Reação

Governo federal rebate críticas dos EUA sobre tráfico de pessoas

Análise norte-americana sobre a atuação do Brasil é "unilateral", reage secretário nacional de Justiça. Relatório dos EUA aponta avanços, mas sugere ação mais efetiva contra o tráfico para exploração sexual e escravidão
Por Beatriz Camargo e Maurício Hashizume
 19/06/2008

As críticas dirigidas ao Brasil no "Relatório Sobre Tráfico de Pessoas 2008" do Departamento de Estado dos EUA, divulgado em 4 de junho, partem de uma visão "unilateral" do problema, avalia o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior. "Reconhecemos a existência de problemas e trabalhamos para enfrentá-los. Outros países escondem a realidade e recebem elogios", reage.

Para o secretário, a abordagem "unilateral" contida no documento dos EUA não reconhece o problema em todas as suas dimensões. Segundo ele, as ações previstas no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), que envolvem uma ampla gama de órgãos governamentais federais, estaduais e municipais, em estreita parceria com entidades da sociedade civil, não foram devidamente consideradas pelos norte-americanos. "O Brasil está sendo refém de sua competência", contesta. A despeito de incorporar algumas metas pouco ousadas, o PNETP amplia a participação social.

Na opinião de Romeu Tuma Júnior, ex-delegado de polícia e filho do senador Romeu Tuma (PTB-SP), a questão do tráfico de pessoas precisa ser entendida, em certa medida, como o tráfico de drogas. "Sem o consumidor, esse tipo de crime não se sustenta", salienta. Com isso, o secretário busca evidenciar o papel de outros países – inclusive ricos – na cadeia internacional do tráfico de pessoas. Esse foi um dos aspectos frisados por Romeu Tuma Júnior também no 1º Congresso Internacional do Mercosul e Estados Associados sobre o Tráfico de Pessoas e Pornografia Infantil, realizado semana passada em Buenos Aires, na Argentina. Representantes dos EUA e da França também participaram do evento e ouviram o posicionamento do governo brasileiro.

"Não é verdade que o crescimento econômico brasileiro esteja se dando com base no trabalho escravo", declara o secretário, em resposta direta a uma das conclusões do relatório do governo norte-americano, que vincula o incremento do Produto Interno Bruto (PIB) de países como China, Índia e Brasil à exploração de vítimas de tráfico. No caso específico do Brasil, o documento enfatiza o fato de que metade das cerca de 6 mil libertações de trabalho análogo à escravidão realizada pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 2007 tenha se dado no cultivo de cana-de-açúcar. "É muito engraçado esse ataque ao etanol como parte de um relatório de ordem técnica", ironiza Tuma Júnior, em demonstração de desconfiança com relação a possíveis interesses econômicos por trás do relatório.

Na parte dedicada ao Brasil, o Departamento de Estado dos EUA aponta avanços no enfrentamento ao tráfico de pessoas durante o último ano, mas também vê a necessidade de ações complementares para a erradicação desse crime – tanto no que diz respeito ao tráfico para fins de exploração sexual quanto de trabalho escravo. O relatório referente a 2008 classificou o país novamente, como em 2007, no grupo intermediário da lista – junto com outras nações que não cumprem todas as metas sugeridas, mas se esforçam no combate ao problema. No total, 170 países foram avaliados.

Os EUA colocam o lançamento do PNETP, em janeiro de 2008, como um avanço significativo. A repressão ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual foi considerada boa, embora lacunas sejam assinaladas com relação ao número de processo jurídicos iniciados. A Polícia Federal registrou 200 denúncias relacionadas ao aliciamento de mulheres com fins de exploração sexual no Europa, e outras sete denúncias em rotas internas.

Ação e reação
O relatório classifica como positivo o aumento dos serviços prestados aos trabalhadores retirados da escravidão – hoje todos recebem três meses de seguro-desemprego -, mas frisa que as ações do governo brasileiro são insuficientes para coibir o uso trabalho escravo e impedir que essas pessoas voltem à ser escravizadas.

Para o documento, a "lista suja" do trabalho escravo é uma ferramenta de combate "que continua a prover uma punição branda para aqueles envolvidos nesse crime tão sério, em grande parte pela humilhação pública e pelo impedimento dessas entidades [pessoas ou empresas] terem acesso a empréstimos em instituições financeiras estatais", pondera o Departamento de Estado. "Durante o ano [de 2007], no entanto, um número razoável de indivíduos e empresas conseguiram remover seus nomes da ´lista suja´ através de liminares na Justiça."

Segundo o "Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2008", o Brasil fez esforços modestos para fortalecer a lei contra tráfico de pessoas no período observado. Entre as recomendações, os EUA propõem uma legislação federal para punir as formas severas de tráfico de pessoas e continuidade nos esforços para investigar, instaurar processos e julgar os autores desse tipo de crime.

"Continua faltando ao Brasil um sistema centralizado de coleta, análise e documentação das decisões jurídicas antitráfico pelo país", diagnostica o governo norte-americano, frisando a deficiência com relação ao controle de dados sobre o tema. O relatório recomenda ainda uma cooperação do Brasil com os EUA para investigar as acusações do trabalho forçado ligado às importações norte-americanas de ferro-gusa.

A interoperabilidade dos banco de dados federais e estaduais faz parte das ações previstas no Plano Nacional (PNETP), explica o secretário nacional de Justiça. "Os próprios norte-americanos não têm isso", adiciona. "Estamos propondo inclusive um banco de dados para o Mercosul. O país é grande e o enfrentamento ao tráfico é recente. O maior interesse em construir isso é nosso", prossegue. O representante do Ministério da Justiça (MJ) conta ainda que estão sendo instalados Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em diversos estados da Federação como parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

A legislação sobre o tema também está sendo "melhorada", nas palavras de Romeu Tuma Júnior. "As mudanças legislativas têm seu ritmo", pondera. Ele se defende: "Não há transferência de responsabilidade. Registramos mais de 600 inquéritos. E a quantidade de inqu&eacu
te;ritos mostra a disposição do governo em dar uma resposta à altura dos problemas".

Critério político
Chile, Japão e Portugal estão junto com o Brasil no segundo grupo, além de outras nações que passaram por conflitos armados recentes, como Afeganistão, Serra Leoa e Ruanda. Fazem parte do primeiro grupo países que, segundo o critério dos EUA, cumprem todas as metas de combate ao tráfico de pessoas. Na lista estão europeus com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como Suécia, Alemanha e Reino Unido, mas também Espanha – destino de muitas mulheres vítimas do tráfico de pessoas para a exploração sexual – e países do chamado Leste Europeu, região de origem de mulheres traficadas para a Europa ocidental, como a Geórgia.

No "segundo grupo, em estado de atenção", estão países como Argentina, Congo e Rússia. E, no terceiro, estão 14 nações que o relatório julga não fazerem esforços significativos para combater o problema. A maioria deles é do Oriente Médio, além de inimigas políticas dos Estados Unidos, como Coréia do Norte, Cuba e Irã. Em entrevista concedida à Repórter Brasil em 2007, Solmaz Sharif, do Escritório de Monitoramento e Combate do Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado norte-americano, defendeu que a classificação é uma "análise objetiva" e leva em consideração a coleta de dados e contribuição de uma vasta rede de fontes.

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