Trabalho escravo

Em uma semana, pelo menos 169 pessoas são libertadas em cinco estados

Ações do governo federal, quase diárias, autuaram dez fazendas por trabalho escravo ou degradante nos Estados do Pará, Tocantins, Paraná, Bahia e Minas Gerais
Por Beatriz Camargo
 08/08/2006

Em uma semana, entre 28 de julho e 04 de agosto, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertaram pelo menos 169 pessoas em situações de trabalho escravo e degradante. Todos os fazendeiros foram obrigados a pagar o que deviam aos seus empregados – que voltaram, ou ainda estão voltando, aos seus municípios de de origem.

Até agora, em 2006, só o grupo móvel de fiscalização do trabalho já libertou 1744 trabalhadores, segundo o MTE

Na sexta-feira (28), no município de Abel Figueiredo, região Sudeste do Pará, o grupo móvel de fiscalização do governo federal resgatou 16 trabalhadores que desmatavam a floresta para preparar a lavoura em uma terra grilada. A propriedade não oferecia comida suficiente aos empregados, que dormiam em tendas de plástico.

Nos dias seguintes, a mesma equipe encontrou mais dois casos semelhantes ao da primeira propriedade autuada. Na segunda-feira (31), no mesmo município, o grupo libertou 15 pessoas e, na quarta (2), mais 12 na fazenda Ouro Preto, no distrito de Vila União, em Marabá.

Na Bahia, também na segunda-feira (31), a Subdelegacia do Trabalho de Barreiras, em conjunto com a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do estado, libertou 18 pessoas, entre elas um adolescente de 15 anos, em situação de trabalho degradante numa carvoaria em São Desidério, região Oeste do estado.

Na propriedade, os empregados originários de Minas Gerais se dedicavam à produção de carvão e tinham alojamento de alvenaria. Os que atuavam na derrubada do Cerrado, todos baianos, dormiam em barracões de lona na mata. Todos estavam há dois meses sem receber e trabalhavam sem equipamentos de proteção individual (EPIs). A carvoaria foi interditada e a soma dos salários atrasados e das rescisões de contrato chegaram a R$ 30.386,41.

Na mesma região, a equipe flagrou, no dia seguinte (1), mais 30 trabalhadores em condições análogas às de escravo na fazenda Triângulo, no município baiano de Riachão das Neves. A fiscalização encontrou a mesma situação de alojamento inadequado e comida insuficiente. Em meio aos libertados, havia oito crianças e adolescentes.

Na quarta-feira (2), foi dia de 27 trabalhadores ganharem liberdade, entre eles três jovens com menos de 18 anos, que se encontravam na fazenda Areia, no Tocantins. Localizada no município de Recursolândia, a cerca de 200km a nordeste de Palmas, a propriedade era reincidente na prática. Em sua área de 13.500 hectares, os trabalhadores realizavam o roço da juquira – limpeza de pastos para a pecuária.

Foram pagos R$ 60 mil referentes a rescisões de contrato e remunerações devidas e mais R$ 40 mil a título de reparação por danos morais individuais, por conta do sofrimento a que foram submetidos os empregados durante os seis meses em que estiveram retidos na propriedade. Essa indenização foi conseguida através Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público do Trabalho. Sem receber a remuneração devida e sem carteira assinada, eles dormiam em acampamentos improvisados, afastados da sede da fazenda e sem acesso à água. A alimentação era cobrada, e preparada sem condições mínimas de higiene.

O Estado do Paraná, que não costuma figurar nos índices de trabalho escravo, teve uma semana de exceção, com 13 trabalhadores resgatados, em ação conjunta da DRT-PR com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Florestal e a Polícia Civil. Os trabalhadores foram encontrados em duas fazendas de reflorestamento de pinus e de pecuária, do mesmo proprietário. Localizadas em Campo Magro e Bocaiúva do Sul, não mantinham alojamentos e instalações sanitárias adequados, nem ofereciam água potável. Além disso, os trabalhadores eram obrigados a pagar pela alimentação e por medicamentos.

A empresa Realsul Reflorestamento Américas do Sul Ltda, responsável pela contratação dos trabalhadores, assinou um TAC e vai desembolsar, no total, cerca de R$ 25 mil. Na quinta (3), 24 trabalhadores se viram livres da escravidão numa fazenda de café em Luz, Oeste de Minas Gerais. Segundo os fiscais da DRT-MG, responsáveis pela ação, a situação encontrada era nitidamente de trabalho escravo: salários atrasados em três meses, água imprópria para consumo, alimentação insuficiente e alojamentos precários. Os trabalhadores, todos vindos do Ceará, dormiam amontoados em um barraco de dez metros quadrados, sob folhas de bananeiras. Os salários atrasados e as dívidas dos empregados no mercado local, pela compra de alimentos e de equipamentos de segurança para o trabalho (que deveria ser entregues gratuitamente), mantinham os funcionários presos à fazenda.

No fim da tarde do mesmo dia, a equipe, coordenada pelo auditor fiscal do MTE Carlos Fernando Paixão, resgatou mais sete trabalhadores rurais em situação degradante em outra fazenda, no município de Córrego Danta. Todos vinham do interior do Ceará e estavam colhendo café desde maio, sem receber.

No mesmo dia, no Condomínio Casa Branca, região metropolitana de Belo Horizonte, oito trabalhadores que cortavam madeira em regime de escravidão foram libertados por outra equipe de fiscalização da DRT-MG. Essas pessoas, todas moradoras da região, estavam sem carteira assinada e com o salário, combinado em R$ 20 por semana, atrasado.

Semana atípica
Para Marcelo Campos, coordenador nacional dos grupos móveis de fiscalização do MTE, o número de libertações da semana foi acima da média, principalmente nas ações das Delegacias Regionais do Trabalho. "A semana foi atípica na quantidade de operações realizadas em campo ao mesmo tempo, tanto nacionais quanto regionais", avalia. Ele acredita que as ações das DRTs são um resultado das novas regras nas fiscalizações, contidas na Instrução Normativa nº65. "As novas normas restabeleceram os vínculos das DRTs com a fiscalização." Quanto ao grupo móvel, as ações mantiveram a média. "Só com os dados dessa semana, não é possível fazer nenhuma análise", alerta Campos.

De acordo com o MTE, o número de denúncias têm diminuído. A Comissão Pastoral da Terra afirma que houve uma redução no ritmo de denúncias no mês de julho, mas que ainda é cedo para afirmar que essa redução irá se manter.

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