Mau exemplo

Dono de supermercados no Pará mantinha trabalhadores escravos

Quarenta e quatro pessoas foram libertadas em fazenda no município de Pacajá (PA). Estavam com os salários atrasados e comendo alimentos vencidos. Propriedade é da família Barbosa de Souza, dona dos supermercados Alvorada
Por Beatriz Camargo
 30/11/2006

Quarenta e quatro trabalhadores – entre eles quatro mulheres e dois adolescentes – foram libertados terça-feira (28), no município de Pacajá (PA) – município cortado pela rodovia Transamazônica, pelo grupo móvel de fiscalização do trabalho do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE). Eles eram mantidos como escravos na fazenda Triângulo Mineiro, conhecida também como fazenda Alvorada por pertencer à família Barbosa de Souza. A família é dona da rede de supermercados Alvorada, a maior do Sul do Pará.

A propriedade em questão pertence a Orlando Barbosa de Souza, mas é gerenciada por seu filho, Eduardo Barbosa de Souza – que já concordou em pagar direitos trabalhistas atrasados e rescisões de contrato. Ele deve desembolsar cerca de R$ 140 mil.

Os peões trabalhavam pelo menos desde maio na fazenda – um latifúndio de cerca de dez mil hectares – e estavam com os salários atrasados. Eles roçavam o pasto, preparando o terreno para pecuária, e eram obrigados a comprar comida na cantina da propriedade – além de botas, foice e outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que, pela lei, devem ser fornecidos pelo patrão. De acordo com relatos dos libertados, os produtos alimentícios – como extrato de tomate, leite e lingüiça, por exemplo – eram vendidos com preços acima do mercado e com data de validade vencida. Os trabalhadores disseram que caminhões traziam os produtos dos supermercados de rede.

Para alcançar o alojamento dos funcionários, a equipe de fiscalização teve que percorrer, a partir da sede da fazenda, um caminho a cavalo durante uma hora. Segundo o coordenador da ação, o auditor fiscal do MTE Humberto Pereira, os empregados dormiam em redes fixadas em barracos de lona que não eram proteção suficiente para as chuvas freqüentes desta época do ano na região. "Estava tudo alagado." Além disso, ele relata que a água para beber, cozinhar e tomar banho provinha de um córrego barrento que passava na propriedade – o mesmo que servia ao gado.

Ainda segundo Pereira, os agrotóxicos jogados no solo para matar palmeiras de babaçu escorriam até o córrego, afetando a água que seria bebida depois. "Alguns trabalhadores já estão apresentando sintomas de contaminação", conta.

Dois trabalhadores e uma trabalhadora estavam com malária, e foram encaminhados ao hospital. Os empregados da fazenda estão desde quarta-feira (29) hospedados em um hotel no município de Tucuruí (PA), onde os auditores fiscais calculam quanto cada um deve receber para depois poderem voltar a suas casas – ou seguir viagem em busca de melhor oportunidade. A maioria dos empregados veio do Estado do Maranhão.

Violência
Foram encontradas duas espingardas na fiscalização. Mas, de acordo com Humberto Pereira, os trabalhadores não tinham sido formalmente proibidos pelos empregadores de deixar a fazenda. A retenção dos documentos, as dívidas na cantina da fazenda e os 75 quilômetros de estrada de terra que separavam o local do centro de Pacajá, no entanto, acabavam por manter os peões confinados.

A denúncia foi feita na Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Tucuruí por um trabalhador que conseguiu sair da propriedade. Além de descrever as condições de trabalho, o denunciante comunicou a morte de um companheiro, que havia saído da fazenda um tempo antes e foi assassinado a facadas em um hotel em Pacajá, há um mês. Os trabalhadores acusam um segurança da fazenda dos Barbosa de Souza. Os fiscais visitaram o hotel e confirmaram o assassinato, que já está sendo investigado pela polícia. "O proprietário do hotel e a funcionária que viu o crime estão se recusando a reconhecer quem matou a vítima, provavelmente com medo de represálias", afirma Humberto Pereira.

Grilagem
De acordo com o grupo móvel de fiscalização, as terras da propriedade são griladas e pertencem à União. Pereira afirma que Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) serão comunicados para tomar as devidas providências. Participaram da ação de fiscalização um promotor do Ministério Público do Trabalho e agentes da Polícia Federal, responsáveis pela segurança do grupo móvel.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM