Mesmo pressionada, Cargill não assina pacto contra escravidão

Apesar dos protestos internacionais contra a companhia (e de concorrentes já tomarem medidas e estarem à sua frente), multinacional da soja não aderiu a acordo da iniciativa privada que prevê o combate a esse tipo de exploração
Por Beatriz Camargo
 25/05/2006

A multinacional norte-americana Cargill, maior exportadora de soja em grãos do Brasil, insiste em não assinar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Em um dos piores momentos para a imagem da empresa, ambientalistas que protestam contra a sua ação na Amazônia colocam como um dos principais pontos de suas reivindicações a assinatura do documento pela Cargill.

No Pacto, lançado em 19 de maio de 2005, sob a coordenação do Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), empresas se comprometem a adotar medidas para manter o trabalho escravo longe de suas cadeias produtivas. Duas de suas principais concorrentes, Amaggi e Bunge, já ratificaram o documento, bem como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Com isso, essas duas empresas podem ser monitoradas para ver se cumprem os pontos do Pacto, dando um sinal de transparência nos negócios.

Segundo um estudo da organização não-governamental Greenpeace, um pedaço da Amazônia estimado em 1,2 milhão de hectares já foi destruído para dar lugar à soja. Os Estados do Mato Grosso e do Pará, regiões de franca expansão do cultivo do grão, são também líderes em libertações de trabalhadores escravos. Esse tipo de mão-de-obra é utilizada por alguns fazendeiros, principalmente no momento da limpeza da área para o plantio. Querem, com isso, cortar seus custos de produção e ganhar competitividade, sem diminuir os lucros, em uma concorrência desleal com quem age dentro da lei.

No final do ano passado, a Amaggi, da família do governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi, assinou o compromisso após entidades internacionais solicitarem o rebaixamento dos conceitos da empresa no mercado de crédito. Uma das justificativas era o fato da Amaggi comercializar soja de fazendas flagradas com a prática de trabalho escravo – da mesma forma que a ADM, a Cargill e a Bunge. Esta e a Abiove assinaram o documento em abril deste ano.

Informada desde 2005 pelo Instituto Ethos de que mantinha entre seus fornecedores fazendas que figuram na "lista suja" do trabalho escravo, como a Vó Gercy, a Cargill afirmou, por meio de sua assessoria, que o assunto está sendo tratado coorporativamente pela Abiove, em nome de seus associados. Disse também que todos os contratos da companhia possuem uma cláusula que proíbe a existência de trabalho escravo entre os fornecedores.

Má fase
Este não é o melhor momento para a Cargill se negar a assinar um acordo que poderia contribuir com sua imagem institucional. Afinal de contas, segundo a própria empresa, ela já cumpre as ações sugeridas pelo Pacto.

Em protesto contra o seu comportamento na Amazônia, ativistas da ONG Greenpeace bloquearam o porto de Santarém (PA) por três horas e meia na última sexta-feira (19). Dois dias depois, centenas de pessoas foram à Marcha pela Floresta em Pé, em defesa da produção familiar e contra a monocultura de soja, realizada no mesmo município. O evento foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Greenpeace, Grupo de Trabalho Amazônico e Frente em Defesa da Amazônia.

Na segunda-feira (22), membros do Greenpeace bloquearam com quatro toneladas de soja a principal entrada da unidade industrial da multinacional em Surrey, na Inglaterra – quando ativistas se acorrentaram no portão de entrada do prédio da companhia. No mesmo dia, em Orleans, na França, eles fecharam uma fábrica da Sun Valley, subsidiária da Cargill que fornece frango para supermercados e redes de fast-food na Europa.

Não é apenas com as organizações não-governamentais que a Cargill tem tido problemas. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para corrigir ilegalidades no porto de Santarém, que corre o risco de ser interditado. O local é um dos principais pontos de escoamento da produção amazônica e foi construído sem um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e portanto fora do que determina a legislação brasileira. No final da década de 1990, no processo de sua construção, a empresa realizou apenas um Plano de Controle Ambiental, considerado insuficiente pelo MPF . "Não sabemos ao certo as conseqüências ambientais para a área, porque não foi feito o estudo. Sabemos que o porto traz um incremento do cultivo de soja na região. E as conseqüências sociais disso conhecemos bem, como o desmatamento e a grilagem de terras, entre outras", afirma Helena Palmquist, assessora de imprensa do Ministério Público Federal no Pará.

Uma crescente pressão da opinião pública, sobretudo na Europa e no Brasil, começa a atrapalhar as relações comerciais da Cargill. O Mc Donald's, um dos principais compradores do frango alimentado com a soja da companhia, já declarou que, se não houver mudanças, vai rescindir seus contratos. Outras redes de fast food e supermercados também exigem mudanças no comportamento da empresa.

Na segunda-feira (22), houve uma reunião com o Greenpeace, na Inglaterra, na qual compareceram diretores da Cargill no país. Não se chegou a um acordo, mas a empresa pediu uma trégua de duas semanas. "Houve uma mudança no tratamento a partir do momento em que começamos a conversar com a companhia e agora, que estamos sendo atendidos por altos executivos", diz Nilo D'Ávila, coordenador do Greenpeace.

Veja os esclarecimentos da Cargill
Leia o estudo do Greenpeace Comendo a Amazônia” (2006)

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