Amazônia

Benefício econômico e social do desmatamento é temporário

Estudo mostra que modelo de exploração dos recursos naturais aplicado na Amazônia se caracteriza por ciclos curtos e insustentáveis de incremento dos indicadores socioeconômicos em áreas pressionadas pelo desmatamento
Por Maurício Hashizume
 01/10/2007

A equiparação de dois índices amazônicos sintetiza bem a lógica predominante na maior floresta tropical do mundo. Enquanto a produção econômica regional não passa de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o desmatamento na região soma 75% do total das emissões de gás carbônico do país. Os dados apresentados no estudo "O avanço da fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso", de Adalberto Veríssimo e Danielle Celentano, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ajudam a mostrar que, para além dos graves problemas ambientais, o modelo vigente na Amazônia também não se sustenta do ponto de vista socioeconômico.

No trabalho, os pesquisadores retomam a tese central elaborada pelo consultor do Banco Mundial, Robert Schneider. Em 2000, ele identificou na Amazônia a ocorrência de ciclos curtos e insustentáveis de crescimento econômico e de melhorias do índice de desenvolvimento social (IDH) – que combina dados de longevidade, grau de escolaridade e níveis de renda – nas áreas sob pressão do desmatamento. Esse movimento é acompanhado do aumento no registro de conflitos fundiários, assassinatos no campo e flagrantes de trabalho escravo.

Uma vez exploradas, essas localidades voltam a apresentar indicadores semelhantes ao de núcleos populacionais que vivem em ambientes ainda cobertos pela floresta. "Os municípios mais desmatados da Amazônia apresentam IDH inferior à média da região. Os 43 municípios com mais de 90% de sua superfície desmatada apresentaram IDH de 0,67442 em 2000, enquanto a média regional foi de 0,705. O desmatamento não trouxe alto desenvolvimento humano para nenhum desses municípios e nem mesmo representou melhores IDHs quando comparados aos municípios florestados", coloca o estudo elaborado por Adalberto e Danielle.

Completa a tese do "boom ao colapso" uma outra constatação dos pesquisadores: os 43 municípios com mais de 90% de sua superfície desmatada apresentam PIB inferior à média da região. Atestam os autores: "O PIB médio nesses municípios (US$ 23 milhões) é 60% inferior à média da Amazônia. Além disso, 33% desses municípios apresentaram uma queda no PIB entre 2000 e 2004. O desmatamento não gerou uma economia estável nem robusta quando comparada aos municípios florestados. De fato, o resultado médio da economia entre os municípios da zona desmatada e os da zona florestal não apresenta diferenças estatísticas significativas".

O estudo divide a Amazônia Legal em quatro grandes zonas (veja quadro abaixo): a não-florestal (referentes à Cerrado, campos e campinaranas), a desmatada (municípios originalmente cobertos por florestas que perderam mais de 70% de sua área florestal), a sob pressão (novas fronteiras de desmatamentos e ocupação na Amazônia) e florestal (região conservada, com apenas 5% da cobertura florestal desmatada).  

Concentração de renda
A desigualdade de renda na Amazônia cresceu em comparação à década de 1980. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) de 2005 citados no estudo do Imazon, as 225 mil pessoas mais ricas da Amazônia detêm 12% da renda domiciliar total da região, enquanto outros 11,3 milhões de pessoas mais pobres detêm praticamente a mesma fatia (16%).

O ciclo do "boom ao colapso", enfatiza Adalberto Veríssimo, gera riqueza especialmente para grupos ligados às centenas de madeireiras que atuam na região. Segundo ele, há hoje aproximadamente 500 madeireiras explorando as madeiras amazônicas, muitas delas de modo ilegal. Nesse estágio, explica o pesquisador, a matéria-prima é extraída da floresta e é feito o processamento (corte em formato de tábuas). "Mas quem lucra mais são os segmentos associados à exploração da madeira instalados na região Centro-Sul, que estão mais próximo da industrialização, vendendo o produto final em forma de forro ou móveis", coloca.

Investimento estatal
"Não se trata apenas da verificação do IDH. Por qualquer ângulo, o desenvolvimento da Amazônia ficou bem aquém do seu imenso potencial. A infra-estrutura instalada na região é precária. O modelo aplicado historicamente é ambiental e socialmente ruim", enfatiza Adalberto. A participação do Estado na região, concentrada na matriz das grandes obras e dos grandes projetos pela ditadura militar nos anos 60 e 70, seguida pela ausência nas décadas de 80 e 90, só se modificou mais recentemente.

Historicamente, realça Adalberto, muito pouco foi investido em regularização fundiária. "A qualidade do desenvolvimento depende muito disso", diz, sublinhando a permanência da concentração dos investimentos em infra-estrutura física – rodovias, hidrelétricas e linhas de transmissão – como propõe o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) sustentado pelo atual governo. "Falta investimento em ciência e tecnologia. Nesse campo, nada mudou", analisa. Para ele, o Brasil precisa investir substantivamente no conhecimento humano para manter a floresta em e dar a oportunidade para que os amazônidas possam fazer parte de ciclos mais sustentáveis de desenvolvimento, tanto do ponto de vista ambiental quanto socioeconômico.

Confira a íntegra do estudo:
O avanço da fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso

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