Brasil profundo

Fiscalização flagra trabalho escravo em terras de reitor

Fazenda de Marcelo Palmério, reitor da Universidade de Uberaba (Uniube), é flagrada com 164 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em Catalão (GO). Eles participavam da derrubada de árvores para a venda da madeira
Por Iberê Thenório
 19/10/2006

A fazenda produz madeira, mas os empregados são alojados em casas de tábua podre e chão batido, com paredes cheias de frestas por onde entram ratos e chuva. Endividados, os trabalhadores eram obrigados a pagar pela comida e pelas ferramentas de trabalho. Foi nessas condições que o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou na última terça-feira (17) os 164 trabalhadores da Fazenda Batalha dos Nunes, no município de Catalão (GO). A escritura da terra indica que a propriedade pertence a Marcelo Palmério, reitor da Universidade de Uberaba (Uniube), e a sua esposa, Vera Maria Marquez Palmério.

As informações sobre o flagrante são do auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação, Humberto Célio Pereira. De acordo com ele, as condições de trabalho dos libertados eram péssimas. As mulheres e filhos dos trabalhadores também viviam nos alojamentos precários, em meio ao mau cheiro e sem banheiro ou energia elétrica. Além disso, os empregados eram transportados em caminhões antigos utilizados para carregar madeira. A comida era preparada nas casas pela manhã e alojada em recipientes inadequados. Quando chegava a hora do almoço, as refeições muitas vezes já estavam impróprias para consumo. "Eles se alimentavam ao relento, na chuva no sol…", conta.

Os dados apurados pelo auditor apontam ainda para uma tentativa de burlar a legislação trabalhista com a utilização de empresas terceirizadas. A Vale do Rio Grande Reflorestamento Ltda, companhia responsável pelo corte do pinus, também de propriedade de Marcos Palmério, terceirizava seus serviços para pequenas empresas cujos donos eram os trabalhadores da própria fazenda. Esses, por sua vez, contratavam outros peões para a derrubada das árvores. "A empresa quer se eximir de sua responsabilidade, além de terceirizar a atividade-fim da empresa, o que é ilegal. Esses outros pseudo-empregadores moram nas mesmas situações dos outros trabalhadores. Nenhum deles tem capacidade financeira para manter um negócio", declara Humberto.

A fazenda também possuía um mercado e um posto de gasolina, onde os trabalhadores compravam comida, equipamentos de proteção e até mesmo corrente ou combustível para as motosserras. As dívidas eram anotadas em cadernos e eram descontadas do salário dos empregados no final do mês. "Os preços praticados eram acima do mercado, e o trabalhador não tinha controle de suas dívidas", afirma o auditor fiscal, que apreendeu 31 blocos com anotações de compras feitas pelos trabalhadores.

O gerente de reflorestamento da fazenda contou à fiscalização que, entre os compradores do pinus produzido na área, estavam as empresas Eucatex, Cagill e Ultrafértil.

Ainda não foram calculadas as multas e encargos trabalhistas, mas Humberto estima que o valor a ser desembolsado passará de R$ 200 mil.

Cidadão ilustre
Marcelo Palmério é figura conhecida no triângulo mineiro. Seu pai, o escritor Mário Palmério, foi deputado federal, embaixador do Brasil no Paraguai e membro da Academia Brasileira de Letras. Em 1947, Mário fundou a Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, que mais tarde deu origem à Uniube, da qual hoje Marcelo é reitor.

A reportagem tentou entrar em contato com Palmério, mas até o fechamento desta matéria não houve resposta.

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