Cana-de-açúcar

MPT desmonta esquema de fraude em contratos de safristas

Empresas de contratação da região de Bauru faziam cortadores assinarem diversos documentos em branco - sem data nem especificações; acusadas forneciam mão-de-obra para os grupos Cosan e Zilor
Por Beatriz Camargo
 04/09/2007
 
Procuradores Luís Henrique Rafael (esq.) e José Fernando Maturana no Escritório Avenida, em Macatuba (Foto: PRT15)

O Ministério Público do Trabalho (MPT) desvendou um esquema de fraude em contratos do corte de cana-de-açúcar que já pode ter prejudicado milhares de pessoas. O órgão descobriu que empresas terceirizadas de contratação de mão-de-obra apresentavam ao safrista um bloco de documentos que deveriam ser assinados como parte do processo de admissão e que estavam "em branco", ou seja, não continham data ou especificações, e que eram preenchidos depois pelas empresas. Os empreendimentos criminosos forneciam mão-de-obra para os grupos Cosan e Zilor.

O chamado "kit-fraude" era composto por três tipos de contrato, que eram firmados ao mesmo tempo pelo trabalhador: o de experiência, válido por três meses, de safra e o por tempo indeterminado. Além disso, ele também assinava a prorrogação das contratações por mais um mês, a rescisão do contrato e recibos de fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). "Com isso, a empresa podia mandar embora quando quisesse, tudo sem o pagamento dos direitos trabalhistas cabíveis", explica o procurador Marcus Vinicius Gonçalves, da sub-sede de Bauru da Procuradoria Regional do Trabalhao (PRT) da 15ª Região, um dos responsáveis pela ação. "Cerca de mil trabalhadores eram contratados por safra e, no fim do ano, eles perdiam o aviso prévio sem saber. Com isso, eram mil salários economizados", conta o procurador Luís Henrique Rafael, também coordenador das investigações, junto com o procurador José Fernando Maturana.

Luís Henrique considera impossível calcular quantos trabalhadores deixaram de receber seus direitos, mas estima que são milhares. "Essa prática deve existir há muitos anos. Tem empresa aberta desde 1990." Ele lembra que o trabalhador é em geral migrante e com baixa escolaridade – muitas vezes analfabeto. "Eles têm medo de denunciar porque quem cria problemas não é contratado na próxima safra e eles dependem do trabalho. É preciso uma ação de fora para regularizar essa situação." Segundo o procurador, na maioria das vezes, os documentos eram assinados sem serem lidos, na própria frente de trabalho ou dentro do ônibus.

Laranjas
Na quinta-feira (30), procuradores do MPT, auditores fiscais do trabalho, auditores da Receita Federal e agentes da Polícia Federal apreenderam uma série de documentos no Escritório Contábil Avenida, no centro da cidade de Macatuba (SP), distante 46 km de Bauru. De acordo com a investigação realizada até agora, o local, que tem filial em Pederneiras (SP), gerenciava diversas empresas "laranjas" de contratação, que faziam a intermediação de mão-de-obra. Foram encontrados centenas de "kits-fraude" e notas fiscais que comprovam o fornecimento de mão-de-obra das empresas para usinas dos grupos Cosan e Zilor.

Segundo o procurador Marcus, já foram identificadas de oito a dez empresas desse tipo atuando na região, ligadas ou não ao Escritório Avenida. Ele explica que elas forneciam mão-de-obra direta ou indiretamente – por meio de fornecedores das usinas – para o Cosan e indiretamente para o Zilor, já que o grupo não possui mais plantações, apenas usinas. "Quem se beneficia das fraudes são esses dois grupos. Vamos investigar qual é a participação deles no esquema." Os procuradores apontam ainda que as empresas criminosas estão em nome de pessoas simples e que muitas vezes os endereços são inexistentes, coincidem com casas de habitação popular ou com o endereço do Escritório Avenida em Macatuba.

Por telefone, o Escritório Contábil Avenida disse que não falaria sobre o assunto. Em nota, o grupo Zilor afirma que não tem atividade de corte de cana na região mas, ao mesmo tempo, "reafirma o compromisso de excluir da relação de fornecedores aqueles que
estejam cometendo práticas irregulares perante a legislação trabalhista." E completa que "considera importante a atuação dos órgãos públicos para corrigir as possíveis irregularidades relacionadas ao trabalho desenvolvido nas lavouras de cana."

No mesmo sentido, o grupo Cosan declara que "não compactua com qualquer irregularidade e exige de todas as prestadoras de serviço o cumprimento rigoroso das normas estabelecidas pela legislação brasileira". Afirma, ainda, que irá investigar paralelamente as denúncias apresentadas e, "caso seja identificada alguma irregularidade, poderá suspender ou até cancelar o contrato com o fornecedor de cana-de-açúcar".

O Ministério Público do Trabalho e o grupo Cosan, que produz o Açúcar da Barra, têm um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que prevê a redução progressiva da tercerização de mão-de-obra para o corte até 2010. O MPT alerta, no entanto, que o TAC pressupõe que as empresas de contratação sejam idôneas e que, portanto, ele foi descumprido. "Vamos executar o TAC [cobrança de uma multa pelo descumprimento] com acordo, ou ajuizar uma ação", afirma Marcus Vinícius. Ele ainda não sabe o valor dessa multa, que está sendo calculada.

Investigação
As fraudes foram descobertas a partir de fiscalizações de rotina no corte de cana-de-açúcar na região de Bauru. A equipe de fiscalização encontrou "kits-fraude" escondidos em ônibus e carros de "gatos" (também chamados de "turmeiros", que fazem a contratação de mão-de-obra e que constam como proprietários das empresas). Foram entrevistados trabalhadores e gatos e alguns deles confessaram a prática. A equipe passou a fazer inspeções nas sedes das empresas de contratação e acabou desvendando o esquema.

O procurador Marcus Vinicius prevê que, além de responder por crimes trabalhistas, as fraudes podem ter "desfecho criminal". "Há uma prática comprovada de formação de quadrilha e violação do artigo 203 do Código Penal [que trata de fraudes contra a organização do trabalho].

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