Mobilização

Dimensão dos protestos foi demonstração de força, afirmam movimentos

Pela primeira vez unidos em um movimento nacional de reivindicação, a esquerda radical, movimentos autônomos e setores mais alinhados ao governo deram ao Planalto um recado claro de que haverá resistência contra propostas de retirada de direitos
Verena Glass
 23/05/2007

Apesar da chuva que ensopou em São Paulo militantes e lideranças dos principais movimentos sociais que organizaram a jornada de mobilização desta quarta-feira (23), a avaliação final foi um canto uníssono de vitória. Para a direção nacional do MST, CUT, Conlutas e Intersindical, a iniciativa logrou unificar um número tão grande e diverso de militantes em torno de uma mesma pauta de reivindicações, como não se via desde os tempos do “Fora Collor”, no início da década de 1990.

De acordo com o balanço provisório dos movimentos, ocorreram atividades em praticamente todo o país. Por parte do MST, por exemplo, foram contabilizados 39 bloqueios de rodovias federais e estaduais em oitos Estados (São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba). O Movimento dos Atingidos por Barragens ocupou hidrelétricas no Pará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e bloqueou estradas em Goiás, Ceará e na Paraíba. Nos Estados já citados, como nos demais – Acre, Amazonas, Amapá, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, e Tocantins, bem como em Brasília -, o movimento sindical, estudantil e demais articulados na jornada paralisaram atividades nos serviços públicos e empresas privadas, e realizaram atos e manifestações nos centros urbanos.

Apesar do alcance das manifestações a nível nacional, no entanto, para os grandes movimentos sociais e sindicais o 23 de maio foi um exercício nada fácil de tolerância e coexistência política, uma vez que reuniu a esquerda radical, como Conlutas (braço sindical do PSTU) e Intersindical (do PSOL), movimentos mais autônomos, e outros mais alinhados ao governo, como a CUT e a UNE. Unificados inicialmente em torno de um comunicado conjunto, que apontou a política econômica do governo como principal fator de aprofundamento dos desajustes sociais, nos últimos dias a CUT acabou se apartando dos demais com um discurso voltado ao apoio ao veto do presidente Lula à emenda 3 da Super Receita, e questões pontuais, como o PLP 001/07.

Em São Paulo, na manhã desta quarta a central sindical acabou chamando um protesto quase solitário na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), contra a derrubada do veto de Lula pelo Congresso. No ato, que reuniu cerca de mil manifestantes, não faltaram críticas veladas às organizações sindicais mais radicais.

“Achamos importante construir a unidade do movimento social e sindical na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Agora, não podemos confundir, na nossa opinião, uma pauta genérica, que não tem claramente ações concretas em relação ao que estamos defendendo. Por isso a CUT está fazendo uma manifestação com pauta muito ligada no dia-a-dia dos trabalhadores. É a defesa do serviço público, dos servidores públicos, a defesa dos direitos dos trabalhadores contra a emenda 3 e a favor do veto presidencial, não uma campanha genérica contra as reformas que ainda não foram apresentadas. Nossa posição é a de fazer uma manifestação, construir a unidade, mas ter uma pauta muito clara de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores”, afirmou o presidente da CUT, Artur Henrique.

No período da tarde, uma outra manifestação, que se seguiu a uma assembléia dos professores das universidades estaduais no Masp, também na Paulista, reuniu todos os movimentos convocantes da jornada. Nesta oportunidade, Artur chamou a articulação do 23 de “momento histórico para a CUT e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que reuniu os setores público e privado, o campo e a cidade”.

Dirigente da Conlutas (que não está na CMS e que liderou o ato da tarde), o diretor da Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais, José Maria de Almeida, concordou com a avaliação de sucesso da jornada por conta da unificação de tantos e tão diversos setores, mas, ao precisar a necessidade de que o processo tenha uma continuidade, ponderou que o maior desafio da articulação será a superação das diferenças entre a CUT e os setores mais críticos ao governo. Rebatendo as colocações do presidente da Central sobre a falta de foco das propostas de combate à política econômica, José Maria afirmou que, enquanto o governo continuar pagando os altos juros da dívida externa, por exemplo, nunca haverá recursos para o desenvolvimento social. “Isso é concreto. Fora isso, é apenas discurso”.

Dirigente da Intersindical, o bancário Edson Carneiro, o Índio, ressaltou que, “isolados, os movimentos não conseguem nada. O desafio é construir unidade para defender direitos. Não aceitaremos reformas que retirem direitos dos trabalhadores”. Mas ponderou também que é preciso “construir unidade com quem quer lutar, não com quem quer segurar”.

Impactos e perspectivas
Apesar das nem tão sutis alfinetadas entre as organizações, a avaliação é que a experiência foi um logro que terá conseqüências interessantes. Por um lado, avalia Paulo Pasin, um dos dirigentes sindicais demitidos pelo metrô de São Paulo e ligado à Intersindical, houve uma demonstração de forças por parte dos trabalhadores que deve levar governo e Congresso a refletir, antes de mexer em direitos trabalhistas. Por outro lado, apesar da certeza de que a mídia deverá jogar contra os movimentos, a temperatura da luta foi elevada e deve contagiar um número crescente de trabalhadores, quando se derem conta que seus direitos estão em perigo, acredita o sindicalista.

“Vai ser difícil o Congresso derrubar o veto à emenda 3 agora, bem como criar um substitutivo a ela. Também demos um recado ao Fórum da Previdência, não aceitaremos reformas”, diz Pasin. Em outubro, quando uma conclusão sobre a matéria deverá ser encaminhada pelo Fórum ao Congresso, os movimentos planejam uma grande marcha a Brasília para pressionar contra perdas de direitos.

Para o dirigente nacional do MST Gilmar Mauro, a articulação dos vários setores e movimentos – que teve início, segundo ele, nas manifestações contra o presidente dos EUA, George W. Bush, em março deste ano, e depois se consolidou no 1º de Maio de Luta, na Praça da Sé, em São Paulo – conseguiu realizar uma das maiores mobilizações da história recente do país e teve o mérito de universalizar, entre os vários atores, as pautas específicas de cada movimento, num gesto de solidariedade muito importante para o sucesso das lutas sociais.

“O recado ao Congresso, ao governo e ao Capital foi claro: amplos setores da sociedade organizada não vão deixar barato ataques aos seus direitos”, afirma Mauro. Prova disso, segundo ele, foi a paralisaçã
o de muitas categorias do setor produtivo (“como Toyota e Honda em Campinas, por exemplo”) e a sinalização de que outras paralisações poderão ocorrer. Os bloqueios de rodovias também simbolizaram a capacidade de interrupção do fluxo do capital.

Para a deputada federal Manuela D´Ávila (PCdoB-RS), é óbvio que a mobilização social tem um papel fundamental na influência sobre a disputa política do Congresso, uma vez que o voto dos parlamentares não é o mesmo quando há e quando não há pressão social.

“Uma parcela dos deputados já tem uma posição clara favorável ou contrária à manutenção do veto à emenda 3, por exemplo. Mas outra parcela considerável é influenciável pelas mobilizações sociais. Nem se fale do governo”, diz a deputada.

*Colaboraram Bia Barbosa e Antonio Biondi

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