Especial Unaí

Chacina de Unaí completa três anos sem julgamento dos acusados

Dos nove envolvidos, nenhum foi julgado - entre eles, Antério e Norberto Mânica, expoentes do agronegócio brasileiro. Enquanto isso, a sombra das mortes ainda afeta o dia-a-dia dos fiscais do trabalho, que atuam em uma das frentes de expansão da fronteira agrícola no país
Por Repórter Brasil
 25/01/2007
Nelson José da Silva, João Batista Soares Lages, Erastótenes de Almeida Gonçalves e Aílton Pereira de Oliveira foram mortos enquanto realizavam fiscalização em Unaí (MG) (Fotos: Sinait)

O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora.

Em 28 de janeiro de 2004, os quatro, funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional, o que levou o governo federal a uma verdadeira caçada aos executores e mandantes do crime.

As investigações da Polícia Federal, encerradas seis meses depois, no segundo semestre de 2004, apontaram como mandantes dos assassinatos os fazendeiros Norberto e Antério Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito prefeito de Unaí pelo PSDB, com 72,37% dos votos válidos, ganhando fórum privilegiado.

Norberto foi solto em agosto de 2005, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe conceder habeas corpus. Foi preso novamente no dia 17 de julho de 2006, sob acusação de que estaria atrapalhando as investigações sobre a chacina. Por fim, uma nova liminar concedida em novembro passado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a Norberto o direito de responder ao processo em liberdade.

O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

Localização de Unaí (MG), distante 168 km de Brasília e 578 km de Belo Horizonte

Também estão envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”) e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Esse último, ao lados dos irmãos Mânica, são os únicos a responderem ao processo em liberdade.

Hugo Alves Pimenta, comerciante de cereais e patrão de Castro, chegou a ficar solto, mas voltou para cadeia depois que a Polícia Federal descobriu depósitos de dinheiro em contas de namoradas dos pistoleiros feitos por ele. Além disso, a PF apurou que Pimenta havia prometido R$ 400 mil a cada matador que mantivesse no seu depoimento a versão de roubo seguido de morte – e não de homicídio planejado. Um dos motivos da prisão preventiva de Norberto Mânica, em julho de 2006, foi a denúncia de que ele teria ligações com os depósitos, e de que estaria ameaçando uma das viúvas das vítimas. Segundo o STJ, a falta de indícios para essas acusações justificava, entre outras razões, o habeas corpus de Norberto.

Pouco mais de um ano após Unaí, veio o caso de Anapu. Em 12 de fevereiro de 2005, a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang foi assassinada por fazendeiros dessa região de fronteira agropecuária do Pará, descontentes com a atuação da irmã em prol dos projetos de desenvolvimento sustentável.

Unaí e Anapu são casos diferentes, mas exemplos da grave situação de violência no campo. Que torna-se mais intensa quando alguém se insurge contra a exploração da terra e do trabalhador. Seja ele funcionário público ou integrante de movimentos sociais.

No Pará, todos os cinco acusados pelo assassinato da missionária Dorothy Stang encontram-se atualmente presos. Três deles já foram condenados: os pistoleiros Raifran das Neves e Clodoaldo Batista, além do fazendeiro Amair Fejoli da Cunha, que os contratou. Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão, suspeitos de serem os mandantes, aguardam julgamento na cadeia.

Enquanto isso, Unaí espera uma solução.

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