Especial Estrada de Carajás

Parauapebas: entre o céu e o inferno

Cidade do Pará onde se localiza a maior jazida de minério de ferro do planeta, Parauapebas opõe a riqueza gerada pelas atividades da Companhia Vale do Rio Doce à pobreza de migrantes miseráveis, desesperados por emprego
Texto e fotos por Carlos Juliano Barros
 02/01/2007

Repórter Brasil percorreu os 892 quilômetros da Estrada de Ferro Carajás, de Parauapebas (PA) a São Luís (MA). Controlada pela Companhia Vale do Rio Doce, gigante multinacional do setor de mineração, cujo lucro líquido alcançou mais de R$ 6 bilhões no primeiro semestre deste ano, a ferrovia iniciou suas atividades em 1985. No ano seguinte, começou a funcionar o trem de passageiros, com capacidade para o embarque de até 1,5 mil pessoas.

A linha de trilhos, que corta 22 municípios nos dois estados, foi construída para escoar principalmente o ferro proveniente da maior província mineral do mundo, a Serra dos Carajás, recheada ainda de níquel, cobre, manganês, ouro, além de outros metais e pedras preciosas. Os vagões também transportam outros carregamentos valiosos como soja, combustível e fertilizantes até a capital maranhense – de onde são exportados para o mundo inteiro através dos portos de Itaqui e Ponta da Madeira.

O empreendimento bilionário redesenhou parte expressiva da paisagem amazônica, estimulou novas atividades econômicas, como a siderurgia, além de causar uma reviravolta nas relações sociais e na vida da população da região, notadamente na dos povos indígenas. O impacto gerado nas últimas duas décadas pela Estrada de Ferro Carajás, ao longo dos lugares atravessados por ela, é o assunto desta série de reportagens.

Parte I – Parauapebas: entre o céu e o inferno

Parauapebas era apenas um acanhado povoado de Marabá, no sudeste paraense, quando foi descoberta em 1967 a incrível jazida com mais de 2 bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor da Serra dos Carajás. Hoje, emancipada há quase duas décadas, e com um dos três maiores orçamentos do estado devido aos royalties e impostos gerados pelas atividades da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em seu território, a cidade sofre com um problema típico das grandes metrópoles nacionais: o crescimento desordenado.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam pouco mais de 90 mil habitantes no município. Porém, o poder público local sustenta que as estatísticas estão defasadas, e a população já passa dos 140 mil. A periferia incha a uma velocidade espantosa, e a maior parte das pessoas que se estabelecem em moradias precárias vêm de regiões muito pobres do Maranhão. Desde a privatização da CVRD, quase dez anos atrás, os negócios da empresa e a extração de ferro estão em franca expansão. Quem chega traz consigo a esperança de abocanhar um pedaço do bolo de dinheiro que a mineração injeta na economia de Parauapebas.

A ferrovia é o meio de transporte mais usado por quem chega a Parauapebas fugido da miséria

"Toda semana descem 50 novas famílias na estação do trem", afirma João Fontana, chefe de gabinete da prefeitura. Segundo ele, para corresponder à demanda social, a administração precisaria do dobro de recursos de que dispõe. "Apenas 13% dos domicílios têm rede de esgoto, e a água só dá para metade dos moradores. Temos de fazer rodízio para atender todo mundo", completa. Segurança pública é outra preocupação: os 35 policiais militares do município não dão conta da violência, que anda a passos largos.

Um emprego na Vale é o sonho de nove em cada 10 pessoas de Parauapebas

A estrada de ferro – o meio de transporte mais rápido, seguro e barato da região – é, definitivamente, a forma de acesso preferida pelas pessoas que desembarcam na cidade à procura de emprego. Pode-se dizer, sem exagero, que conseguir uma vaga para trabalhar nas instalações da CVRD é o desejo de nove em cada dez habitantes de Parauapebas. Porém, sem formação profissional e escolar consistente, arrumar um posto de operador das máquinas que revolvem as entranhas da floresta amazônica em busca de minérios não passa de um sonho impossível para a maioria dessas pessoas.

"A Vale sempre sofreu com a baixa qualificação da mão-de-obra", explica Elizabeth Martins, diretora do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Parauapebas, construído e equipado pela CVRD, em outubro do ano passado, a fim de capacitar jovens selecionados para programas específicos de treinamento da companhia. No ano que vem, diz Elizabeth, o Senai também deverá oferecer cursos profissionalizantes variados à comunidade. Mas, por enquanto, o centro de formação dedica-se exclusivamente à criação de quadros competentes para a exploração dos recursos da maior província mineral do mundo.

Vista do Núcleo Carajás, que abriga os funcionários de alta patente da Vale

Não muito distante da pobreza absoluta da periferia de Parauapebas, onde se amontoam migrantes miseráveis, encontra-se o núcleo urbano de Carajás, construído para abrigar os funcionários mais antigos e de alta patente da CVRD. A 25 quilômetros da portaria da Floresta Nacional dos Carajás, que dá acesso às minas de ferro e por onde só se passa com autorização, fica um verdadeiro enclave de Primeiro Mundo no meio da Amazônia, com clube poliesportivo, restaurantes refinados e cinema onde é possível assistir aos mais recentes lançamentos do mercado. No vilarejo de 5 mil moradores, as 1.274 casas não têm muro e foram construídas seguindo o mesmo padrão arquitetônico, à semelhança de um subúrbio norte-americano. "É um apartheid. A Vale retira boa parte de sua riqueza de Parauapebas, mas não retribui com investimentos em saúde, educação e saneamento para a maioria do povo. Ela paga seus impostos, porém isso é muito pouco perto dos problemas que a mineração gera", critica Fontana.

Periferia de Paruapebas: pobreza absoluta em meio à maior província mineral do planeta

Há ainda um fato no mínimo curioso decorrente da presença da companhia no município. Nos últimos três anos, a Polí
cia Federal realizou uma série de operações que culminaram com a prisão de diversos membros de uma quadrilha acusada do desvio de milhões de reais de contas bancárias. Por meio de um programa de computador desenvolvido por um engenheiro demitido pela CVRD, eles rastreavam as senhas eletrônicas de correntistas de todo o país que faziam movimentações financeiras pela internet. Cidade de contrastes, Parauapebas recebeu o inusitado título de capital nacional dos hackers. Tudo por causa da mineração.

Outras reportagens do especial Estrada de Ferro Carajás:
Parte II – Trem de maranhense
Parte III – O efeito colateral do progresso

* Esta reportagem integra o Especial Estrada de Carajás e foi publicada em parceria com a revista Revista Problemas Brasileiros

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