“É o pão nosso de cada dia”, diz rapaz libertado de trabalho escravo

 26/09/2006

Aline Beckstein
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Rogério Brilhante, um dos 42 vendedores de rede que eram submetidos a trabalho escravo no Rio de Janeiro, tem 22 anos e nunca estudou. Para ele, esse tipo de atividade era uma forma de mandar dinheiro para a família, mesmo que em "situações degradantes", como definiu a promotoria.

"Eu não sei se isso é trabalho escravo, acho que é o pão nosso de cada dia", disse Brilhante à Agência Brasil. Vindo da cidade de Pombal, no sertão da Paraíba, ele considera o dinheiro que recebia importante para sustentar os nove irmãos, "quase todos pequenos". Só um deles trabalha, "em São Paulo, vendendo rede também".

As redes eram vendidas no Rio por no mínimo R$ 10. Os vendedores ficavam com R$ 3, mas só em teoria, pois o valor ia direto para o bolso do patrão, para abater dívidas dos trabalhadores. Eles só ficavam de fato com algum dinheiro se vendessem o produto por um preço maior – R$ 20 era o melhor que conseguiam, pelo que comentaram.

O galpão onde os "escravos" foram encontrados no último dia 18 é "pequeno, úmido e insalubre, com várias redes onde dormiam amontoados", segundo o auditor fiscal do trabalho Guilherme Moreira. Mas Rogério Brilhante disse que "achava bom, porque todos eram amigos".

De acordo com Moreira, os trabalhadores são oriundos de cidades pobres do sertão da Paraíba, com baixa instrução, desempregados ou subempregados. E muitos têm medo de falar sobre a sua situação. "Ou, pior, acham que a vida aqui é boa, comparada à situação em suas cidades de origem"

Ivanaldo da Silva Gomes tem 21 anos, só estudou até a primeira série do ensino fundamental e pertence a uma família de sete irmãos que viviam em Pombal, sendo quatro homens, que foram para o Rio e já chegaram endividados. Ele não vê a hora de voltar para casa. "Aqui é bom, é a cidade maravilhosa, mas na Paraíba é melhor".

Seu irmão Izaildo, de 20 anos, não quer voltar agora. "Falaram que vamos receber a passagem, mas vou ficar aqui. Acho que vai dar para ganhar 13º. Em Pombal, vou fazer o quê? Ficar catando coco para ganhar R$ 7 por dia?".

O procurador do Trabalho Marcelo José da Silva informa que a investigação está quase concluída e ele vai pedir abertura de inquérito criminal contra os três envolvidos: o dono da tecelagem é Manoel Gomes Xavier e os aliciadores são Kevio Romênio Monteiro da Silva e Norlândio Souza Azevedo. Ontem (25), eles foram obrigados a pagar indenização de R$ 100 mil aos trabalhadores até o final desta semana.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM