Carne Bovina

Acidente fatal expõe precariedade no frigorífico Quatro Marcos

O mecânico Cláudio Freitas Cruz trabalhava sem luvas na solda de um corrimão. Ele recebeu um choque e sofreu uma queda fatal. Procurador pede fechamento temporário da problemática unidade de Alta Floresta (MT)
Por Maurício Hashizume
 27/02/2008

O acordo firmado para melhorar as condições de trabalho no frigorífico Quatro Marcos, em Alta Floresta (MT), não foi suficiente para impedir um acidente fatal. Na última quinta-feira (21), o mecânico Cláudio Freitas Cruz, casado e pai de uma menina de dois anos de idade, trabalhava sem luvas de proteção na solda de um corrimão de uma das maiores exportadoras de carne bovina do país. Ele recebeu um choque elétrico enquanto manuseava o equipamento e sofreu uma queda fatal que fraturou a sua coluna cervical.

"Este foi apenas o último episódio de um contexto em que normas mais corriqueiras da saúde e da segurança do trabalhador não vêm sendo cumpridas", declara Rafael Gomes, procurador do Trabalho do Ofício de Alta Floresta (MT), que faz parte da 23ª Região. O acordo de 13 de dezembro de 2007 (em que a empresa foi multada em R$ 2 milhões), assegura o representante do MPT, "não está sendo cumprido". "Era para a situação estar melhorando e, na realidade, está piorando", relata.

Trabalhador do frigorífico com bota em apenas um dos pés; no outro, ele calça chinelo (Foto: MPT)

O procurador participou de uma inspeção, juntamente com auditores fiscais do Trabalho, que visitou, na esta terça-feira (26), o local do acidente. Quando a diligência chegou à fábrica, a linha de produção do abate não estava funcionando. Mesmo assim, flagraram várias irregularidades como a falta generalizada de equipamentos de proteção individual (EPIs) e infrações mais graves como a ausência de proteção para os níveis excessivos de ruído e mau cheiro no setor de graxaria – em que os resíduos de bovinos são convertidos em farinha. O controle da jornada de trabalho também apresentou problemas. Foram registrados casos em que trabalhadores cumpriram 10 horas extras num só dia, permanecendo 19 horas dentro do Frigorífico Quatro Marcos.

Segundo Márcia Maria Rufino, esposa da vítima, Cláudio cumpria em média uma jornada diária de 10 a 11 horas por dia "até o fim do abate", sem descansos nos sábados, domingos e nem em feriados. Ela conta que sempre ouvia reclamações do marido, que trabalhava na companhia há oito meses, sobre a segurança precária. "A máquina de soldar estava com os fios descascados e remendados. Não tinha nem luva e nem fita isolante", relata.

O procurador protocolou um mandado de segurança pedindo o fechamento temporário da unidade do Frigorífico Quatro Marcos em Alta Floresta (MT). Para ele, esta seria a única alternativa para impedir que os trabalhadores "continuem a correr diariamente risco de morte, até que a empresa comprove o cumprimento das normas mínimas de segurança". O alarmante, acrescenta no documento, "é que nada, aparentemente, se mostra suficiente para remover a empresa de seu comportamento ilícito, atentatório à vida de milhares de trabalhadores". "Autos de infração, multas administrativas, inspeções sanitárias, infindáveis reclamatórias trabalhistas, um sem-número de condenações judiciais, ações civis públicas, acordos judiciais homolgados, astreintes: nada faz a Quatro Marcos corrigir o seu comportamento", emenda.

No pedido oficial à Justiça, Rafael destaca também que o fato ocorrido mostra-se "infinitamente mais grave do que aquele que redundou na interdição do frigorífico em Vila Rica, em dezembro de 2007", motivada por um vazamento de gás. "Enquanto naquele caso vários trabalhadores foram internados, mas recuperaram depois sua saúde, aqui o trabalhador morreu, o pior resultado possível consumou-se, a família ficará desestruturada", descreve Rafael.

Funcionários do frigorífico se reuniram com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, de Álcool e de Refinação de Açúcar nos Municípios de Tangará da Serra e Região (Mato Grosso), Nilda Leão, no último final de semana. "Testemunhas disseram que o local do acidente não foi devidamente isolado para que fosse feita a perícia", adiciona a sindicalista. Nesta quarta-feira (27), a sindicalista participaria de uma reunião com um representante da Quatro Marcos para ouvir a versão da empresa para o ocorrido. A partir dessa conversa, o sindicato, que instalou há 30 dias uma sub-sede no município de Alta Floresta justamente para facilitar a fiscalização e o atendimento dos trabalhadores da região, decidirá com a assessoria jurídica quais providências devem tomar com relação ao caso.

"O problema é que não existe fiscalização do cumprimento de acordos", diagnostica Siderlei de Oliveira, da Confederação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, Agroindústrias, Cooperativas de Cereais e Assalariados Rurais (Contac). Na opinião dele, os empresários contam com a desorganização do sistema e assinam documentos sabendo que os compromissos serão burlados. "Quanto maior a distância dos centros urbanos, pior é o tratamento dispensado aos trabalhadores".

O crescimento das exportações, vincula Siderlei, tem aumentado a pressão sob a base do setor. Ele sugere mudanças na legislação, como a redução de jornada para trabalho penoso, que poderia garantir mais empregos e mais garantias, para seis horas diárias. Pede ainda mudanças no sistema produtivo, pois a velocidade imposta pelas máquinas tem causado tensões que acarretam em enfermidades nos homens e mulheres que as comandam.

A assessoria de imprensa do frigorífico Quatro Marcos informou à Repórter Brasil que está apurando os detalhes do caso e prefere não se pronunciar publicamente neste momento. Os dirigentes da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), por seu turno, se encontravam em compromissos no exterior. Assessores da associação, contudo, afirmaram que casos como esse competem exclusivamente à empresa envolvida e disseram não ter conhecimento de dados sobre o incremento de acidentes de trabalho no setor em função do aumento das exportações.

Nos próximos dias, os fiscais que estiveram no frigorífico Quatro Marcos devem lavrar autos de infração referentes às condições verificadas. O procurador Rafael, que organizara recentemente audiências públicas em Alta Floresta (MT) e em Colíder (MT) para esclarecer os termos dos 60 itens do acordo firmado com o Quatro Marcos em dezembro, também encaminhou mais uma petição com as fotos da inspe&ccedi
l;ão para o desembargador-relator do caso. As multas por conta do acordo firmado no ano passado também devem alcançar soma significativa já que são cobrados R$ 50 mil por cada descumprimento de cláusula.

Uma semana antes do acidente, Cláudio Freitas Cruz havia sido eleito, ironicamente, representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). A esposa lamenta: "Ele morreu um dia antes de tomar posse".

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