Cinema

“Correntes” ganha prêmio de público na Mostra Cine Trabalho

Documentário produzido pela ONG Repórter Brasil é o mais votado em mostra de cinema em São Paulo. Filme traz a realidade de pessoas transformadas em escravos e mostra como funciona a linha de frente do combate a esse crime no país
Da Repórter Brasil
 23/11/2006
 
 
 
 
 
Imagens do documentário "Correntes"

O documentário "Correntes", realizado e dirigido por Caio Cavechini, Ivan Paganotti e Evelyn Kuriki recebeu, nesta quinta-feira (23), o prêmio Luis Espinal, concedido aos três filmes mais votados pelo público na I Mostra Cine Trabalho, realizada em Marília (SP). Correntes é uma produção da ONG Repórter Brasil e foi exibido na TV Brasil, canal do sistema Radiobrás, e na TV Sesc. A trilha sonora foi feita exclusivamente pelo grupo Mundo Livre S/A.

O filme foi o mais votado entre os sete que participavam da mostra, organizada pelo projeto Tela Crítica, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília. O evento aconteceu de 20 a 23 de novembro, e exibiu filmes de ficção e documentários que tratam do mundo do trabalho no Brasil e no exterior.

Em dezembro, "Correntes" será exibido, entre outros 27 filmes, na I Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul. O evento acontecerá em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Recife, e a entrada será gratuita. Veja os horários de exibição.

Elos da escravidão
Ao longo de 2005, os diretores de Correntes percorreram cinco estados localizados na fronteira agrícola amazônica, levando o telespectador para perto do ciclo a que está submetido o trabalhador rural que migra em busca de serviço e acaba se tornando escravo.

"O que o documentário traz como novidade é seguir o escravo desde sua origem, no aliciamento. O trabalhador que volta para casa continua vulnerável a propostas enganosas de emprego", conta Cavechini. O "gato", os hotéis "peoneiros", as condições degradantes, o cerceamento da liberdade, a libertação e a volta para casa são narradas com depoimentos e imagens de personagens. Histórias que raramente têm a oportunidade de aparecer no cinema, na tela da TV ou entre as discussões da opinião pública.

"Correntes" não se refere apenas às correntes utilizadas na antiga escravidão, mas à corrente de acontecimentos que se repetem na vida das pessoas simples do campo e que formam a espinha dorsal da narrativa do documentário. Como terceiro sentido, o nome também lembra a "corrente do bem" criada para lutar contra o problema, cujos elos são retratados no filme por ONGs, líderes comunitários e os grupos móveis de fiscalização.

O documentário passou por uma temporada de exibição na TV Sesc e sua estréia nos cinemas ocorreu no dia 25 de setembro, no Cinesesc, em São Paulo.

Ficha Técnica
Duração: 58 minutos
Direção: Caio Cavechini e Ivan Paganotti
Roteiro: Caio Cavechini, Evelyn Kuriki e Ivan Paganotti
Trilha sonora: Mundo Livre SA
Realização: ONG Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br)

Apoio: Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Parcerias: Delegacia Regional do Trabalho – MT, Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo de Mato Grosso, Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, Comissão Pastoral da Terra, SESC São Paulo, Revista Problemas Brasileiros e Agência Carta Maior.

Sinopse do documentário "Correntes"
As antigas correntes de ferro não mais aprisionam os braços e pernas dos escravos. Elas foram substituídas pelas correntes simbólicas da dívida e da violência, que agora aprisionam os trabalhadores e impedem que fujam das fazendas. Existe também uma corrente de eventos ligando os fatores que levam à escravidão: a pobreza, a migração, o aliciamento e as condições indignas de trabalho. Mas há ainda uma contra-corrente, que combate essa prática criminosa. Ela representa a articulação dos novos abolicionistas lutando contra o trabalho escravo.

O documentário "Correntes" foca as experiências dos que combatem a escravidão nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Ele apresenta as experiências e o cotidiano dos representantes da sociedade civil, de instituições e de entidades governamentais – desde auditores fiscais do Ministério do Trabalho até ativistas dos direitos humanos – enquanto tenta refletir sobre as vitórias e desafios do combate à escravidão.

Os novos abolicionistas são os personagens que apresentam e explicam as situações de exploração da mão-de-obra e de trabalho escravo que ocorrem no Brasil – e mostram como combatê-las. Cada capítulo do documentário trata de uma etapa da cadeia de eventos que leva à escravidão pela visão de um desses personagens. São eles que dialogam com os trabalhadores libertos, que articulam as estratégias de combate à escravidão, que sofrem os riscos e as ameaças e comemoram as pequenas vitórias cotidianas.

Virna e Calixto, auditores fiscais do Ministério do Trabalho, inspecionam fazendas escravocratas no Pará e Maranhão, onde negociam o pagamento de direitos trabalhistas negligenciados pelo fazendeiro e entrevistam trabalhadores submetidos a condições desumanas de moradia, alimentação e trabalho – proibidos de sair sob ameaças até que saldem suas dívidas ilegalmente contraídas.

Carmen e Ivanete, ativistas de um centro de defesa dos direitos humanos no Maranhão, abrigam trabalhadores que conseguiram fugir de fazendas e denunciam a escravidão nas fazendas da região.

Frei Xavier, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Tocantins, tenta alertar donos de "pensões peoneiras" – onde os trabalhadores que aguardam oportunidades de emprego são ilegalmente aliciados – sobre os perigos da armadilha da dívida.

O fiscal Valdinei debate com trabalhadores que migraram para o Mato Grosso, alertando para a cilada dos gatos (empreiteiros contratados pelos fazendeiros para aliciar mão-de-obra escrava) enquanto se comove com as trajetórias de vida desses retirantes.

Domigas, uma líder comunitária que lida com a pobreza cotidiana em uma das regiões de origem dos trabalhadores escravizados, reúne-se com outras mulheres que aguardam o incerto retorno do marido d
as fazendas na fronteira agrícola, na tentativa de encontrar soluções economicamente sustentáveis para interromper a migração.

Dom Casaldáliga relembra o início da "contra-corrente" que resultou de suas pioneiras denúncias contra a escravidão durante a ditadura militar dos anos 70. Hoje, outros grupos floresceram ao seu redor, lidando com novos desafios enquanto dão continuidade a luta contra o trabalho escravo.

Por último – um feito inédito – o documentário segue os passos de um trabalhador liberto de uma fazenda pela fiscalização federal. Antônio viaja de volta para sua cidade-natal depois de cinco anos rodando o Brasil em busca de emprego, e reencontra sua família emocionada pela surpresa. Entretanto, a felicidade da reunião é logo seguida pela frustrante falta de perspectivas enquanto ele planeja seu futuro no meio da paisagem devastada pela miséria – num retrato dos desafios que ainda restam para o combate ao trabalho escravo.

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