O cerco aumenta

Banco Mundial utiliza “lista suja” antes de conceder empréstimos

A IFC, órgão internacional ligado ao Banco Mundial responsável por empréstimos a empresas de países em desenvolvimento, diz que passou a não financiar negócios de integrantes da “lista suja” do trabalho escravo ou de quem compra deles
Por Beatriz Camargo e Friedemann Schulze-Fielitz
 22/09/2006

A Corporação Financeira Internacional (IFC, sigla em inglês), braço do Banco Mundial responsável por conceder empréstimos ao setor privado de países em desenvolvimento, utiliza a "lista suja" do trabalho escravo como um dos critérios para orientar suas relações com empresas brasileiras. Esse cadastro elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego traz os nomes de empresas ou pessoas que tenham comprovadamente utilizado mão-de-obra escrava em sua propriedade. Atualizado a cada semestre, possui atualmente 178 nomes, incluindo os que foram suspensos provisoriamente por decisão judicial.

O uso da "lista suja" pela IFC reforça o cerco contra os empregadores que exploram trabalho escravo no país. A restrição ao crédito é uma das armas mais eficazes na luta contra essa prática, pois inviabiliza a manutenção e ampliação do empreendimento.

A postura do Banco Mundial coincide com as medidas tomadas por outros agentes econômicos no Brasil. Desde 2003, o Ministério da Integração Nacional impede que os relacionados na "lista suja" obtenham novos contratos com os Fundos Constitucionais de Financiamento – linhas de crédito voltadas ao desenvolvimento da produção nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Enquanto permanecerem no cadastro, esses empregadores também ficam impedidos de receber financiamento de instituições públicas e privadas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Banco da Amazônia, ABN Amro, Santander e Bradesco. Em dezembro de 2005, a Febraban recomendou a seus associados que a "lista suja" fosse consultada antes da concessão de crédito.

US$ 1,7 bi
Para se ter uma idéia da importância dos recursos concedidos pela IFC, considerando-se apenas a América Latina, em 2005, foram investidos 1 bilhão e 400 milhões de dólares na região. Neste ano, serão financiados 69 projetos, que totalizam mais de 1,7 bilhão de dólares. Além de avaliar os pedidos de financiamentos, a corporação também presta consultoria para o setor privado.

Deborah Goldemberg, especialista em desenvolvimento social da IFC, afirma que tanto empresas que integram a "lista suja" quanto as que compram de fazendeiros presentes nesta relação não serão beneficiadas com crédito ou qualquer outro serviço oferecido pelo órgão. Segundo Goldemberg, antes de decidir pelo financiamento de um projeto, a IFC busca informações a respeito do cliente, consultando autoridades, organizações não-governamentais e Delegacias Regionais do Trabalho. Em março deste ano, o Banco Mundial mudou as regras para aprovar empréstimos, passando a dar mais importância às questões ambientais e sociais.

Ela acredita que as empresas que solicitam recursos a IFC não utilizam trabalhadores escravos, embora possam ser compradores de fornecedores escravagistas. "Utilizamos muito a ‘lista', só lamentamos que ela não exista também para outros crimes, como trabalho infantil ou grilagem de terras."

Patrícia Audi, coordenadora do programa de combate ao trabalho escravo no Brasil da Organização Internacional do Trabalho, avalia que a utilização da "lista suja" em escala internacional significa o reconhecimento do esforço que tem sido feito para enfrentar o problema no país. "Se o Banco Mundial, numa perspectiva social, vem consultando a ‘lista' para a concessão de empréstimos, isso só nos traz alegrias." Ela considera o cadastro um dos principais instrumentos no combate a essa prática. Mas alerta que é preciso adotar "um pacote de medidas" com ações de prevenção, que incluem geração de emprego e renda e a reinserção dos trabalhadores oriundos de libertações em fazendas.

Excluídos
A "lista de exclusão" ("Exclusion List", em inglês) do IFC enumera os pontos que podem impedir a concessão de um empréstimo, como a exploração de trabalho forçado e infantil pelas empresas. "Produção ou atividades envolvendo condições degradantes ou que explorem o trabalho forçado ou infantil", determina um dos itens dessa lista. Outros pontos tratam, por exemplo, de "produção ou tráfico de qualquer item ou atividade que sejam considerados ilegais pelo país hospedeiro ou por convenções ou acordos internacionais" e "produção ou tráfico de madeira ou outros produtos de florestas virgens".

Para avaliar se a empresa responde a todos os requisitos necessários, a IFC também verifica se a empresa possui certificados emitidos por organizações não-governamentais ou instituições. Na área de florestas, por exemplo, quem emite esses documentos sobre o desempenho das empresas no setor é o Conselho Brasileiro de Manejo Florestal. O seu atual presidente, Rubens Gomes, explica que o ponto de partida para a emissão de um certificado é o respeito à legislação do país. "Qualquer empresa envolvida em trabalho escravo ou infantil não terá idoneidade para receber esse certificado." Segundo ele, o Conselho também consulta as informações da "lista suja" antes de emitir esses certificados.

Mudança de atitude
No final de 2005, o Banco Mundial recebeu um relatório com críticas às ações sócio-ambientais do Grupo Amaggi, um dos maiores produtores e exportadores de soja do mundo, pertencente à família do governador do Estado do Mato Grosso e candidato à reeleição, Blairo Maggi (PPS). Temendo a repercussão internacional e a possibilidade de perder crédito, a empresa assinou o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que determina a suspensão de relações comerciais com fazendas e empregadores que figurem na "lista suja". A Amaggi chegou a comercializar soja com, pelo menos, duas fazendas dessa relação. 

Notícia relacionada:
Megaempresa da soja cede e se compromete a assinar pacto contra o trabalho escravo

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM