Cinema

Mostra na França exibe luta brasileira contra o trabalho escravo

O documentário "Correntes", que mostra o dia-a-dia da linha de frente ao combate à escravidão, estará na 3ª Mostra Brasil em Movimento, entre os dias 4 e 10 de junho em Paris
Por Leonardo Sakamoto
 05/06/2007
 
 
 
 
 
Imagens do documentário "Correntes"

O documentário Correntes, de Caio Cavechini e Ivan Paganotti, que narra a luta contra o trabalho escravo contemporâneo no país, estará na 3ª Mostra Brasil em Movimento, a ser realizada em Paris, entre os dias 4 e 10 de junho. Uma iniciativa da ONG Autres Brésils, a mostra exibirá ao público francês 17 documentários sobre direitos humanos e questões sociais de nosso país, acompanhados de debates com os seus diretores.

A sessão do dia 10, sobre trabalho escravo, terá além da exibição do Correntes, também o documentário La Légend de la Terre Dorée (A Lenda da Terra Dourada), de Stéphane Brasey.

Produzido pela Repórter Brasil, o Correntes está há um bom tempo na estrada e foi visto por milhares de pessoas em exibições no cinema, TVs ou em festivais, como a 1ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos da América do Sul e a Mostra Cine Trabalho 2006, em que ficou com o prêmio de melhor documentário. Também recebeu a Menção Honrosa na edição 2006 do Prêmio Vladmir Herzog de Anista e Direitos Humanos e foi laureado no concurso internacional "Pobreza, Desigualdade e Direitos na Panamazônia", promovido pela Actionaid.

O diretor Caio Cavechini, que irá participar de um debate sobre o combate à escravidão no Brasil após a exibição do Correntes no dia 10, contou um pouco sobre o vídeo e a dificuldade de fazer documentários no Brasil.

Repórter Brasil – Por que Correntes?
Caio Cavechini – Correntes é o resultado de um impulso audiovisual na direção das parcerias e desafios enfrentados pelos novos abolicionistas. Quem denuncia e quem combate o trabalho escravo é também quem apresenta esse problema para os documentaristas. E deles vêm o principal recado: a necessidade de formação de uma teia, uma rede de ações… uma corrente. O nome representa mais duas discussões propostas pelo documentário: a escravidão por dívida (corrente simbólica) e a condição social das vítimas – a cadeia de acontecimentos que leva um trabalhador a condições desumanas de trabalho e sobre os quais se deve atuar.

O Brasil que você viu para fazer o documentário passa na TV?
Uma das primeiras vitórias da luta contra o trabalho escravo foi tornar o
problema público e divulgá-lo. Uma denúncia bem sucedida depende do seu
alcance. Hoje, o trabalho escravo é notícia. Talvez não com a frequência e
profundidade que o tema exige. Mas as entidades que atuam nessa luta têm
conseguido levar o problema à opinião pública. O Correntes é mais uma
iniciativa nesse sentido, propondo relações e discussões mais aprofundadas,
que nem sempre são possíveis dentro da dinâmica de um canal aberto, por
exemplo. E, para não ser injusto, preciso lembrar que o próprio Correntes
faz um registro de que a notícia está correndo… "a Federal tá em cima".
Tem que continuar correndo.

Como é possível fazer documentário no Brasil e conseguir ser visto se você não tem grana, não é bem relacionado e não é herdeiro de banco?
Com a ajuda de muita gente boa, de amigos e de profissionais comprometidos e sensíveis. Sem a ajuda dos amigos, não teríamos câmera, por exemplo. Sem os parceiros, faltariam as passagens aéreas. Correntes foi feito do jeito que dava para ser feito, no sacrifício. Temas como esse exigem ações coletivas, como o próprio documentário propõe. E, depois de pronto, exige um trabalho dobrado, que é sair distribuindo DVDs por aí pra tentar fazer a discussão se espalhar. Mas não acho que tenha que ser assim sempre, no sacrifício. Incentivar a industria cinematográfica e a formação de profissionais capazes de propor novos olhares e discussões sobre a nossa realidade é fundamental para um país. E depois passa por um processo (ainda lento) de formação de público, de garimpar espaços para o documentário, fazer com que as pessoas assimilem um tempo e uma linguagem diferente.

Veja um trecho do documentário.

Ficha Técnica
Duração: 58 minutos
Direção: Caio Cavechini e Ivan Paganotti
Roteiro: Caio Cavechini, Evelyn Uliam e Ivan Paganotti
Trilha sonora exclusiva: Mundo Livre SA
Realização: ONG Repórter Brasil

Apoio: Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Parcerias: Delegacia Regional do Trabalho – MT, Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo de Mato Grosso, Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, Comissão Pastoral da Terra, SESC São Paulo, Revista Problemas Brasileiros e Agência Carta Maior.

Sinopse do documentário
As antigas correntes de ferro não mais aprisionam os braços e pernas dos escravos. Elas foram substituídas pelas correntes simbólicas da dívida e da violência, que agora aprisionam os trabalhadores e impedem que fujam das fazendas. Existe também uma corrente de eventos ligando os fatores que levam à escravidão: a pobreza, a migração, o aliciamento e as condições indignas de trabalho. Mas há ainda uma contra-corrente, que combate essa prática criminosa. Ela representa a articulação dos novos abolicionistas lutando contra o trabalho escravo.

O documentário "Correntes" foca as experiências dos que combatem a escravidão nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Ele apresenta as experiências e o cotidiano dos representantes da sociedade civil, de instituições e de entidades governamentais – desde auditores fiscais do Ministério do Trabalho até ativistas dos direitos humanos – enquanto tenta refletir sobre as vitórias e desafios do combate à escravidão.

Os novo
s abolicionistas são os personagens que apresentam e explicam as situações de exploração da mão-de-obra e de trabalho escravo que ocorrem no Brasil – e mostram como combatê-las. Cada capítulo do documentário trata de uma etapa da cadeia de eventos que leva à escravidão pela visão de um desses personagens. São eles que dialogam com os trabalhadores libertos, que articulam as estratégias de combate à escravidão, que sofrem os riscos e as ameaças e comemoram as pequenas vitórias cotidianas.

Virna e Calixto, auditores fiscais do Ministério do Trabalho, inspecionam fazendas escravocratas no Pará e Maranhão, onde negociam o pagamento de direitos trabalhistas negligenciados pelo fazendeiro e entrevistam trabalhadores submetidos a condições desumanas de moradia, alimentação e trabalho – proibidos de sair sob ameaças até que saldem suas dívidas ilegalmente contraídas.

Carmen e Ivanete, ativistas de um centro de defesa dos direitos humanos no Maranhão, abrigam trabalhadores que conseguiram fugir de fazendas e denunciam a escravidão nas fazendas da região.

Frei Xavier, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Tocantins, tenta alertar donos de "pensões peoneiras" – onde os trabalhadores que aguardam oportunidades de emprego são ilegalmente aliciados – sobre os perigos da armadilha da dívida.

O fiscal Valdinei debate com trabalhadores que migraram para o Mato Grosso, alertando para a cilada dos gatos (empreiteiros contratados pelos fazendeiros para aliciar mão-de-obra escrava) enquanto se comove com as trajetórias de vida desses retirantes.

Domigas, uma líder comunitária que lida com a pobreza cotidiana em uma das regiões de origem dos trabalhadores escravizados, reúne-se com outras mulheres que aguardam o incerto retorno do marido das fazendas na fronteira agrícola, na tentativa de encontrar soluções economicamente sustentáveis para interromper a migração.

Dom Casaldáliga relembra o início da "contra-corrente" que resultou de suas pioneiras denúncias contra a escravidão durante a ditadura militar dos anos 70. Hoje, outros grupos floresceram ao seu redor, lidando com novos desafios enquanto dão continuidade a luta contra o trabalho escravo.

Por último – um feito inédito – o documentário segue os passos de um trabalhador liberto de uma fazenda pela fiscalização federal. Antônio viaja de volta para sua cidade-natal depois de cinco anos rodando o Brasil em busca de emprego, e reencontra sua família emocionada pela surpresa. Entretanto, a felicidade da reunião é logo seguida pela frustrante falta de perspectivas enquanto ele planeja seu futuro no meio da paisagem devastada pela miséria – num retrato dos desafios que ainda restam para o combate ao trabalho escravo.

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