreco, assessora especial do MMA.

Para minimizar esse grave problema, o PL dos Pneus Usados determina a criação do Sistema de Gestão Ambientalmente Sustentável dos Pneus, que prevê um programa nacional de coleta de carcaças usadas e inservíveis, além do cadastramento de todas as empresas que trabalham com reuso e coleta de pneus e do licenciamento e fiscalização das atividades ligadas ao setor. No sistema imaginado pelo governo, os fabricantes, importadores e reformadores de pneus serão responsáveis pela coleta, transporte e destino final desses resíduos. O movimento ambientalista aplaude a iniciativa. “Se o governo conseguir implementar um programa de capacitação para o manejo de pneus descartados, já estará atendendo a uma antiga reivindicação do movimento”, afirma Furtado.

Da Agência Carta Maior

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM