Pólo Carajás

MPF denuncia carvoeiro no Piauí que vendia para siderúrgica

Segundo o procurador que fez a denúncia, essa foi a primeira vez que esse tipo de crime foi encontrado em carvoaria piauiense vinculada ao Pólo Carajás. Tal situação, para ele, indica uma expansão desta cadeia produtiva naquele estado
Por André Campos
 29/03/2007

A Procuradoria da República no Estado do Piauí denunciou no dia 19 o empregador Marcos Antônio de Oliveira pelo uso de mão-de-obra escrava em carvoaria de Jurumenha (PI). A denúncia é baseada em fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho, que encontrou 34 pessoas reduzidas à condição de escravos na propriedade em questão em 2006.

Segundo o relatório da fiscalização, os trabalhadores tiveram suas carteiras de trabalho retidas e estavam com os salários atrasados. Além disso, as condições laborais e de alimentação eram precárias, e a jornada de trabalho era, em média, de 10 horas diárias – incluindo domingos e feriados.

De acordo com Tranvanvan Feitosa, procurador da República e autor da ação, esse é o primeiro caso em que o Ministério Público Federal (MPF) denuncia esse tipo de crime em carvoaria do território piauiense que tem sua produção vinculada às siderúrgicas. "Antes, a fiscalização só encontrava irregularidades em atividades de desmatamento e carvoarias que antecediam o plantio de grãos", explica. "Isso deixa bem claro que as carvoarias no Piauí estão em expansão."

Para Tranvanvan, o estado está virando um pólo produtor de biomasssa. "E a Procuradoria da República quer cobrar mais fiscalização dessa cadeia de comercialização", diz ele. A carvoaria de Marcos Antônio de Oliveira vendia seu carvão vegetal à Companhia Siderúrgica do Maranhão (Cosima). Na ocasião, foi inclusive a Cosima que assumiu o pagamento das verbas rescisórias, calculadas em aproximadamente R$ 250 mil.

"A siderúrgica assumiu a responsabilidade civil porque ela era a consumidora beneficiada pela atividade dessa carvoaria", afirma Tranvanvan. "Ela teria obrigação de saber se os funcionários possuíam carteira assinada, isso está garantido na legislação trabalhista. A empresa que é a primeira beneficiária assume a responsabilidade solidária pela dívida."

Segundo Fernando Rangel, superintendente geral da Cosima, as verbas rescisórias foram pagas pela empresa em nome do fornecedor. "O auditor fiscal do trabalho indagou do representante da Cosima se havia saldo de preço a crédito do fornecedor", afirma. "Como a resposta foi positiva, e o empregador não foi encontrado na ocasião, ele solicitou à Cosima que disponibilizasse esses valores para a efetivação dos pagamentos."

É antiga a discussão sobre a responsabilidade das siderúrgicas pelas condições trabalhistas das carvoarias que fornecem insumos aos seus fornos de produção. Diversos juristas questionam inclusive a legalidade da terceirização dessa atividade – que, não raro, é palco de libertações de pessoas submetidas a trabalho degradante ou escravo no interior do país.

Em 1999, visando melhorar as condições desses trabalhadores, foi estabelecido um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre o Ministério Público e seis siderúrgicas localizadas no Maranhão – entre elas a Cosima. Segundo o documento, cabe às empresas produtoras de ferro-gusa fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas dentro das carvoarias fornecedoras de matéria-prima.

Carvoaria descredenciada
A Cosima é uma das 14 empresas associadas ao Instituto Carvão Cidadão (ICC), entidade criada justamente para fiscalizar as carvoarias a reboque da cadeia produtiva do Pólo Carajás. O Instituto realiza fiscalizações nas localidades fornecedoras e relata às suas associadas os problemas trabalhistas porventura encontrados.

O superintendente geral da Cosima afirma que o ICC constatou, no início de novembro de 2006, irregularidades trabalhistas na carvoaria de Marcos Antônio de Oliveira. A partir do dia 03 daquele mês, segundo ele, a Cosima teria suspendido qualquer compra de carvão do citado fornecedor, até que o mesmo regularizasse a situação dos trabalhadores. De acordo com Fernando, poucos dias depois, no dia 06 de novembro, houve uma fiscalização da DRT na carvoaria, já descredenciada. "Esse é um compromisso assumido por todas as siderúrgicas associadas do Instituto Carvão Cidadão."

Contudo, Róbson Waldeck Silva, da Delegacia Regional do Trabalho do Piauí (DRT-PI), coordenador da ação de fiscalização que constatou a existência de trabalho escravo na propriedade, afirma que ela ocorreu entre os dias 20 e 25 de agosto de 2006 – e que, na ocasião, a Cosima ainda era compradora da carvoaria. "Nós tivemos acesso ao contrato de fornecimento e ele, inclusive, consta no relatório da ação."

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