Trabalho Escravo

Ação na Ilha de Marajó acaba com escravidão de 20 anos

Grupo móvel de fiscalização libertou 30 pessoas de trabalho escravo em fazenda de criação de búfalos, no município marajoara de Soure, no Pará. Isolados e presos por dívidas, alguns trabalhavam há duas décadas no local
Por Beatriz Camargo
 04/06/2007

O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encerrou uma ação que libertou 30 pessoas da escravidão, na última sexta-feira (1), na fazenda Santa Maria, no município de Soure, na Ilha do Marajó, Estado do Pará. O grupo cuidava da criação de búfalos e alguns dos trabalhadores moravam no local há 20 anos. O proprietário, Ovídio Pamplona Lobato, é médico e reside em Belém (PA).

Do grupo móvel participam auditores fiscais do trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal. De acordo com o auditor fiscal Humberto Célio Pereira, coordenador da ação, os trabalhadores estavam presos por intermédio de dívidas. "Eles tinham que comprar tudo na cantina, desde botas até comida", relata. Os trabalhadores não tinham sequer acesso ao valor dos produtos comprados, que era descontado diretamente de seus respectivos salários. Apenas sabiam que a dívida, na maioria das vezes, ultrapassava o valor do que deveriam receber. Pelo acordo verbal, eles deveriam receber mensalmente um salário mínimo (R$ 380,00). Em 2006, porém, o ganho anual de alguns trabalhadores foi de R$ 500,00.

A Santa Maria também praticava a retenção de documentos, outro elemento típico presente em casos de trabalho escravo. "O patrão pegava a carteira de trabalho para assinar e não devolvia", conta Humberto. Além disso, na sede da fazenda, foram encontradas nove armas de grosso calibre, entre elas dois fuzis de uso restrito das Forças Armadas.

Ainda de acordo com o coordenador da ação, os trabalhadores moravam em taperas com suas famílias. Não havia energia elétrica, condições sanitárias ou água potável. Toda a água vinha da chuva ou, na estação seca, dos igarapés. A que vem dos rios é barrenta e levemente salobra, mas era consumida, conforme relato de Pereira, sem nenhum tratamento.

A propriedade tem 30 mil hectares. Quatro peões faziam a limpeza do pasto e os demais cuidavam dos animais. Quatro adolescentes – um de 13 anos, dois de 15 e um de 16 – estavam entre o grupo que foi libertado. Crianças que moravam na propriedade não tinham acesso à escola.

Outro fator que contribui para caracterização do trabalho escravo é o isolamento do local. A Fazenda Santa Maria está a 12h de barco de Belém e a 1h de barco da cidade mais próxima. Cestas básicas e produtos para a cantina chegavam num barco enviado mensalmente pelo proprietário. Quando o grupo móvel chegou ao local, no entanto, os trabalhadores passavam fome, porque a embarcação do mês de maio ainda não havia chegado. "Eles estavam comendo camaleão com farinha e peixe pescado nos igarapés", discorre o coordenador da ação.

Morte
A fiscalização confirmou ainda que um homem que trabalhava na Santa Maria morreu afogado, há 11 anos, enquanto tentava navegar de um curral a outro da fazenda. Segundo o relato feito pelos moradores do local aos fiscais, a canoa não tinha condições de ser utilizada e o trabalhador foi substituído no serviço pela própria esposa, que não recebera qualquer tipo de indenização pelo acidente fatal que vitimou o marido.

Acordo
O procurador do MPT, Carlos Leonardo Holanda Silva, ajuizou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que Ovídio Lobato se comprometeu a pagar R$ 610 mil ao grupo de trabalhadores dentro de um prazo de 60 dias. Nesta data, a equipe que fiscalizou a fazenda vai voltar ao local para acompanhar o acerto.

O Ministério Público deverá entrar com uma ação civil pública contra Ovídio, que também vai responder um processo criminal por trabalho escravo e posse ilegal de armas.

A reportagem entrou em contato com a advogada de Ovídio. Ela não quis dar declarações, mas afirmou que encaminhará à Repórter Brasil um depoimento escrito relatando a visão do empregador.

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