Assassinato de trabalhadores rurais na região do Alto Xingu (Carta da CPT)

 28/07/2006

É com imensa preocupação que a CPT ALTO XINGU torna público o recrudescimento da violência praticada contra trabalhadores rurais por fazendeiros locais, ao que tudo indica com o intuito de sonegar-lhes os direitos trabalhistas.

Abaixo relataremos três casos, todos praticados no município de São Félix do Xingu a partir de janeiro deste ano de 2006.

01 – O primeiro dos casos diz respeito à TENTATIVA DE HOMICÍDIO contra o trabalhador rural CLÁUDIO DOS SANTOS PONTES, 34 anos, cujo inquérito policial indiciou como mandante do crime o fazendeiro FRANCISCO ADEBALDO PEREIRA DE ARAÚJO, proprietário da FAZENDA CRISTALINA, onde a vítima trabalhou durante noventa dias, e como executor o pistoleiro DORGIVAL, vulgo "CABEÇA".

Segundo consta dos autos do inquérito policial, como o fazendeiro acima referido se recusou a pagar à vítima o valor devido, este ingressou com reclamação trabalhista na Vara do Trabalho de Redenção, que culminou em acordo no valor de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais). Já na saída da sala de audiências, realizada em 21-02-06, passou o trabalhador a receber ameaças, quando o fazendeiro teria dito: (sic) "Olha, Cláudio, tu vais pegar esse dinheiro, mas tu desfrutar dele, não."

Dois meses depois, mais precisamente em 27 de abril, tendo retornado a vítima à cidade de São Félix do Xingu, viria a ser alvejada por três tiros disparados pelo pistoleiro "CABEÇA", sendo um no braço, um no pescoço e outro no tórax.

02 – O segundo caso, o HOMICÍDIO do trabalhador rural ANTÔNIO BEZERRA DA SILVA, assassinado com três tiros na presença de várias pessoas em 08 de janeiro deste ano na cidade de São Félix do Xingu, continua até a presente data sem qualquer esclarecimento quanto à autoria do crime.

A vítima trabalhara na FAZENDA TABAPUÃ, de propriedade do senhor ALDO (sua qualificação completa é até o presente momento desconhecida da polícia local, embora seja proprietário de loja naquela cidade) e tinha verbas trabalhistas a receber.

Procurara o apoio da CPT em São Félix do Xingu dois meses antes de sua morte, ocasião em que foram calculadas as suas verbas rescisórias, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), sendo o seu caso encaminhado para a propositura de ação judicial. Após seu assassinato, uma pessoa que não quis se identificar ligou para o escritório da CPT dando a notícia de que ANTÔNIO fora assassinado e que a razão do homicídio teria sido a questão trabalhista.

03 – O terceiro dos casos refere-se ao ASSASSINATO covarde do menor HENRIQUE APARECIDO RIBEIRO, 11 anos de idade, que morreu, segundo laudo pericial, vítima de afogamento ao ser jogado no rio após ter sido embriagado e ter tido a jugular cortada. A sua orelha direita foi retirada a faca, segundo consta do laudo médico, o que aponta para um caso típico de crime de encomenda.

O pequeno HENRIQUE era filho do trabalhador rural SIDNEY APARECIDO RIBEIRO, que trabalhou por aproximadamente três anos e meio na FAZENDA ESTRELA DO XINGU, de propriedade de RONAN GARCIA DOS REIS.

Segundo declarações constantes dos autos do inquérito policial instaurado para apurar o assassinato do menor, o senhor SIDNEY procurou o senhor RONAN no dia 03 de junho do ano corrente com o intuito de receber o pagamento referente ao período em que trabalhou como vaqueiro, ocasião em que este teria dito que se o trabalhador procurasse (sic) o Ministério do Trabalho, toda sua família morreria.

No dia seguinte, 04 de junho, seus 03 filhos menores ALEX, JHONATA e a vítima, HENRIQUE, se dirigiram de bicicleta para uma fazenda vizinha onde trabalha e reside um quarto filho do senhor SIDNEY, para tanto tendo que atravessar as terras do senhor RONAN.

Como a bicicleta em que estavam apresentou problemas, o mais velho dos três seguiu adiante e a vítima e o menor JHONATA, de 08 anos, ficaram para trás, tendo resolvido tomar um banho no rio São Francisco. Segundo o pequeno JHONATA declara nos autos do inquérito, três empregados do senhor RONAN tomavam banho no mesmo local naquela ocasião. Ainda de acordo com ele, o empregado conhecido como RONALDO (vaqueiro) os forçou a ingerir bebida alcoólica (cachaça) até a completa embriaguez, e que para tanto foi auxiliado por CÍCERO (trabalhador braçal), que os segurava, um após o outro, para facilitar a ação do primeiro. Em um de seus momentos de retorno de consciência, deu-se conta de que seu irmão desaparecera.

JHONATA foi encontrado pelos seus familiares deitado às margens do rio, o mesmo não se dando com a vítima.

Após intensas buscas efetivadas pela família e moradores locais, o corpo da criança foi encontrado no dia 07 de junho, já em estado de decomposição, boiando nas águas do rio.

Apenas o trabalhador braçal CÍCERO DA SILVA NASCIMENTO, vulgo PRETO, foi indiciado nos autos do inquérito policial.

O senhor SIDNEY relata que, dias após a morte de seu filho, houve gente rondando sua residência durante a madrugada, e que se sente ameaçado pelo senhor RONAN haja vista que este, numa mesma manhã, passou várias vezes em seu carro na rua em frente ao hotel em que se encontrava hospedado enquanto acompanhava a apuração da morte do seu filho.

Ressalte-se que são vários os relatos de ameaças feitas por fazendeiros da região no sentido de intimidar os trabalhadores a não buscarem seus direitos trabalhistas, pois muitas vezes, ainda durante a relação empregatícia, são alertados de que não lancem mão de denúncias ou ações judiciais, sob pena de represálias. Há casos de trabalhadores que, desafiando tais intimidações, procuram a assessoria jurídica desta entidade para ingressar com ações na Justiça do Trabalho, porém correm o risco de não obterem sucesso em seus pleitos em razão do medo incutido pelos empregadores nas testemunhas, que preferem se calar.

Conforme exposto, os fatos relatados são extremamente graves, revelando práticas violentas que são corriqueiras na região. Para agravar ainda mais a situação, os inquéritos policiais são muitas vezes mal conduzidos, dificultando ou impossibilitando a apuração dos crimes e a punição dos culpados, somando-se a isso a extrema morosidade do Judiciário local.

A CPT Alto Xingu, preocupada com o agravamento da violência contra os trabalhadores, exige das autoridades competentes que tomem providências céleres e eficazes para apurar e punir os responsáveis por tais práticas.

 

Tucumã – PA, 24 de julho de 2006.

 

CPT Alto Xingu

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