Carne bovina

Grupo móvel liberta 128 trabalhadores no entorno de Goiânia

Fiscalização encontrou duas propriedades de plantação de capim com trabalho escravo, em Mairipotaba e Trindade. Trabalhadores estavam sem receber e em condições de alojamento precárias. Em uma delas, houve resistência à ação
Por Beatriz Camargo e Iberê Thenório
 28/06/2007

O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 128 trabalhadores da escravidão em duas propriedades em Goiás, na região do entorno da capital Goiânia. A ação, que começou dia 19 de junho e ainda está em andamento, encontrou 63 pessoas na Fazenda Aguapé, em Mairipotaba, e 65 trabalhadores na Fazenda Santa Maria, em Trindade, distantes 104 km e 40 km da capital goiana, respectivamente. Em ambas os trabalhadores colhiam sementes de capim para a criação de gado.

Na Aguapé, o pagamento semanal que havia sido combinado na contratação da empreitada, ocorrida entre os meses de maio e junho, não estava sendo honrado. Só houve desembolso de adiantamentos. Quase metade dos 63 libertados partiram de Imperatriz, no Maranhão. Os outros vieram da mesma região. Há quatro mulheres no grupo. "Os trabalhadores estavam abrigados em barracos de plástico, sem parede, de chão batido, e bebiam água de uma represa que era a mesma que o gado bebia", relata Dercides Pires da Silva, auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação do grupo móvel, composto também por integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF).

Segundo a equipe de fiscalização, a alimentação também era precária. O proprietário da Aguapé, Sinomar Pereira de Freitas, deve desembolsar R$ 100.769,18 em rescisões trabalhistas, mas pediu um prazo para pagar o que deve até 30 de junho. Por enquanto, os trabalhadores estão alojados em hotel do município de Pontalina, a 20 km de Mairipotaba.

Resistência
Na Fazenda Santa Maria, trabalhadores também chegaram ao local entre maio e junho. Alguns haviam recebido "vales" de adiantamento no valor máximo de R$ 200. "Mas a fazenda estava devendo muito mais", pontua Dercides. As condições de alojamento e alimentação também eram ruins. Os trabalhadores dormiam à beira de um córrego em barracas de plástico preto, em que não havia camas nem colchões, apenas leitos feitos de arbustos. Eles bebiam da mesma água que era fornecida aos animais e não tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Entre os libertados, havia três mulheres, duas delas com filhos recém-nascidos. Um deles com apenas dois meses de idade e o outro de três meses. Na cantina que funcionava na Santa Maria, os trabalhadores acumulavam dívidas para comprar alimentos e mercadorias diversas.

Segundo a investigação do grupo móvel, os trabalhadores estavam sendo ameaçados: a saída do local de trabalho estava condicionada ao pagamento da "dívida" contraída na fazenda.

O coordenador da ação conta que houve resistência à fiscalização, apesar da presença da PF. "Não respondiam às nossas perguntas, nos ignoravam e nos dirigiam palavras agressivas. Ironizavam a fiscalização", descreve Dercides."Foi muito estressante, eu nunca passei por isso", desabafa. Dois policiais civis foram ao local e chegaram a interferir no trabalho de fiscalização, até que foram afastados da equipe pela Polícia Federal. O grupo móvel confirma que o "gato" (aliciador de mão-de-obra a serviço do fazendeiro), identificado apenas como Carlos, tem dois irmãos na Polícia Civil.

A dívida trabalhista da Santa Maria, de propriedade de João Emídio Vaz, é de R$ 110.782,86, mas os administradores disseram que não pagariam o valor devido. Em casos como esse, o processo vai diretamente para a Justiça do Trabalho. O procurador do MPT que acompanhou a ação, Antônio Carlos Cavalcante, garante que entrará com ações judiciais relativas ao caso até segunda-feira (2). "Também já se iniciou o processo de expropriação das fazendas no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], para serem destinadas à reforma agrária", explica o procurador. Os trabalhadores, que moram nas cidades da região – com exceção de um deles, que também veio de Imperatriz – voltaram para suas casas.

Conexões
As duas propriedades de Goiás vendem a produção para a loja Sementes Ieda, de Imperatriz, no Maranhão, que pertence à Ubiratã de Brito Borges. De acordo com as investigações do grupo móvel, mais do que comprador, Ubiratã tem envolvimento com a estrutura de aliciamento de trabalhadores. "O gato da Aguapé, Luiz Sérgio de Brito Borges, que também administra a fazenda, é irmão do Ubiratã. O gato Carlos, da Santa Maria, trabalha com Ubiratã há cerca de 15 anos", denuncia o auditor fiscal Dercides.

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