Petição: Pedido de Interdição da Penitenciária Feminina de Sant’Ana

 19/07/2007

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ CORREGEDOR DOS PRESÍDIOS DA CAPITAL
DR. CLÁUDIO AMARAL PRADO

 

PROCEDIMENTO CORREICIONAL Nº C-17/07

 

ASSUNTO: REITERAÇÃO DE PEDIDO DE INTERDIÇÃO DA PENITENCIÁRIA FEMININA SANT’ANNA E OUTRAS PROVIDÊNCIAS

U R G E N T E

Em 24 de maio último a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, através dos defensores subscritores, manifestaram-se no procedimento correicional nº C-17/07 pela interdição da Penitenciária Feminina de Sant’Anna tendo em conta gravíssimos problemas identificados in loco em visita realizada pela Instituição no tocante ao aprisionamento das mais de 2.700 mulheres ali recolhidas.
Falta de médicos, dentistas, ginecologistas, psicólogas, assistentes sociais; água suja nas torneiras; falta de escolta para levar as presas aos hospitais; péssimos alojamentos para as visitas (mães e filhos que sequer têm onde sentar!); falta de assistência medicamentosa; pombos infectados e ratos por todo lado foram as reclamações levadas a esse MD. Juízo, entre outras.

Conforme noticia o procedimento em epígrafe, Vossa Excelência fez uma visita ao local logo após nossa manifestação e determinou fosse oficiado ao Excelentíssimo Senhor Secretário da Administração Penitenciária requisitando providências e informações, com cópia inclusive do expediente. Tais providências e informações, ao que consta, não foram tomadas e nem levadas ao conhecimento desse d. juízo até agora. Já houve até reiteração do pedido judicial.

Ocorre que o horror narrado nas denúncias iniciais (Conectas e várias matérias jornalísticas) somado pelo conteúdo de nosso pedido parece aumentar a cada dia que passa. Naquele pedido informávamos que o presídio não tinha médico. Pois bem, continua sem. Comunicávamos também a morte da presa Soraya Souza Cerqueira, entre outras barbaridades.

Agora são mais TRÊS mortes de presas: Terezinha Rosa Jesus; Hérica Pereira da Silva e Juliana Santos da Silva.

Todas as mortes poderiam ter sido evitadas se socorridas as presas a tempo.

A mais chocante e preocupante delas é sem dúvida a morte de Juliana Santos da Silva e neste fato centramos esta reiteração de nosso pedido de interdição do referido presídio.

Juliana foi levada ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário em 20 de junho de 2007 e no dia 22 de junho, dois dias depois, foi levada às pressas, às 23 horas e 31 minutos para o Hospital do Mandaqui. Lá foram realizados imediatamente vários exames de sangue e identificado um quadro de vasculite sistêmica, insuficiência renal aguda e hipercalemia, além de distúrbio de coagulação.

Juliana morreu algumas horas depois em razão de parada cardio-respiratória. Os médicos do Mandaqui diagnosticaram icterícia obstrutiva aguda, insuficiência renal crônica e suspeita de LEPTOSPIROSE.

A presa Juliana morreu em razão de complicações decorrentes de LEPTOSPIROSE!!!!!!!!! Ou seja, uma doença infecciosa causada por uma bactéria presente na URINA DE RATO DE ESGOTO.

Trata-se, pois, de gravíssimo incidente que se não tomadas providências em caráter urgente colocar-se-á em risco toda a população da Penitenciária Feminina de Sant’Anna, incluindo os funcionários e visitantes, podendo ali ocorrer uma epidemia.
Assim que soubemos da morte de Juliana, há poucos dias, solicitamos os laudos para o Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário e também para o Hospital do Mandaqui. O Centro hospitalar informa ter levado a presa Juliana ao hospital do Mandaqui com quadro de sífilis terciária, mas o Hospital do Mandaqui emitiu laudo SEM NENHUMA REFERÊNCIA A SÍFILIS.

É do conhecimento público e notório que sífilis se cura com a simples administração de penicilina. A sífilis terciária é uma doença facilmente identificável (simples exame de sangue) e os sintomas geralmente aparecem de 3 a 12 anos depois da infecção. Além do exame de sangue, um simples e rápido exame clínico já é o suficiente para identificar a sífilis terciária: o paciente apresenta tubérculos (lesões elevadas) ou gomas (ulcerações), além de alterações neurológicas, cardiovasculares e articulares.

Se os médicos do Mandaqui não identificaram esses sintomas e lesões em Juliana é porque certamente a doença devia ser outra, MAIS GRAVE. E era. Suspeita-se de leptospirose.

Já a leptospirose, em estados graves, derruba a resistência do paciente atingindo seu sistema imunológico de tal forma que qualquer doença latente em si aflora imediatamente. Se Juliana havia se infectado com sífilis em algum momento de sua vida, entendemos tenha essa se manifestado em razão de seu quadro crítico de deficiência imunológica causada pela leptospirose.

Em razão de sua morte, lavrou-se o boletim de ocorrência nº 3774/2007, no 20º Distrito Policial da Capital e a provável causa anotada foi a leptospirose.
É muito grave a situação.

Não se tem notícia tenha o Hospital do Mandaqui enviado o soro do sangue de Juliana para o Centro de Zoonoses da Capital – procedimento obrigatório em casos de suspeitas tais. A leptospirose é doença de notificação obrigatória para o Ministério da Saúde, conforme a Lei nº 6.259, e 30/10/75 e Decreto nº 78.231, de 12/08/76 e Portaria nº 2.325/GM de 8/12/03. Não se tem notícia tenha sido realizado tal procedimento.

A identificação sorológica da leptospirose é feita logo após o início da doença. Geralmente na primeira semana da doença. Não se tem notícia tenha o Hospital do Mandaqui realizado tal diligência. O do Sistema (Hospital Central) certamente não deve tê-lo feito.

É preciso pois trazer à colação todas as informações necessárias à verificação da causa mortis de Juliana. Sabe-se que os hospitais devem manter acondicionados por algum tempo – em geral dois anos – os soros obtidos do sangue de seus pacientes, de modo que se o Hospital do Mandaqui já não o enviou ao Centro de Zoonoses da Capital, requeremos seja determinado esse procedimento. Com a máxima urgência, oficiando-se por fax.
Outrossim, caso tenha-se perdido o soro do sangue de Juliana é ainda possível diagnosticar a leptospirose através de uma análise imunoestoquímica através do cadáver da paciente. Essa análise pode ser melhor explicada oficiando-se à Coordenadoria de Vigilância e Saúde do Município de São Paulo (COVISA) – tel. 3350.6617.

Destarte, não tendo o Hospital do Mandaqui realizado o exame e/ou encaminhado o soro do sangue da paciente para análise no Centro de Zoonoses, fica desde já requerido tomem-se informações a respeito do exame imunoestoquímico junto ao referido Órgão Municipal e, eventual e oportunamente realizado.

Juliana apresentou TODA sintomatologia de leptospirose, de modo que sua morte indica gravíssimo estado de precariedade no aprisionamento das mulheres na Penitenciária Feminina Sant’Anna, colocando em risco, igualmente, todas as pessoas que ali trabalham, incluídos nossos oito advogados conveniados.

A mera indicação de leptospirose é suficiente para, desta vez, determinar a interdição do referido estabelecimento penal. A mera indicação sugere seja oficiado, o que também se requer, à Vigilância Sanitária do Município para que realize imediata desinfecção do local.

A principal causa é a presença de ratos de esgoto, além de, entre outras, terrenos baldios e sujos. Quanto a isso, há um terreno baldio naquele complexo penitenciário e encontra-se nos fundos do estabelecimento. Pode-se ver das janelas das celas do pavilhão nº 3. Nós o vimos. Imundo, cheio de entulho e lixo.
Há também de se anotar que Vossa Excelência constatou em visita correicional àquele presídio (em 19.06.07) o problema da existência de ratos e que isso se devia à necessidade de reforma na rede de esgoto. Vossa Excelência inclusive oficiou à SAP solicitando informações sobre a reforma, até hoje sem resposta, ao que consta.
Em pleno século XXI não é possível admitir uma situação medieval como essa. É preciso fazer cessar imediatamente essas violações. Não há outra medida senão a imediata remoção das presas para outras unidades prisionais. Repetimos que os Centros de Ressocialização Femininos não estão acima do limite de suas capacidades. É preciso retirar, pelo menos, e imediatamente, todas as presas de um dos pavilhões (sugerimos o terceiro onde estão as que têm penas mais brandas) para que a Secretaria da Administração Penitenciária , o Município, quem seja, limpe o local e mate os ratos e pombos ali existentes. É preciso uma ação rápida, pontual e urgente.

Daí o novo pedido, não apenas reiterando o anterior, mas agora solicitando sejam apuradas com o máximo rigor as causas que levaram à morte da detenta Juliana Santos da Silva.

Até agora, Excelência, são, então, 4 mortes nos últimos meses. Soraya, Terezinha e Juliana tiveram “mortes naturais” e Hérica, certamente acometida de depressão, mas sem nenhuma assistência médica, resolveu por fim à própria vida. Não é possível que tenhamos de assistir mais mortes naturais e mais suicídios nessa infecta e gigantesca enxovia de mulheres que se transformou a antiga Penitenciária do Estado de São Paulo. Urge interfira a Justiça Pública de São Paulo para barrar esse horror.
É o que tínhamos a relatar e requerer.
Seguem anexos alguns documentos abaixo listados.
São Paulo, 17 de julho de 2007.

GERALDO SANCHES CARVALHO
Defensor Público Assessor
Coordenador Geral da Assistência Judiciária ao Preso

FRANCIANE DE FÁTIMA MARQUES
Defensora Pública
Coordenadora Assist. Preso na Capital

 

CARMEN SÍLVIA DE MORAES BARROS
Defensora Pública
Coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária

 

1. Ficha de atendimento jurídico da presa Juliana Santos da Silva com notícia do falecimento ao ser chamada pela advogada conveniada;
2. Boletim de ocorrência para apurar a morte de Juliana;
3. Encaminhamento para o Hospital Central;
4. Informação do Hospital Central com diagnóstico de sífilis terciária;
5. Relatório médico do Hospital do Mandaqui;
6. Texto médico a respeito da leptospirose;
7. Perguntas freqüentes sobre lepstospirose;
8. Texto a respeito de sífilis terciária;
9. Cópia de portaria que trata de notificação compulsória de doenças infecciosas;
10. Extratos dos processos de execução das presas falecidas.

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