Especial – Carajás

Combinação de cadeias produtivas define quadro socioambiental

Modelo instalado na região de Carajás não cumpre promessas de inclusão e sustentabilidade, incentiva a estrutura do latifúndio e se aproveita de relações sociais como a peonagem de dívida, base da escravidão contemporânea
Por Maurício Hashizume
 29/11/2007

O Retrato

Parte 2As Cadeias (Ferro-gusa, Carvão, Gado e Madeira)

Criança brinca com caminhão de brinquedo carregado de mini-toras em Gurupi (Foto: CDVDH)

Região de Carajás – "Quando chegamos, havia apenas quatro casas aqui". Antônio Honorato de Souza, de 80 anos, lembra bem quando se mudou com a família inteira para o bairro do Pequiá, em Açailândia (MA), em 1986. Naquela época, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) ainda estava sendo construída. Incontáveis serrarias disputavam avidamente as árvores nativas da região.

O lavrador Antônio e sua esposa, Rita Ferreira de Souza, de 73, dividem o bairro com cinco siderúrgicas do Pólo Carajás. Um dos nove filhos do casal trabalha numa das guseiras há mais de 15 anos. "Onde tem siderúrgica, tem poluição. Não tem jeito. Mas pelo menos tem trabalho", resume Rita. A poeira das ruas de chão batido por onde circulam os moradores se mistura com a constante fuligem preta expelida dos altos-fornos das siderúrgicas. É notória a incidência de doenças respiratórias, em especial entre as crianças.

"Precisamos de um hospital", solicita a esposa de Antônio. Apenas uma ambulância atende o bairro. "Às vezes, quando um doente chega, o carro já está atendendo outra pessoa", continua. O pioneiro casal pede a instalação de filtros em todos os altos-fornos. Eles sabem, entretanto, que as melhorias dependem principalmente da organização da comunidade local. "Tenho 80 anos, mas, se precisarem de mim, é só me chamar", anuncia Antônio.

Vizinha dos moradores do Pequiá, a Viena – Siderúrgica do Maranhão S/A desenvolve um programa de "despoeiramento", que engloba a descarga de carvão de um dos fornos (são cinco no total), o plantio de árvores em volta da unidade industrial como cortina protetora e o calçamento de algumas vias principais e internas do bairro. Por intermédio do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema), a Viena doou ao município de Açailândia uma ambulância e declara ter construído uma caixa d`água de 300 mil litros para o abastecimento. A siderúrgica, que produziu 960 mil toneladas no período 2006/2007, alega ainda que investiu R$ 600 mil no projeto de alfabetização de jovens e adultos direcionado aos moradores do Pequiá e que mantém um programa de educação ambiental.

Os impactos da atividade em sua fase industrial que incomodam Antônio e Rita, contudo, não se comparam às conseqüências da produção de carvão vegetal, essencial para a cadeia. O carvão é utilizado não só para aquecer os altos-fornos. É também matéria-prima que se funde ao ferro e compõe o produto final. O processo agrega até seis vezes o valor do minério bruto. Com base nesse argumento, a Justiça do Trabalho do Pará reafirmou em decisão unânime o vínculo entre a Siderúrgica do Maranhão S. A. (Simasa) e uma carvoaria que foi flagrada explorando trabalho escravo.

Estudo mostra que o carvão é a principal conexão
entre a siderurgia com a socioeconomia (Foto: Ibama)

Secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect) do Pará e ex-membro do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), Maurílio Monteiro sublinha que o número de empregos gerados pelo setor siderúrgico é pequeno se comparado à população local. No estudo "Siderurgia na Amazônia oriental brasileira e a pressão sobre a floresta primária", de 2004, ele chama a atenção para a diferença entre os 2,4 mil empregos criados e a perspectiva de surgimento de 21,6 mil empregos no ano 2000, presente no Plano Diretor da EFC. Os salários médios de US$ 200 também não são suficientes para provocar alterações no perfil de renda da região.

"Outro aspecto que poderia ser significativo na relação entre as produtoras de ferro-gusa e a economia regional seria a receita tributária oriunda desta atividade. Contudo, as isenções fiscais sobre os lucros dos empreendimentos e sobre a comercialização de seus produtos reduzem significativamente o volume de tributos pagos por estas indústrias", adiciona Maurílio, para quem a principal articulação entre as siderúrgicas e a socioeconomia real da região, portanto, é a demanda por carvão vegetal.

Guseiras instaladas na região ainda não cumpriram os Planos Integrados Floresta/Indústria (Pifis), que estabeleceram diretrizes e metas em relação à origem do carvão. De acordo com o pesquisador, a produção de uma tonelada de ferro-gusa requer 875 kg de carvão vegetal. Para se chegar a essa quantidade, são necessários 2,6 mil kg de madeira seca (que, em média, tem uma densidade de 360 kg/m³ em matas nativas). Ou seja, essa matéria-prima exige o desmatamento de uma área de pelo menos 600 m².

Regra de três
"Antes, a fiscalização do Ibama ficava correndo atrás dos caminhões de carvão. Mudamos a forma de atuar, utilizando uma simples regra de três", conta Antônio Carlos Hummel, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O instituto passou a recolher informações que as próprias empresas apresentavam sobre a produção de gusa, a demanda e o consumo declarado de carvão vegetal. Verificou-se então a ocorrência de um déficit significativo sem comprovação legal nas averiguações de 13 siderúrgicas (seis no Pará e sete no Maranhão). "Se as guseiras tivessem cumprido desde o início a reposição florestal, de acordo com o Art. 20 do Código Florestal, a produção de carvão vegetal já estaria estabilizada", analisa.

Maurílio Monteiro: Setor sider&u
acute;rgico não cumpriu planos de reflorestamento (Foto:Carlos Sodré/Ag Pa)

As irregularidades resultaram na emissão de R$ 598 milhões em multas no ano de 2005. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que transfere a responsabilidade da gestão florestal e do licenciamento ambiental ao estado foi firmado. Depois de negociações, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema) deve concluir um cronograma final para o TAC. O Ibama mantém uma força-tarefa do setor jurídico para a cobrança dos autos de infração. Há recursos na esfera administrativa apresentados pelas companhias autuadas.

Nos idos de 1987, Aziz Ab`Saber já criticava o "evidente atropelo nas iniciativas de implantação de núcleos industriais para a produção de ferro-gusa" no artigo "Gênese de uma nova região siderúrgica: acentos e distorções de origem na faixa Carajás/São Luís".

"Definiu-se que a siderurgia regional somente poderia ser rentável se fosse baseada no carvão vegetal, a ser obtido de florestas regionais. Não se tomou nenhuma medida mais séria para experimentar uma silvicultura ao longo das faixas das terras degradadas estabelecidas às margens das rodovias e ferrovias. Optou-se deliberadamente pela queima dos recursos da natureza vegetal amazônica copiando o modelo catastrófico ocorrido nas terras de mata atlântica em Minas Gerais e Espírito Santo", destrincha.

Relações escravocratas
A implantação do setor na Amazônia Oriental se apoiou também, na avaliação de Maurílio Monteiro, em estruturas e relações sociais já existentes – como o latifúndio e a peonagem da dívida, uma das condições do trabalho escravo contemporâneo. Para o pesquisador, a siderurgia incentiva a concentração fundiária por duas vias distintas: reduz significativamente os custos da "limpeza da área" por causa da demanda de carvão vegetal, facilitando a ampliação de pastagens [leia-se pecuária]; e exige a compra de grandes áreas para projetos de manejo florestal ou de reflorestamento.

Em levantamento realizado pela Repórter Brasil, a produção do carvão aparece como atividade principal de 12% das propriedades relacionadas na "lista suja" do trabalho escravo – que compila os empregadores flagrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) utilizando esse tipo de mão-de-obra.

Fiscais do governo identificaram déficit entre demanda e consumo declarado de carvão vegetal (Foto:Ibama)

"Muitas das aquisições de terras por parte dos empreendimentos metalúrgicos são sustentadas por mecanismos como a grilagem e a violência contra posseiros, o que contribui de forma decisiva para aprofundar o quadro de tensão social presente em diversas áreas", completa, na pesquisa, o secretário estadual.

Auto-suprimento
O balanço até aqui não deixa dúvidas sobre a necessidade de mudanças na base da produção. Algumas guseiras apostam no carvão mineral (coque) importado, mas a maioria das companhias investe mesmo é na expansão do monocultivo de eucalipto. Além da previsão do corte rápido de sete anos, a espécie estrangeira é valorizada como matéria-prima da indústria galopante de papel e celulose.

A meta da Viena, por exemplo, é atingir 80% da produção de carvão vegetal oriunda de reflorestamentos próprios em 2010. Com o término do plantio da safra 2007/2008, a guseira terá plantados quase 25 mil hectares. As providências para a sustentabilidade estão consubstanciadas no Plano de Auto-Suprimento (PAS), aprovado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão. No início deste ano, a Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica) lançou um fundo com US$ 6 milhões em caixa para financiar a expansão da monocultura de eucalipto na região. De cada tonelada de ferro-gusa destinada à exportação, US$ 3 estão sendo destinados ao fundo.

Pertencente à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a siderúrgica Ferro Gusa Carajás tem 150 mil hectares de eucaliptos plantados para a produção de 400 mil de toneladas de ferro-gusa em 2007. A Vale mantém ainda o projeto Vale Florestar, que prevê recuperar outros 150 mil hectares de proteção e recomposição de áreas degradadas no Arco do Desmatamento.

Olho nas carvoarias
Quanto à questão trabalhista, as siderúrgicas da região de Carajás destacam que os fornecedores de carvão que descumprirem as normas legais pertinentes podem ser descredenciados. São cerca de 25 mil carvoarias na região, apenas 5 mil delas legalizadas. O monitoramento é feito pelo Instituto Carvão Cidadão (ICC), iniciativa da Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica). Signatário do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, o instituto apresenta relatórios às 14 siderúrgicas associadas com detalhes sobre a situação trabalhista em cada carvoaria, que inclusive são divulgados para conhecimento público pelo site da entidade na internet.

12% das propriedades da "lista suja" do trabalho escravo produziam carvão vegetal (Antônio Cruz/Abr)

Em resposta encaminhada à Repórter Brasil, a Vale do Rio Doce ressalta que "está fazendo a sua parte" também com relação ao fornecimento de minério de ferro (confira a primeira parte da reportagem Especial – Carajás). Em novembro passado, suspendeu o fornecimento de minério para quatro guseiras – Companhia Siderúrgica do Pará S/A (Cosipar), Ferro Gusa do Maranhão Ltda (Fergumar), Siderúrgica do Maranhão S/A (Simasa) e Usina Siderúrgica de Marabá Ltda (Usimar) – "por não comprovarem que estão operando dentro das leis trabalhistas e ambientais". A Fergumar obteve liminar impedindo que o fornecimento de minério fosse interrompido. A CVRD recorreu e espera decisão da Justiça e ainda está conferindo as informações enviadas por outras quatro guseiras: a Viena Siderúrgica do Maranhão S/A, Itasider Usina Siderúrgica Itaminas S/A, Siderúrgica Ibérica do Par&aac
ute; S/A e Siderúrgica Marabá S/A (Simara).

"Cabe ressaltar, porém, que não cabe à CVRD o poder fiscalizador, que é uma função pública de responsabilidade do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], do Ministério do Trabalho e das secretarias estaduais de Trabalho e de Meio Ambiente do Pará. A decisão de pedir informações às oito guseiras só ocorreu depois que o Ibama entrou com ação judicial contra as empresas por crime ambiental", frisa a empresa. Da extração prevista de 300 milhões de toneladas de minério de ferro em 2007 – a intenção da Vale é superar a meta de 450 milhões de toneladas por ano em 2012 -, apenas 2% (6 milhões de toneladas) estão sendo destinadas às siderúrgicas do Pará e do Maranhão.

"Modelo" Açailândia
Muito em função do aquecimento econômico das siderúrgicas, o município de Açailândia (MA) experimentou um crescimento surpreendente de 175% entre 2001 e 2004. O Produto Interno Bruto (PIB) municipal atingiu R$ 973 milhões em 2004, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, Açailândia ocupou o posto de segunda maior economia do Maranhão, atrás apenas da capital São Luís. O PIB per capita de Açailândia chega a R$ 9.649,00, muito próximo da média nacional (R$ 9.729,00). O mesmo indicador na cidade vizinha de Imperatriz, segunda mairo cidade do Maranhão, não supera R$ 2.945,00. As projeções por conta da expansão da Ferrovia Norte-Sul (planejada como corredor de escoamento de grãos do Centro-Oeste), que cruza Açailândia e foi arrematada em leilão pela Vale, prometem jogar mais água neste moinho.

Com 5,8 mil km² (e mais de 90% de área desmatada), Açailândia tem uma população de pouco mais de 100 mil habitantes. A porcentagem de casas abastecidas com água não chega, porém, a 25% (no Maranhão, a média é 74,6% e no Brasil, 81,2%) e a rede de esgoto abrange míseros 13,5% (diante dos 35% no estado e 69,5% no país). Os dejetos que demarcam o traçado das ruas de parte da Vila Ildemar, bairro que concentra quase metade da população do município, deixa evidente as conseqüências da falta de um planejamento mais sério para a ocupação da região.

Fábrica de brinquedos educativosda Vila Ildemar
possibilita geração de emprego e renda (Foto: CDVDH)

Não por acaso, a Vila Ildemar foi escolhida como sede da fábrica de brinquedos e do núcleo de produção de carvão ecológico da Cooperativa para Dignidade do Maranhão (Codigma). Criada em maio de 2006 pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), a Codigma mantém iniciativas locais de geração de renda que possam ser alternativas ao aliciamento ao trabalho escravo.

O mesmo ciclo econômico desligado de inclusão social que assola Açailândia está se expandido para outras cidades do Tocantins, realça o agrônomo João Palmeira Jr., da organização Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO). Situada às margens do Rio Araguaia, Araguatins (TO), sede de 18 projetos de assentamento da reforma agrária, também já comporta grandes áreas ocupadas por eucaliptos de uma das guseiras do Pólo Carajás. "Já há eucalipto também em São Miguel e em Axixá. A monocultura ameaça os pequenos produtores, acirra os conflitos e traz o risco de contaminação dos rios e de surgimento de doenças [principalmente por causa da aplicação de agrotóxicos]", coloca.

Segundo Edmilson Pinheiro, do Fórum Carajás, o eucalipto já se espalha também por outras regiões do Maranhão como o Mearim e o Baixo Parnaíba. Sobre Carajás, Edmilson é categórico: "As políticas públicas na região beneficiam sempre as guseiras, madeireiras e pecuaristas".

Mais gado
Para além da ajuda estatal, a pecuária da região de Carajás (veja o mapa dos frigoríficos instalados na Amazônia) recebeu um incentivo extra em maio deste ano, quando Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) reconheceu o Sul do Pará como área livre de febre aftosa com vacinação, ou seja, mediante apresentação de certificado de imunização do rebanho.

Paralelamente, o grupo Bertin, um dos maiores do ramo, recebeu financiamento do International Finance Corporation (IFC), tentáculo do Banco Mundial para o setor privado, a fim de ampliar a sua produção de carne bovina. Segundo o IFC, o contrato do empréstimo estabelece critérios inovadores de sustentabilidade socioambiental para o segmento da pecuária.

Organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas, no entanto, criticam a operação, já que a criação extensiva de gado tem sido apontada freqüentemente como uma das atividades mais diretamente ligadas aos insistentes índices de desmatamento. O receio dos ambientalistas também pode ser espraiado para outra grave e preocupante seara. A pecuária bovina é a principal atividade econômica que utiliza escravos no Brasil. Representa cerca de 62% dos ramos de atividades das fazendas da "lista suja" do trabalho escravo, considerando-se a lista disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego em janeiro deste ano.

Protesto contra opeação comandada pelo Ibama na Rebio de Gurupi bloqueia rodovia (Foto: Diego Janatã)

Gurupi
Outra atividade que continua intensa e avança para as últimas áreas remanescentes de floresta da região de Carajás é a das madeireiras. Para tentar proteger a Reserva Biológica (Rebio) de Gurupi, na divisa entre o Pará e o Maranhão, o Ibama, juntamente com outros órgãos federais e estaduais, têm realizado uma série de operações nas imediações da Unidade de Conservação (UC) que compreende 341,6 mil hectares.

Em agosto deste ano, a Operação Entorno
vistoriou 30 empresas no município de Buriticupu (MA). Resultado: sete madeireiras sem licença foram fechadas, multas de R$ 1 milhão foram aplicadas e centenas de milhares de metros cúbicos de madeira foram apreendidas. A ação institucional despertou a revolta local. Sob o incentivo de madeireiros, uma multidão se aglomerou, queimou pneus e utilizou espessas toras para interromper a circulação de veículos na altura do km 515 da BR-222, próximo ao povoado Sagrima. Uma das pá-carregadeiras utilizadas na operação foi queimada. Houve até troca de tiros (e feridos) em meio à confusão e a estrada só foi liberada no dia seguinte, depois de negociações e ameaças às autoridades presentes.

"Esse tipo de reação mostra a ousadia e o abuso de poder nas relações sociais de determinados segmentos", comenta Manoel Pinto Santos, coordenador da Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), que presta assessoria a assentados. "O Estado liberal que vemos hoje está muito distante da democracia de fato. Em ações como essa transparece o poder de ação das armas, da violência e da legitimidade clandestina. Quem incomoda precisa ser afastado. A ordem é desobstruir".

Incentivada por madeireiros, população de Buriticupu
ateou fogo em pá-carregadeira (Foto: Diego Janatã)

Auto-explicação
Denúncias do CDVDH de Açailândia (MA) revelam que o descumprimento da legislação ambiental é apenas mais uma das práticas ilegais na Rebio de Gurupi, Unidade de Conservação (UC) que abriga um dos poucos refúgios que restam de floresta nativa na região. A exploração de trabalho escravo – na derrubada da mata, no roço de "juquira" para a limpeza da pastagem que alimenta o gado e nas carvoarias – já foi flagrada em pelo menos seis fazendas dentro da reserva.

A relação dos donos das propriedades é auto-explicativa. A Fazenda do Coronel é do prefeito de Davinópolis (MA), Chico do Rádio; e a Fazenda Vitória, de Shydney Jorge Rosa, suplente do senador Mário Couto (PSDB-PA) e ex-prefeito de Paragominas (PA). Houve reincidência nas fazendas Boa Fé/Caru, de Gilberto Andrade, e Zonga, de Miguel de Souza Rezende, dono de outra propriedade – a Rezende, em Senador La Rocque (MA) – em que houve trabalho análogo à escravidão. As Fazendas Santa Bárbara e Bom Jesus, também flagradas, pertencem a um empresário do setor imobiliário de Imperatriz (MA), José Escórcio de Cerqueira.

Desde 1986, o CDVDH acompanha os casos de trabalho escravo na região. Depois de incursões de campo e solicitações junto a órgãos oficiais, o centro conseguiu identificar 200 propriedades privadas instaladas dentro da reseva (80 delas com mais de 1 mil hectares) que ocupam cerca de 80% do seu território. Muitas estradas foram abertas por saqueadores da natureza no interior da Rebio Gurupi, palco de outros crimes como cultivo de maconha e desmanche de automóveis furtados.

"As crianças de lá brincam com caminhões de brinquedo carregados de pequenas toras", relata Milton Teixeira, do CDVDH. A rica biodiversidade da área inclui a ave ararajuba (Aratinga guarouba). Nas proximidades de Gurupi, existem ainda três Terras Indígenas (TIs): Caru, Awá e Alto Turiaçu.

Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) estão sob pressão (Foto: Antônio Cruz/Abr)

Deslocamento
Por meio do acompanhamento de dados da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura-2005, do IBGE, o pesquisador e assessor da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), Emerson Rubens Almeida, identificou um deslocamento da produção de carvão vegetal no interior do Maranhão nos últimos dez anos.

Dos 10 municípios que mais produziram carvão em 2005, seis ficam nas cercanias de TIs e UCs. O município de Bom Jardim, na área da Rebio de Gurupi, ocupa com larga vantagem a primeira posição neste ranking. A produção de carvão no município deu um salto impressionante de 3.554%, de 2.849 para 101.262 toneladas, entre 2002 e 2003. O crescimento coincide com denúncias de invasões dos territórios tradicionais de povos indígenas do entorno. Buriticupu, Centro Novo do Maranhão e Santa Luzia, próximos à região, também fazem parte da lista dos dez maiores produtores.

O processo em curso segue à risca o prenúncio de Aziz Ab´Saber. "No desenrolar caótico desses processos de desmatamento mal fiscalizados, paira uma grande ameaça para os núcleos de florestas pertencentes às reservas indígenas", anunciava há 20 anos. No mesmo profético artigo, o professor consegue captar a essência da mentalidade que insiste em determinar a ocupação humana na região de Carajás: "já que a Amazônia vai ser destruída mesmo, que seja a nosso favor".

Especial – Carajás:
O Retrato
Parte 1 – O Ferro
Parte 2 – As Cadeias (Ferro-gusa, Carvão, Gado e Madeira)
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