Escravidão moderna

 18/04/2007

Landa Araujo

O que entende-se por escravidão? Destacada nos livros de história, chegou ao fim com a abolição da escravatura, assinada por Princesa Isabel em 1888. Será? Hoje, ela ainda existe. Mesmo buscando justificativas nas dificuldades econômicas e a escassez das ofertas de empregos, encontra auxílio no Tráfico de Seres Humanos, com a exploração de mão-de-obra.

Recrutar, transportar, transferir ou abrigar pessoas para fins de exploração, viola diretamente os Direitos Humanos e merece uma atenção maior, ferindo a integridade sobretudo moral das vítimas de ações ilícitas.

Em São Paulo, bolivianos são enganados pela rede de traficantes. Trazidos da cidade de La Paz, com a ilusão de ganhar de U$ 200 a U$ 300 (dólares) mensais, acaba assim que colocam os pés no Brasil. Ao chegar são surpreendidos com uma carga horária diária de mais de 14 horas e têm seus passaportes apreendidos pelos coiotes, aliciadores que fazem parte da rede dos traficantes de seres humanos.

Nos primeiros seis meses, os bolivianos trabalham com o mínimo de condições, o que ganham é automaticamente direcionado para pagar os gastos da passagem. A geração dos gastos destes meses, são cobrados por mais seis meses. Totalizando um ano de trabalho escravo para pagar as supostas dívidas.

O Serviço Pastoral do Migrante, em São Paulo, tem um centro de apoio que presta serviços aos mesmos para regularização de documentos de identificação, evitando que os mesmos não tenham problemas com a legalidade no Brasil.

"Nós aqui do Centro de Apoio, não temos um panfleto, nossa divulgação é de boca-a-boca e recebemos cerca de 30 pessoas por dia. Atendemos de setembro de 2005 a dezembro 2006, mais de 13 mil imigrantes, onde 90% são bolivianos desejando regulamentar documentação", diz o Coordenador do Centro, Paulo Illes.

A cidade de La Paz , na Bolívia, é uma rota de tráfico internacional e gera muita mão-de-obra desvalorizada. Não há uma pesquisa elaborada para levantar o números de migrantes que chegam ao Brasil, mas, de acordo com o posto de vacinação contra malária de La Paz entre janeiro e junho de 2005, 72 % dos que saíram de La Paz tinham a cidade de São Paulo como destino segundo o levantamento feito pela instituição Observatório de Controle Interamericano dos Direitos dos Imigrantes Interamericano – OCIM da Bolívia.

A rede de tráfico em São Paulo é focado principalmente com oficinas de costura, nelas, os estrangeiros trabalham como escravos e muitos não podem sair à rua, pois tais locais são clandestinas.

"Eu não sabia que seria isso, ele (aliciador) me falou que o horário de trabalho seria de 8h às 18h, trabalhei por um ano e meio neste local, no horário de 7h às 22h. Mas, fui jogado para fora da oficina com minha família, quando fiz alguns questionamentos. Eles prenderam meus documentos, disseram que eu ia ter que levar mais dinheiro, nunca mais voltei lá", afirma *João Mendes, 39 anos.

Há três anos João mora em São Paulo e trabalha em uma indústria de costura. Ele cumpre uma carga horária de 15 horas diárias, de segunda a sábado, região da Armênia, juntamente com a família: esposa e seus dois filhos, um de 16 e o outro de 19 anos. O trabalho, que é por produção, rende à família entre R$ 450 a 500 reais mensais.

"A alimentação é dada no dia que as pessoas produzem, se elas não trabalham, por exemplo, no domingo, não recebem alimentação", afirma Paulo que completa: "Apesar do trabalho ser assim, muitos acham que é uma oportunidade, pois conseguem enviar cerca de R$ 100 para a família que ficou na Bolívia e não enxergam que estão sendo vítimas da mão-de-obra escrava".

O Centro de Apoio ao Migrante, registram casos muito parecidos com o de Pablo e colocamos, partes de alguns deles:

Como o de *Pedro M. L, em Setembro de 2006.

"Estava trabalhando na Bolívia e o trabalho estava indo mal, escutamos na rádio que precisavam de pessoas para trabalhar no Brasil, nos disseram que iriam pagar bem, que iríamos ganhar uns U$ 200 (dólares) por mês, alguns dias se passaram e essa pessoa que disse que nos levaríamos até Brasil. Pegamos tudo o que tínhamos e fomos. Apostamos até o último centavo, vendemos todas as coisas. Mas chegando aqui, não foi bem assim. Nos sentimos confusos nesse momento. (…)

A Fronteira

"Partimos de La Paz até Cochabamba e chegamos até Santa Cruz de la Sierra. Ofereceu-nos passagem para Assunção do Paraguai por U$ 65 (dólares). Chegando a Assunção, encontramos um paraguaio que nos prometeu passar a fronteira por U$ 150 (dólares) e outro concorrente por U$ 120, optamos pelo mais barato. Chegamos a Salto del Guairá, na fronteira com Brasil, ouvíamos muita promessa que íamos atravessar, mas não chegava o momento. Ficamos lá uma semana e o dinheiro acabava pouco a pouco", relembra Pedro.

Outras dificuldades apareceram para ele, quando chegou à oficina para trabalhar, percebeu que seu direito de ir e vir estavam cessados, qualquer atitude diferente da produção das roupas, eram mal vistas pelo dono da oficina. Sua trajetória no Brasil, daria um livro repleto de tristezas e luta, ele foi atendido por Paulo, pelo Centro de Apoio e encaminhado à Policia Federal. Suas documentações já estão protocoladas e aguardam deferimento do pedido de permanência. Até chegar ao Centro de Apoio ele e a família já tinham gastado desnecessariamente aproximadamente R$ 350 para obter informações.

Segundo a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil – PESTAF, no sudeste, quando se trata do tráfico interno, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são consideradas "receptoras", constituindo-se, também, em pontos intermediários importantes para as rotas do tráfico internacional, uma vez que possuem os aeroportos de maior tráfego aéreo do país.

Algumas pessoas traficadas possivelmente não percebem que foram forçadas à práticas de trabalhos semelhantes à escravidão ou abusivas. Possivelmente, vêem sua situação como conseqüência da decisão arriscada que tomaram, sendo obrigadas a obedecerem a seus contratos de trabalho.

A jovem * Maria Fagundes, 22 anos, chegou ao Brasil com o marido, mas logo depois flagrou o mesmo com a sobrinha, do dono da oficina e foi obrigada por seu parceiro continuar o trabalho para sustentá-lo, sozinha procurou auxílio no Centro de Apoio.

"Chegamos da Bolívia, eu, meu marido e três crianças, o dono da oficina nos trouxe para cá. No começo moramos em uma favela. Mas de depois de um tempo fomos levados para uma oficina de costura em local escondido. Ficávamos trancados, só hoje o dono abriu a porta para eu sair e me virar. Ficamos lá uns oito meses. Trabalhávamos o dia inteiro e noite a
dentro. Recebíamos uns cinqüenta reais por mês e nada mais", relembra Maria.

Outros locais e histórias parecidas acontecem em outros territórios brasileiros, principalmente nas áreas rurais, favorecidos ao cenário do trabalho escravo. A estimativa chega há 25 mil pessoas mantidas em condições bem próximas da escravidão em estados como Maranhão, Pará, Floresta Amazônica e Mato Grosso.

Para Paulo, que acompanha casos de exploração de mão-de-obra, alguns bolivianos têm o sonho de voltar para o país de origem. Mas, devido à escassez de emprego, acabam voltando para o Brasil, fazendo uma migração quase que contínua.

Apesar do trabalho escravo, o boliviano João não deixa de demonstrar seu amor ao Brasil e afirma que as dificuldades não prejudicam ver o lado bom do País. "Não quero sair do Brasil, eu gosto daqui, ele é limpo e tem um sol inesquecível", finaliza.

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