Exploração do trabalho

Motoboys arcam com prejuízos em promoção de rede de fast food

Entregadores a serviço de lojas da rede Habib's têm desconto no pagamento quando não conseguem deixar encomendas em menos de 15 minutos. Fato foi constatado em pelo menos cinco capitais brasileiras
Por Iberê Thenório
 14/06/2006

A promoção chama a atenção: "Vinte oito minutos ou o pedido de graça". A rede de fast food de comida árabe Habib's isenta seus clientes do pagamento da conta quando o tempo de entrega ultrapassa 28 minutos. Mas não divulga, contudo, que o prejuízo pode ser cobrado do entregador, o motoboy.

O procedimento foi confirmado em franquias de pelo menos cinco capitais brasileiras. Em Brasília, Rio de Janeiro e Salvador, os sindicatos de motociclistas (Sindmotos) já se organizaram e conseguiram proibir a cobrança em acordo com as entidades patronais. Já em algumas lojas de São Paulo e Belo Horizonte, os motoboys ainda têm que trabalhar mais para compensar os prejuízos quando não conseguem entregar a encomenda no prazo.

O Habib's, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que proíbe suas franquias de penalizar os motoboys e que, na maioria dos casos, os endereços de entrega estão dentro de um raio de três quilômetros de suas lojas. Contudo, confirma que na promoção dos 28 minutos, após o cliente confirmar o pedido, os cozinheiros têm 13 minutos para preparar e embalar a comida, enquanto o motoqueiro tem 15 minutos para efetuar a entrega.

O estudante Fabrício Suzuki, de São Paulo, ficou surpreso ao saber que era o motoboy quem arcava com o prejuízo. "Fiz um pedido e houve atraso de cinco minutos. Mas quando o motoboy me contou que tiraria do bolso dele, resolvi pagar a conta, que era de quase R$ 70,00." Fabrício conta que o episódio já ocorreu duas vezes, e em ambos os casos o motociclista disse que teria que pagar a conta.

Para o motoboy e sindicalista do Sindmoto de Belo Horizonte, Geraldo de Andrade, o tempo de entrega cronometrado expõe o trabalhador ao risco de sofrer acidentes de trânsito. "Isso obriga o motoboy a acelerar. Nos dias de maior procura, eles não contratam entregadores a mais, e o motociclista tem que tirar a diferença no acelerador." No último levantamento realizado pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), no Brasil, em 2002, foram registrados 88.566 acidentes com vítimas envolvendo motocicletas. Segundo Geraldo, os motoboys que entregam comida são os mais suscetíveis a acidentes, pois o pico de trabalho acontece à noite e há pressão dos clientes para que a comida chegue rapidamente.

Batata quente
Em todas as capitais pesquisadas, não há vínculo empregatício entre as franquias do Habib's e os motociclistas. O serviço é terceirizado para empresas de entrega, nas quais eles trabalham como cooperados. De acordo com três gerentes de franquias paulistanas, que não quiseram se identificar, o prejuízo do atraso na entrega pode recair sobre a cooperativa ou sobre a loja, dependendo do caso. Se a cozinha demorar mais que 13 minutos para preparar e embalar a comida, a franqueada cobre o gasto. Caso o atraso aconteça no trajeto, a cooperativa é responsabilizada.

Em teoria, passar a bola para a cooperativa é o mesmo que culpar os motociclistas, já que, nesse tipo de empresa, os lucros e prejuízos são divididos entre os trabalhadores. Na prática, contudo, isso pode ser ainda pior, pois nem sempre a cooperativa segue esse princípio e o motociclista arca com o prejuízo sozinho.

Segundo o chefe de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) de São Paulo, Makoto Sato, a maioria das cooperativas que prestam serviços de entrega com motocicletas atua irregularmente. "O espírito do cooperativismo é o do bem estar comum. Mas, nesses casos, quem ganha dinheiro é o presidente, a diretoria", explica Sato. Em Belo Horizonte, de acordo com o Sindmoto, houve muitas empresas que demitiram seus empregados diretos e os contrataram como cooperativa, para fugir de encargos trabalhistas.

Quibes de graça
Em maio, motociclistas de Salvador distribuíram 500 quibes em frente ao Habib's exigindo melhores condições de trabalho. Entre suas reivindicações, estava o fim do tempo mínimo de entrega. Segundo Henrique Baltazar, presidente do Sindmoto da cidade, um acordo coletivo firmado logo após o protesto proibiu a cobrança. "Agora não pode mais haver multa na entrega. Quando o motoboy passava dos 15 minutos, ficava desesperado porque ia ter o valor do pedido descontado do salário", relata.

Em Brasília e no Rio de Janeiro também foram feitos acordos para pôr fim à cobrança. Na capital federal, entretanto, os motoboys acham que isso não é suficiente, pois os entregadores continuam sendo pressionados a fazer a entrega em até 15 minutos. "Na nossa próxima convenção coletiva, queremos proibir o tempo mínimo de entrega", conta um dos diretores da Sindmoto de Brasília, Elizaldo Bonfim. O Sindmoto carioca também não está satisfeito com o acordo. "Fechamos o acordo há dois anos mas ele ainda não foi cumprido. Nem temos piso salarial", reclama o presidente da entidade, Carlos Augusto Vasconcelos, conhecido como "Tobby".

Nas capitais mineira e paulista, a cobrança ainda ocorre livremente em algumas lojas. Em Belo Horizonte, o sindicato dos motociclistas soube da cobrança há poucos dias, enquanto em São Paulo o órgão disse desconhecer a prática, apesar de motoboys que trabalham para a rede confirmarem sua existência.

A rede Habib’s é brasileira e tem 284 lojas espalhadas pelo país, das quais mais de 100 estão localizadas no Estado de São Paulo. A empresa tem 12 mil funcionários diretos e a entrega em 28 minutos responde por cerca de 20% do faturamento total de suas unidades.

* colaborou Beatriz Camargo

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