Decisão – Prefeitura de Luciara

 28/04/2008

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO
VARA DO TRABALHO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA – MT

Aos onze dias do mês de abril, do ano 2.008, às 17:59 horas, na VARA FEDERAL DO TRABALHO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA – MT, por determinação do Juiz JOÃO HUMBERTO CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento da AÇÃO CIVIL PÚBLICA relativa aos Autos do Processo nº 00490.2007.061.23.00-3, onde contendem o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (1º REQUERENTE), o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (2º REQUERENTE), a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (3ª REQUERENTE), o MUNICÍPIO DE LUCIARA (1o REQUERIDO) e NAGIB ELIAS QUEDI (2o REQUERIDO).

Observada a praxe, o processo foi submetido a julgamento, sendo prolatada a seguinte sentença.

I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (1º REQUERENTE), o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (2º REQUERENTE) e a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (3ª REQUERENTE) ajuizaram, na qualidade de litisconsortes ativos facultativos, na data de 07.12.2007, a presente Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa, fazendo-o em face do MUNICÍPIO DE LUCIARA (1o REQUERIDO) e de NAGIB ELIAS QUEDI (2o REQUERIDO).

Postularam, em face dos fatos e fundamentos jurídicos que articularam, os pedidos elencados na petição inicial de fls. 03/50, pedindo, inclusive, a antecipação parcial dos efeitos da tutela. Instruíram a primígena com os documentos tombados às fls. 51/110.

Os autos vieram conclusos para apreciação do pleito liminar veiculado pelos autores, sendo a pretensão acolhida nos termos da interlocutória encartada às fls. 112/118.

Regularmente citados, os requeridos compareceram à sessão inicial da audiência (ata de fls. 198/199). O primeiro apresentou resposta na forma de contestação aos itens postulados, devidamente juntada às fls. 202/246, na qual eriçou questões preliminares, prejudiciais e de mérito de sentido estrito, instruindo-a com os documentos de fls. 247/294. O segundo, de sua vez, também apresentou defesa escrita (fls. 297/353), aparelhando-a com os documentos de fls. 354/403. Ato subseqüente, o 1º requerido ainda trouxe para o caderno processual os documentos de fls. 409/610, todos eles reproduzindo Leis Municipais diversas.

Na esteira dos acontecimentos sobreveio a réplica dos requerentes (fls. 613 usque 642), na qual foram rebatidas as alegações defensivas dos requeridos.

Realizada a sessão de instrução da audiência, consoante os registros da ata de fls. 675/676, sem que nela as partes tivessem produzido prova oral.

Vale ressaltar que no sobredito ato os requeridos noticiaram a tomada das primeiras medidas formais visando a realização do concurso público ordenado às 112/118, sustentando a afirmação com os documentos de fls. 677/702, sobre os quais os vindicantes nada requereram na manifestação oral que lhes foi concedida (fls. 675 in fine).

Este, em apertadíssima síntese, e no que verdadeiramente importa, o relatório. Cuidadosamente vistos e examinados, decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINARES PROCESSUAIS

1 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO: A TEORIA DA ASSERÇÃO E A RECENTÍSSIMA POSIÇÃO DO STF SOBRE A MATÉRIA

Aduzem os requeridos, em resumo, que a Justiça do Trabalho não teria competência para o processamento e julgamento da vertida ação, na medida em que todos os trabalhadores municipais teriam sido regularmente contratados (seja pelo regime estatutário ou pelo regime temporário de excepcional interesse público), não sendo da sua atribuição manifestar-se jurisdicionalmente sobre improbidade administrativa imputada ao gestor público.

Sem razão, contudo.

Para adequadamente rechaçar tal ponto de vista, discorrerei, adiante, sobre a imprescindível conduta abstracionista na fixação de competência, fazendo uma análise detida na teoria da asserção.

Ao depois, a partir do cotejo entre a mencionada teoria com os pedidos concretamente veiculados no libelo, alinhavarei os fundamentos da minha razão, demonstrando, a saciedade, que o meu ângulo de visada não desborda do estatuído no artigo 114 da CRFB, que consabidamente fixa a competência da Justiça do Trabalho.

1.1 – A Teoria da Asserção como Critério Científico de Fixação da Competência

Como é palmar, tanto os pressupostos processuais, quanto as condições da ação, devem ser apurados em abstrato, sob pena da ciência processual retornar aos seus primórdios, com a inimaginável reabilitação da doutrina imanentista, pela qual ação e processo eram considerados simples capítulos do direito material, sem que fossem dotados de qualquer autonomia científica.

Assim é que o magistrado, quando do recebimento da inicial, deve verificar os seus pressupostos in statu assertionis, tendo por verdadeiros, a princípio, os fatos nela narrados, de forma a apurar, a partir daí, a presença dos requisitos necessários ao alcance do provimento meritório.

Colimando corroborar o acima afirmado, trago o escólio de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, tratando, especificamente, do pressuposto processual objetivo intrínseco da competência:

"A Determinação Da Competência: Elementos da Demanda e do Processo (in statu assertionis)
Para determinar o órgão jurisdicional competente em cada caso, é nos elementos da demanda a propor e do processo a instaurar que o constituinte e o legislador foram buscar critérios norteadores. (…)
A determinação da competência faz-se sempre a partir do modo como a demanda foi concretamente concebida – quer se trate de impor critérios colhidos nos elementos da demanda (partes, causa de pedir, pedido), quer relacionados com o processo (tutelas diferenciadas: mandado de segurança, processos nos juizados especiais cíveis etc.), quer se esteja na busca do órgão competente originariamente ou para os recursos. Não importa se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu etc. Questões como essa não influem na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a conseqüência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se (sic) invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda, in statu assertionis. (…)
Os fundamentos jurídicos invocados na petição inicial, ou seja, o enquadramento dos fatos narrados em categorias de direito material (…), atuam em setores variados da problemática da competência, servindo pra determinar (a) a Justiça competente (a Justiça comum é incompetente, p. ex., se a relação invocada for de direito do trabalho: Const., art. 114) (..)
A natureza da tutela jurisdicional postulada (natureza
do provimento) concorre para a determinação da competência na medida em que o pedido inicial do autor é sempre responsável pela determinação da espécie de processo a ser realizado e do procedimento que em cada caso observará. (…)" (sem destaques no origina)

É de se concluir, a partir do excerto doutrinário retro transcrito, que a competência conflitante dos diversos ramos do Poder Judiciário (Justiça do Trabalho X Justiça Estadual, por exemplo) será sempre dirimida pela natureza dos fatos, fundamentos e pedidos veiculados na petição inicial.

Vale dizer, com efeito, que todas as vezes que a primígena atribuir caráter celetista a um contrato indicado como causa de pedir remota, veiculando, na seqüência, pedidos de natureza jurídica trabalhista – seja ampla ou estrita – a competência para a cognição da demanda será iniludivelmente da Justiça do Trabalho, por força do estatuído no artigo 114 da Constituição da República.

Na sentença, pois, se o Juiz do Trabalho concluir pela inconsistência da causa de pedir (conferindo, v.g., natureza jurídica administrativa aos contratos indicados como celetistas), rejeitará os pedidos ao invés de pronunciar a incompetência, a não ser que deseje, inadvertidamente, retornar ao tempo da teoria imanentista, superada desde o longínquo século XIX.

Feitas tais considerações, elementares, mas necessárias, deverei, no próximo tópico, esmiuçar a causa de pedir e os pedidos veiculados na petição inicial, para finalmente demonstrar que o seu processamento na Justiça do Trabalho não violenta aquilo que vaticina o multicitado artigo 114 da CRFB.

1.2 – Causa de Pedir e Pedidos Contidos na Inicial

Consoante se pode aferir da leitura da petição inicial, os requerentes noticiam, em síntese, que os requeridos vêm sistematicamente desprezando o princípio constitucional do devido concurso público (artigo 37, II, da CRFB), para fraudulentamente contratar trabalhadores sob a égide do contrato por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX, da CRFB), bem como do contrato de prestação de serviços por empreitada global previsto na Lei 8.666-93.

Aduzem, na seqüência, que tais contratos na verdade são dotados de natureza jurídica celetista, embora que nulos de pleno direito. Como conseqüência, pedem ao juízo que declare a prefalada nulidade contratual, para ao depois determinar todas as medidas, sancionatórias e restauradoras, que sejam necessárias à recomposição plena dos bens lesados.

Assim é que devo dizer, com os olhos voltados para a teoria da asserção, que a competência material da Justiça do Trabalho sobressai límpida no caso concreto, pois, como já visto, a primígena pretende, em seara prejudicial, a declaração da nulidade dos contratos que denuncia possuírem natureza jurídica celetista, para no mérito de sentido estrito pugnar, tanto em face do município quanto de seu prefeito, as tutelas mandamentais e condenatórias hábeis à satisfação do interesse social-trabalhista de preservação da ordem democrática.

Somente alguém que padeça de irremediável miopia jurídica é que poderia afirmar que a Justiça do Trabalho não seria o organismo jurisdicional com competência absoluta para declarar a nulidade de contratos a que a exordial atribui natureza celetista.

Por corolário lógico, não pode ser outro, a não ser o ramo laboral do Poder Judiciário, aquele com atribuição jurisdicional para determinar as medidas necessárias à regularização da situação, tais como a substituição dos trabalhadores contratados de forma indevida e a recomposição dos bens individuais e coletivos molestados, de modo a impedir-se a continuidade da possível fraude perpetrada em face da dicção constitucional.

Pensar de modo diferente seria o mesmo que agredir o princípio da unidade de convicção, dando margem à instauração de verdadeira balbúrdia competencial sobre tema, o que por certo conspiraria contra o cumprimento sistêmico dos preceitos constitucionais que, em resumo, esclarecem que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, II), sob implicância de nulidade do ato e punição da autoridade responsável (artigo 37, § 2º), importando a prática em improbidade administrativa, da qual decorrem a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário (artigo 37, § 4º).

Não custa lembrar, no pertinente, que o artigo 114, I, da CRFB, é expresso quando diz que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", não sendo pouco destacar, ainda, que a demanda em apreço se trata de uma ação oriunda de diversas relações de trabalho, às quais a inicial atribuiu temperamento celetista, renegando, pois, as suas pretensas feições jurídico-administrativas.

Diante de todo o exposto, posso afirmar agora, com absoluta segurança, que o processamento da vertida Ação Civil Pública no Judiciário Trabalhista não fere, de modo algum, o artigo 114 da Constituição da República. Aliás, a jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho trilha inequivocamente nesse sentido:

COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. ENTE PÚBLICO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. REGIME ESPECIAL. DESVIRTUAMENTO. (nova redação, DJ 20.04.2005)
I – Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho dirimir dissídio individual entre trabalhador e ente público se há controvérsia acerca do vínculo empregatício.
II – A simples presença de lei que disciplina a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX, da CF/1988) não é o bastante para deslocar a competência da Justiça do Trabalho se se alega desvirtuamento em tal contratação, mediante a prestação de serviços à Administração para atendimento de necessidade permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial. (sem destaque no original)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segue igual orientação. Para comprovar o afirmado, basta sublinhar, com tintas fortes, que em decorrência específica de caso idêntico ao presente, também em curso nesta Vara do Trabalho (Autos do Processo nº 00491.2007.061.23.00-8), o Município de São Félix do Araguaia se insurgiu perante o STF, por via da Reclama&cc
edil;ão de nº 5839, na qual solicitou o trancamento daquela ação, sob o pálido argumento de que o seu processamento na Justiça do Trabalho estaria a malferir o liminarmente decidido na ADIn Nº 3395, recebendo, como resposta, a peremptória negativa do Ministro CARLOS AYRES BRITTO, de cuja decisão transcrevo o seguinte excerto:

"Cuida-se de reclamação, proposta pelo Município de São Félix do Araguaia, contra ato do Juiz do Trabalho daquela localidade, nos autos da Ação Civil Pública nº 491/2007. (…) quer-me parecer que o processamento da Ação Civil Pública nº 491/07 na Justiça do Trabalho não contraria o decidido na ADI 3.395-MC. Assim me posiciono porque não se me afigura deter caráter estatutário a relação jurídica mantida entre servidores temporários e o Poder Público. Tanto assim que o próprio reclamante, em sua petição de ingresso, fez questão de asseverar que a causa tem como tema de fundo a legalidade e possibilidade de a Administração valer-se, para a contratação de servidores, do regime especial temporário." (sem destaque no original)

Circunstância um tanto diferente seria se a própria exordial reconhecesse como lícitas as contratações temporárias realizadas pelo Poder Público, postulando providências outras que não tivessem um cerne trabalhista evidente. Aí sim haveria espaço para se perquirir eventual ofensa ao decidido pelo STF na MC-ADI nº 3395.

Ad argumentandum, todavia, talvez nem mesmo assim fosse o caso de se pronunciar a incompetência trabalhista. Ocorre que o STF tem sistematicamente se debruçado sobre o assunto, a ponto de vários dos seus membros avançarem para uma interpretação que reconhece a competência da Justiça do Trabalho para as causas alusivas aos temporários típicos ligados à Fazenda Pública. Em tal diapasão, transcrevo um trecho de diálogo ocorrido em recente sessão do Tribunal Pleno:

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Supero o obstáculo de ordem formal, na linha do pensamento do eminente Relator, por entender que o acréscimo que adviria da intervenção do Senado teve caráter meramente expletivo, porque ele já se contém logicamente na atual redação do Art. 114, I. Acho que o Ministro Peluso votou nessa linha e eu sigo integralmente.
Quanto à questão de fundo, tenho preocupação em precisar o alcance material da liminar agora submetida ao nosso referendo, porque o Ministro Jobim exclui, dando interpretação conforme ao art. 114, I, da competência da Justiça do Trabalho toda causa instaurada entre o Poder Público e os seus servidores por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
Esse "ou" é uma conjunção disjuntiva? Significa uma coisa ou outra?

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – Dou elemento histórico para ajudá-lo a compreender. Essa expressão foi tirada do voto do eminente Ministro Celso de Mello, intérprete autêntico. A impressão que tive é que, no voto da ADI 492, Vossa Excelência quis dizer relação jurídico-administrativo como sinônimo de relação estatutária.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – É mero reforço.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Porque se for assim, aquelas relações de trabalho instauradas entre o Poder Público e os servidores temporários ….

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator) – Fora de dúvida que é da Justiça do Trabalho.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITO – Agora, porque embora ela se instaure por efeito de um contrato administrativo, não tem caráter estatutário, porque, se o tivesse, também não teria o traço da contratualidade.
Se todo cargo provido estatutariamente é de caráter jurídico-administrativo, nem toda relação de trabalho de caráter jurídico-administrativo é estatutária. Então, quero deixar bem claro que, de fora à parte as investiduras em cargo efetivo ou em cargo em comissão , tudo o mais cai sob a competência da Justiça do Trabalho.
Então, precisando o alcance material da decisão, agora posta à nossa apreciação, também referendo a decisão do Ministro Nelson Jobim"

Aliás, o posicionamento do STF é tão notório em favor da fundamentação desenvolvida, que me parece ser de bom alvitre transcrever as cinco últimas decisões do seu plenário quanto ao tema, não sem antes realçar que todas elas datam do dia 26.03.2008 (apenas dezesseis dias atrás), tendo sido tomadas de modo unânime.

1º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, perante a 2ª Vara do Trabalho de Rio Verde, com o objetivo de anular as contratações e credenciamentos de profissionais ligados a área da saúde, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator indeferiu a medida acauteladora por entender que não há relevância no pedido formulado. A liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. E acrescentou: "Conforme se observa na inicial da ação civil pública e nos documentos juntados ao processo, a contratação temporária está ligada à Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que a ação civil pública não questionou apenas a contratação temporária, buscou também obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam um vínculo efetivo com a administração local, por meio de um regime especial, por típica relação de ordem estatutária, cujo fundamento da inicial é o art.37, II, da CF. Aduz, ainda, que a EC nº 51, também definiu que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate de Endemias terão seu regime jurídico definido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Municipais. Assim, "o mérito da ACP diz respeito a matéria suspensa pela decisão dessa Corte na ADI 3.395-6/DF".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

2º CASO:

1. Trata-se de reclamação, co
m medida liminar, visando suspender a reclamação trabalhista em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região com o objetivo de anular a contratação de profissional que exerce trabalho efetivo, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação. Assevera que não concorre a pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que "no caso dos autos, cuida-se de uma reclamação trabalhista intentada por ex-servidores públicos, ocupantes de CARGO EM COMISSÃO, de evidente natureza estatutária". Afirma que foi nomeado para exercer o cargo comissionado de Oficial de Justiça no TJ/SE e que a causa em foco foi instaurada entre "o Poder Público e servidor que lhe era vinculado por uma relação jurídico-estatutá ria", de modo que é indiscutível o desrespeito à decisão proferida pelo STF na ADI nº 3.395
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

3º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, perante a Vara do Trabalho de Capanema, com o objetivo de anular as contratações de profissionais sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação. Assevera que não há pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na mencionada ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alega que "A contratação dos servidores foi realizada em consonância com os dispositivos constitucionais e com a legislação municipal que dá suporte a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público nos termos do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

4º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender reclamação trabalhista em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região com o objetivo de anular as contratações de profissionais para a área de saúde, sem a prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. O Min. Relator negou seguimento à reclamação asseverando que não concorre a pertinência do pleito. Entendeu que a liminar concedida na referida ADI ficou restrita à interpretação do inc. I do art.114 da CF, implicando, apenas, à apreciação de conflitos envolvendo regime especial de caráter jurídico-administrativo. Acrescentou: "Conforme se observa nos documentos juntados ao processo, há, em síntese, o envolvimento de conflitos trabalhistas, tendo em conta a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho".
4. Interposto agravo regimental, o agravante alegando que a ação civil pública que fundamentou a reclamação não discute apenas a contratação temporária, mas buscou, também, obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam um vínculo efetivo com a administração local por meio de um regime especial, de ordem estatutária, o que remete à decisão da ADI nº 3.395.
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

5º CASO:

1. Trata-se de reclamação, com medida liminar, visando suspender a ação civil pública ajuizada pelo Município de Niquelândia, perante o Juízo da Vara do Trabalho de Uruaçu, com o objetivo de anular as contratações e credenciamentos de profissionais ligados à área da saúde, sem prévia aprovação em concurso público.
2. Sustenta ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 3.395.
3. A Presidência deferiu a medida liminar. Foi interposto agravo regimental pelo Ministério Público do Trabalho.
4. O Min. Relator negou seguimento à reclamação e julgou prejudicado o agravo.
5. O Município de Niquelândia interpõe agravo regimental e alega que a ação civil pública não questionou apenas a contratação temporária, buscou também obrigar o Município a realizar o concurso público para os servidores ligados à área da saúde para que estes estabeleçam vínculo efetivo com a administração local, através de regime especial, por típica relação de ordem estatutária, cujo fundamento da inicial é o art.37, II, da CF. Aduz, ainda, que a EC nº 51, também definiu que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate de Endemias terão seu regime jurídi
co definido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Municipais. "Assim, o mérito da ACP objeto da presente Reclamação diz respeito à matéria suspensa pela decisão dessa Corte na ADI 3.395-6/DF, o que torna claro o equívoco no argumento contido na decisão agravada".
RESULTADO:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, desproveu o recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 26.03.2008. (sem destaque no original)

De qualquer ângulo que a questão seja desafiada, por conseguinte, límpida sobressai a competência absoluta da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento da ação em discussão. Vou adiante.

2 – LEGITIMIDADE ATIVA

Sustenta o 2º requerido que os autores não possuem legitimidade ativa para a propositura da presente demanda.

Colimando o escopo de não ser demasiado contundente, valer-me-ei de um eufemismo, para adjetivar a tese do requerido como "criativa", já que chega a ser um tanto inusitado – talvez exótico -, pensar-se que o parquet e a defensoria não teriam legitimidade para zelar pela preservação do regramento constitucional, garantir aos cidadãos, difusamente considerados, principalmente os mais carentes, o livre e democrático acesso à estabilidade do emprego público, bem como pugnar pelos interesses individuais homogêneos dos trabalhadores.

A impropriedade da preliminar eriçada é gritante, não demandando fundamentação demasiado alongada para ser suplantada.

Ocorre que o objeto da presente ação é centrado na preservação de interesses sociais-trabalhistas difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da demanda vertida, ex vi do artigo 83, I e III, da Lei Complementar 75-93.

Do mesmo tanto é também eloqüente a legitimidade do parquet estadual. Para tanto basta ver que nos termos do artigo 127 da CRFB o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo dois dos seus princípios institucionais a "unidade e indivisibilidade".

Demais disso, o fato é que o § 5º do artigo 5º da Lei 7.347-85-(Lei da Ação Civil Pública) é inequívoco ao estatuir que "admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei" [referindo-se à Lei da Ação Civil Pública].

Como se não bastasse, é de se sublinhar que o artigo 25, IV, "b", da Lei Estadual 8.625-93 dita incumbir ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso a promoção de ação civil pública "para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem".

Não menos legitimada, ainda, é a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, já que o artigo 5º, II, da Lei 7.347-85 (com a redação atribuída pela Lei 11.448-07), dirige às Defensorias a responsabilidade pela propositura de ações civis públicas, estando tal preceptivo em absoluta consonância com o fundamento constitucional-republicano de proporcionar à população carente o mais amplo acesso à jurisdição (seja ela individual ou coletiva), mormente em casos como o agora enfrentado, onde se almeja abrir aos cidadãos menos afortunados, difusamente considerados, a porta democrática do emprego público.

3 – LEGITIMIDADE PASSIVA

Argumenta o 2º requerido que não possuiria legitimidade para figurar como litisconsorte no pólo passivo da demanda, fundamentando sua tese na inexistência de obrigação de indenizar a quem quer que seja (inclusive o erário), sendo de responsabilidade do município as eventuais irregularidades dos seus atos de gestão. Como lastro do seu arrazoado, afirma que a jurisprudência do TRT da 23ª Região seria sólida nesse sentido.

A sobredita tese, além de contraditória, confunde o aferimento abstrato das condições da ação com o julgamento concreto do mérito de sentido estrito.

É evidente que, abstratamente falando, o argüente deve permanecer na polaridade passiva da ação, até porque não seria plausível que a pessoa jurídica de direito público interno respondesse pela possível improbidade administrativa e conseqüente responsabilidade aquiliana emanada dos seus atos pessoais de gestão.

Entretanto tal fato não impedirá, pelo seu ângulo concreto, que uma vez ultrapassada a questão preliminar, o réu possa ser absolvido quando do julgamento de fundo, bastando, para tanto, que demonstre a impropriedade jurídica da sua condenação.

Demais disso, é ainda importante realçar que ao contrário do afirmado pelo vindicado, a jurisprudência do TRT da 23ª Região não lhe respalda.

Para corroborar o asseverado, colho a ementa de recentíssimo Acórdão da 1ª Turma do Regional, relatado pelo Desembargador TARCÍSIO VALENTE:

ADMISSÃO DE SERVIDOR SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PÚBLICO PELA CONTRATAÇÃO IRREGULAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. Reconhece-se a legitimidade passiva ad causam do ex-gestor público para figurar no pólo passivo da demanda que busca indenização por danos materiais decorrentes da contratação ao arrepio da norma constitucional, porquanto existe no ordenamento jurídico a figura da responsabilização do agente público pela contratação irregular, nos termos do art. 37, II, § 2º, da C.F., e, ainda, da responsabilidade civil pelos danos que causar, nos moldes do artigo 186 do Novo Código Civil. O gestor público que, mesmo conhecedor da vedação legal, admite servidor sem concurso público, age com dolo e possui propósito deliberado de favorecer alguém em detrimento do interesse público, de modo que se torna cabível a sua responsabilização pelos danos materiais causados ao trabalhador, desde que presentes os pressupostos configuradores do instituto da responsabilidade civil.

Rejeito, pois.

4 – NULIDADES

Asseveram os vindicados, arrimados em dois diferentes motivos, que o processo estaria eivado de nulidade, uma vez que as suas respectivas defesas haveriam sido cerceadas.

Suas assertivas não merecem prosperar. Para melhor explicitaç&atil
de;o dos fundamentos da decisão, desdobrarei a análise da aludida preliminar em tópicos distintos.

4.1 – Defesa Prévia

Observada a defesa, denoto que ambos os vindicados se insurgem contra a não observância do rito previsto no artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92, que, em síntese, aduz que após a autuação da inicial o juiz ordenará a notificação do requerido para oferecer manifestação por escrito, dentro do prazo de quinze dias, podendo ao depois, no prazo de trinta dias, contados do recebimento da mencionada manifestação, rejeitar liminarmente a ação, se ficar convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

Em decorrência de tal rito, portanto, o magistrado somente ordenaria a citação do réu para apresentação de contestação formal, após o efetivo recebimento da primígena (§ 9º, do artigo 17, da Lei 8.429-92).

Tenho para comigo que a observância do mencionado procedimento não é imperativa, podendo o magistrado afastá-lo se ficar convencido da plausibilidade da demanda, não importando a sua preterição em vício absoluto, mas tão-somente em nulidade relativa, desde que a parte comprove, cabalmente, o prejuízo para a sua defesa.

A fim de respaldar o meu ponto de vista, buscarei interpretar teleologicamente o preceito em discussão, valendo-me, para tanto, do o escólio de EMERSON GARCIA et al:

"(…) Buscou aqui o legislador criar uma importante barreira processual ao processamento de lides temerárias e injustas, destituídas de base razoável (indícios suficientes da existência do ato de improbidade, na dicção do § 6º), preservando não só o agente público e a própria administração, cuja honorabilidade se vê também afetada, como também o Poder Judiciário, órgão da soberania estatal que deve ser preservado de aventuras processuais.
Não se pode perder de vista, contudo, que a maioria esmagadora das ações por improbidade administrativa são precedidas de um momento administrativo de investigação, levado a cabo quer pela pessoa jurídica lesada, quer, o que é mais freqüente, pelo Ministério Público (…).
De toda sorte, a inobservância da regra da notificação prévia, por demandar a demonstração de prejuízo (art. 250 do CPC), gera nulidade meramente relativa, sendo também neste sentido a jurisprudência do STF e do STJ quanto ao procedimento especial estabelecido no art. 513 e segs. do CPP. Em arrimo a tal conclusão deve-se ter em vista que a ratio da normativa provisoriamente instituída é a de evitar o nascimento de relação processual destituída de justa causa, não se voltando a defesa prévia, unicamente, ao exercício do contraditório, que será posteriormente exercido na forma do § 9º, daí se concluindo, pelo menos em regra, que nenhum prejuízo advirá ao réu. Trata-se muito mais de um mecanismo de resguardo da jurisdição, por assim dizer, do que, propriamente, de um momento de defesa, até porque – repita-se -, recebida a inicial será o réu citado para o oferecimento de contestação (§ 9º), sendo esta a melhor oportunidade para a apresentação das teses defensivas e a juntada de documentos (art. 396 do CPC)." (sem destaques no original)

Vale repisar, dessarte, que muito mais do que um procedimento de defesa, o rito previsto no artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92 é na verdade um mecanismo amparo da jurisdição, do qual o magistrado pode se afastar quando estiver convencido da plausibilidade da pretensão, sem com isso gerar qualquer prejuízo aos réus, a quem o contraditório será oportunamente garantido, não havendo que se falar de nulidade processual em situações como tais.

Feitas tais digressões, volto aos trilhos do caso em exame.

Nele, mais do que a plausibilidade da pretensão, já havia, desde o início, prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações noticiadas na inicial, bem como o manifesto receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao interesse social. Tanto é assim, que como assentado no relatório da presente sentença, deferi a antecipação dos efeitos da tutela aos requerentes (vide, a respeito, a fundamentação da interlocutória de fls. 112/118).

Ora, num caso em que a prova dos autos gritava de forma tão ruidosa, seria no mínimo um despropósito a observância do procedimento traçado do artigo 17, §§ 7º e 8º da Lei 8.429-92, cuja implementação somente conspiraria contra o princípio da celeridade, que deve ser cultivado com todo o respeito na hipótese vertida, haja vista a existência do instituto da prescrição intercorrente no âmbito das ações de improbidade.

Demais disso, o fato é que o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes foram todos garantidos aos requeridos, que deles se valeram à exaustão, a ponto da matéria ter sido enfrentada e rechaçada por este magistrado na sessão instrutória da audiência, sem que os interessados tivessem eriçado seus protestos contra o encerramento da instrução processual (vide, a respeito, a ata de fls. 675).

Pas de nullité sans grief. Seria uma heresia, com efeito, declarar-se a nulidade do feito em tais circunstâncias.

4.2 – Incompatibilidade de Ritos

Sustentam os vindicados, ainda, que o rito acima discutido (previsto no artigo 17 da Lei 8.429-92) seria incompatível com o processamento de pedidos de natureza trabalhista, como aqueles outros postulados para além da questão da improbidade. Dizem que de tal arte estaria ferida a lógica do artigo 292, III, do CPC.
Antes de tudo devo realçar que ao assumirem tal conduta os requeridos acabam por se trair, já que por vias transversas admitem – demarcadas as balizas da teoria da asserção – a inequívoca competência da Justiça do Trabalho para o deslinde da matéria, jogando por terra, eles próprios, toda a construção argumentativa que alinhavaram em outro tópico da defesa, pois que confirmaram, expressamente, a existência de pleitos de natureza trabalhista no âmbito do processado (vide, v.g., o primeiro parágrafo de fls. 337).

Feita esta breve inflexão, devo de pronto dizer que a impropriedade da preliminar é arquievidente, bastando ver que o mesmo artigo 292 do CPC, para o qual os vindicados invocam tanto respeito, estatui no seu § 2º que "quando para cada pedido corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação se o autor empregar o procedimento ordinário", no caso o trabalhista, com as necessárias temperanças, evidentemente.

Trago, nesse sentido, a lição de RAIMUNDO SIMÃO DE MELO:

É claro que, para atender às peculiaridades do direito do trabalho e da Justiça laboral, é preciso que se adapte à apl
icação do plexo que forma a jurisdição coletiva com relação ao rito procedimental, como no tocante ao prazo para contestação, aos prazos e meios recursais existentes no processo forâneo, oitiva de testemunhas, depósito prévio recursal, etc.
De qualquer maneira, às ações coletivas na Justiça do Trabalho, deve-se aplicar o procedimento ordinário da CLT e não o novo procedimento sumário criado pela Lei n. 9.957/2000, para reger os dissídios individuais cujo valor da causa não exceda a 40 vezes o salário mínimo vigente no país.

Caminho para a o mérito de sentido estrito.

MÉRITO DE SENTIDO ESTRITO

Atentamente estudado o libelo, denoto que os requerentes dirigem alguns pedidos específicos em face do 1º requerido e outros também específicos em face do 2º requerido.

Assim é que almejando imprimir uma metodologia racional ao julgado, passarei primeiramente à apreciação concreta dos pleitos formulados pelos autores em relação ao primeiro réu, para ao depois analisar os dirigidos ao segundo vindicado.

1 – MÉRITO DE SENTIDO ESTRITO: 1º REQUERIDO

Defendendo-se dos pedidos veiculados pelos requerentes nas alíneas "B.1.1" a "B.1.6" do libelo (vide fls. 47/48), o 1º requerido não traça maiores considerações, se limitando a alinhavar as seguintes teses (vide fls. 241/245): a) que realizou concurso público (2º parágrafo de fls. 242); b) que diante da baixa qualificação da população da região, não logrou êxito no preenchimento das vagas ofertadas (3º parágrafo de fls. 242); c) que diante do quadro descrito não teve outra opção, senão a de contratar temporariamente, o que foi feito com o respaldo dos ditames legais (último parágrafo de fls. 241 e item "IV" de fls. 244); d) que quanto aos cargos de nível superior, se viu compelido, em função da baixa remuneração e da carência de infra-estrutura da região, a contratar pelo regime da Lei de Licitações (fls. 243); e) que já está tomando as providências para adequar a situação dos agentes comunitários de saúde aos lineamentos da Emenda Constitucional nº 51 (item "V" de fls. 244); e) que atendeu todas as determinações liminares do juízo (fls. 245).

Tenho que a razão não lhe assiste. Para uma melhor demonstração do que agora afirmo, diluirei a fundamentação em tópicos.

1.1 – Realização de Concurso – Não Preenchimento de Cargos – Necessidade de Contratações Temporária

Como já visto, o 1º requerido afirma que realizou concurso público para o provimento de cargos, não logrando êxito no preenchimento das vagas em função da baixa qualificação da população da região, razão pela qual teria sido impelido a contratar trabalhadores pelo regime temporário.

A mencionada alegação é manifestamente lacônica e frívola, muito mais se assemelhando a um insulto do que propriamente a um tema de defesa.

Para comprovar a conclusão do parágrafo anterior basta ver que a resposta do réu sequer indica o momento em que o suposto concurso teria ocorrido. Isso não bastasse, não se estriba em um só documento – como um simples edital – que seja capaz de dar indícios da sua realização, sendo elementar que no caso o encargo probatório pesa sobre seus ombros, até mesmo em função do princípio da aptidão para a prova.

Demais disso, a notícia de que os pretensos cargos oferecidos não haveriam sido preenchidos em função da baixa qualificação da população, por si só deve ser considerada como falaciosa.

Ocorre que recentemente o município de São Félix do Araguaia, situado na mesma região geográfica que o vindicado, realizou um grande certame público de provas e títulos, no qual pouquíssimas vagas deixaram de ser preenchidas, informação esta pública e notória, que pode ser aferida nos Autos do Processo nº 00491.2007.061.23.00-8.

Só posso concluir, portanto, que a defesa não é digna de credibilidade. Tenho, pois, que a regra no município de Luciara é a contratação de trabalhadores sem a observância do concurso público, procedimento que inverte, injustificadamente, a equação do artigo 37, incisos II e IX, § 2º, da Constituição da República.
1.2 – Ilegalidade na Contratação pelo Regime da Lei 8.666-93 (Lei de Licitações)

Como já visto atrás, a regra geral em Luciara é o desprezo para com o postulado democrático do certame público de provas e títulos. Mas as ilegalidades no município não param por aí. Ocorre que como já visto, uma das nuances da defesa é a contratação de profissionais de nível superior, como fisioterapeutas, médicos e que tais, pelo regime de empreitada global previsto na Lei de Licitações.

De tal arte, incumbe-me perquirir, de início, se a Lei 8.666-93 dá margem à contratação de serviços especializados desta natureza.

Do estudo dos artigos 1o e 2º da Lei 8.666-93 extraio que, pelo menos a princípio, a contratação de serviços por parte da administração pública é viável, desde que respeitado, regra geral, o necessário processo licitatório.

No caso à balha, entretanto, para a aferição da legalidade do procedimento adotado, será imperioso delimitar aquilo que se deve entender pela expressão "serviços" no âmbito administrativo, Para tanto, transcrevo, abaixo, o artigo 6º, caput, inciso II, da lei de licitações:

Art. 6º. Para os fins desta Lei, considera-se: II – Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.

Da listagem contida no preceptivo retro transcrito, poder-se-ia admitir que o objeto da contratação, constituído, como já visto, por "serviços especializados de fisioterapia e outros de igual jaez", no máximo se enquadraria na modalidade de "trabalhos técnico-profissionais".

Em decorrência, para uma delimitação ainda mais segura da abrangência da expressão em análise (serviços), será igualmente necessário transcrever o artigo 13 da multicitada Lei 8.666-93, que elenca, em rol taxativo, as atividades que se encaixam na dita modalidade (serviços técnicos profissionais especializados):

Art. 13. Para os fins desta lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I – estudos técnicos, planejament
os e projetos básicos ou executivos;
II – pareceres, perícias e avaliações em geral;
III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
Salta aos olhos, dessarte, que os "serviços especializados de fisioterapia, medicina e quejandos" não estão insertos na abrangência da expressão "trabalhos técnico-profissionais", não havendo como se admitir, portanto, que sejam tomados a partir de quaisquer dos regimes instituídos pela Lei de Licitações, muito menos sob os visos da "empreitada por preço global".

De tal arte, sendo patente que o objeto do liame que ligava o contratante aos contratos desborda dos limites legais que regem a matéria, nada me resta senão concluir que tais contratos eram nulos de pleno direito, já que possuíam nítido intento de fraudar a lei imperativa.

Como se não bastasse, há de se sublinhar, também aqui, que não pode ser tomada por séria a alegação de que os profissionais de nível superior não se interessam pela região em função da baixa remuneração e da precariedade de infra-estrutura, pois no recente concurso realizado em São Félix do Araguaia os cargos desta natureza foram preenchidos sem maiores problemas, informação esta pública e notória, que pode ser aferida nos Autos do Processo nº 00491.2007.061.23.00-8.

1.3 – Percentual de Contratações Extravagantes

Vale ressaltar que os requerentes solicitaram, na peça de ingresso, que seja considerado como verdadeiro o fato de que mais da metade dos servidores do Município de Luciara se encontram em situação irregular (vide, por exemplo, o 3º parágrafo de fls. 47).

Já os requeridos, de sua vez, não se valeram do ônus da impugnação especificada dos fatos (artigo 302 do CPC) no pertinente, razão pela qual reputo como real a notícia de que mais de 50% dos trabalhadores municipais não foram legalmente recrutados, mormente nos anos de 2005, 2006 e 2007.

1.4 – Da Regularização da Situação dos Agentes Municipais de Saúde

Como matéria de defesa, o primeiro requerido pondera que está se empenhando para a regularização da situação dos agentes municipais de saúde (fls. 244 in fine e 245 ab initio).

Ao agir assim, embora em tese demonstre algum respeito pelo mandamento liminar do juízo, acaba também por demonstrar, por via transversa, o desacerto dos seus atos anteriores, bem como que a regularização da situação não somente é desejável como absolutamente possível.

1.5 – Atendimento da Decisão Liminar de fls. 112/118

Por fim o 1º requerido verbera que cumpriu todos os provimentos liminares ordenados pelo juízo.

Produz, com tal assertiva, inominável afronta à virtude da retidão.
Na realidade ambos os vindicados vêm sistematicamente desprezando as ordens deste magistrado.

Para demonstrar o afirmado no parágrafo anterior basta realçar que até a presente data ainda não realizaram o concurso público determinado às fls. 112/118.

Note-se, no pertinente, que foram concedidos oitenta dias para a realização do mencionado certame, sendo a administração intimada do mandamento no dia 17.12.2007 (vide os documentos de fls. 142/143), sem que até hoje o concurso tenha se materializado.

Ou seja: da intimação até a presente data mediaram-se 117 dias, sem que a administração tenha cumprido a ordem.

Portanto, além dos fatos evidenciarem que a administração personificada no Sr. Nagib Elias Quedi trata com desdém os princípios constitucionais elencados no caput do artigo 37 da CRFB, demonstram que a sua conduta tampouco reverencia a dignidade do Poder Judiciário.

Nem se argumente que o prazo ofertado seria exíguo, ou que os documentos de fls. 677/702 comprovariam a realização do certame.

Decididamente não.

Primeiro porque instado à realização de concurso, na mesma data e no mesmo prazo, o município de São Félix do Araguaia de há muito cumpriu a ordem que lhe foi dirigida, consoante se pode aferir das informações públicas constantes dos Autos do Processo nº 00491.2007.061.23.00-8.

Demais disso porque os documentos de fls. 677/702 no máximo dão conta de que somente a partir do final de março de 2008 – pouquíssimos dias antes do encerramento da instrução processual (vide a ata de fls. 675/676) – é que o Prefeito tomou as primeiras e tímidas providências formais para a realização do certame.

Sem maiores comentários. Os efeitos da sua recalcitrância serão oportunamente analisados.

2 – DELIBERAÇÃO QUANTO AOS PEDIDOS VEICULADOS PELOS REQUERENTES EM FACE DO 1º REQUERIDO

Desprovida de alicerces mais sólidos, a defesa do 1º requerido ruiu do teto à base. Passo a deliberar, com efeito, sobre os pedidos que os requerentes lhe dirigiram.

2.1 – Declaração da Nulidade dos Contratos Irregulares

Como já exaustivamente demonstrado, o 1º vindicado usou e abusou de contratos administrativos inadequados para burlar a dicção constitucional que zela pela realização de concurso público como critério de validade da ocupação de cargos e empregos públicos.

Não tenho outro caminho, dessarte, a não ser o de declarar as suas respectivas nulidades, sejam eles arrimados na modalidade de contratação por prazo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, ou estribados no regime de empreitada por preço global da Lei 8.666-93.

Pronunciados os vícios, impõe-se-me, desde já, as tarefas de aclarar a verdadeira natureza jurídica dos aludidos contratos, bem como de modular os efeitos das nulidades decretadas.

2.1.1 – Natureza Jurídica Empregatícia dos Contratos

Verdadeiro truísmo que a fraude detectada tinha por intento acobertar a verdadeira face do liame que conectou a administração aos trabalhadores, que possuía inelutável natureza jurídica empregatícia, igualmente nula de pleno direito, por desprezo ao princípio constitucional do devido concurso público (artigo 37, II, § 2º da CRFB).

Nem se argumente, em sentido contrário, que o STF recentemente reconheceu, em sede de liminar exarada na ADIn 2135, a inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional nº 19, fato que teria restaurado o regime jurídico único, o que impediria, em tese, o reconhecimento da existência de contratos celetistas em um município onde vigora o regime estatutário.

Decididamente não.

Primeiramente por uma questão de lógica pura, pois os trabalhadores que não foram recrutados por concurso público não poderiam permanecer no li
mbo jurídico, sem gozarem de

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