Pela primeira vez, grupo empresarial é excluído da “lista limpa” do trabalho escravo

 11/07/2008

BRASÍLIA – O Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo comunicou nesta sexta-feira que cinco empresas do grupo José Pessoa foram excluídas, em caráter definitivo, da lista de signatários do pacto. Trata-se da primeira ocorrência de exclusão de empresas.

De acordo com nota pública divulgada pelo comitê, em dois momentos distintos operações de fiscalização do governo federal encontraram situações análogas à escravidão em áreas de responsabilidade das empresas Agriholding, Agrisul Agrícola Ltda, Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, Debrasa e Jotapar.

No dia 13 de novembro de 2007, a equipe móvel do governo encontrou 1.011 trabalhadores, a maior parte indígena, em condições degradantes de serviço na fazenda e na usina de cana-de-açúcar Debrasa, unidade da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), em Brasilândia (MS). A equipe é formada por agentes do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.

Já no mês de junho deste ano, 55 trabalhadores foram resgatados no município de Icém (SP) na Usina Agrisul. Neste último caso, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego constataram servidão por dívida. Em uma mercearia, de acordo com a nota pública, os agentes encontraram retidos documentos pessoais de trabalhadores que atuavam na Agrisul.

– No ano passado, tomamos a decisão de excluir as empresas do grupo do Pacto Nacional, mas consideramos que, naquela ocasião, chegamos a conclusão que deveríamos considerar que as irregularidades poderiam ser corrigidas. No entanto, neste ano, o grupo móvel do governo encontrou novamente a presença de trabalho escravo na lavoura de cana-de-açúcar em empresas do grupo. Por isso, a decisão de expulsar a empresa – explicou Andréa Bolzon, coordenadora do programa de erradicação do trabalho escravo no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

De acordo com informações do governo, o grupo de trabalhadores resgatado na Agrisul teria sido aliciado no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, para as proximidades da usina, em São Paulo. Os trabalhadores foram submetidos a condições degradantes: dormiram no chão e passaram fome, segundo a nota divulgada pelo comitê de monitoramento que reúne representantes do Instituto Ethos, da OIT e da ONG Repórter Brasil.

O Pacto Nacional reúne 190 empresas, várias de grande porte que afirmam um compromisso em não permitir trabalho escravo. O faturamento bruto das empresas do pacto corresponde a 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Entre essas empresas estão a Vale do Rio Doce, a Petrobras, os grandes supermercados como Carrefour e Wal-Mart, todas as distribuidoras de petróleo, entre outras empresas.

A base para o trabalho de monitoramento, de acordo com Andrea Bolzon, é a "lista suja" divulgada pelo Ministério do Trabalho. – A ‘lista suja’ é um poderoso instrumento para monitorar as cadeias produtivas com incidência de trabalho. Sem essa lista é impossível fazer o monitoramento das empresas – disse Andréa Bolzon. Segundo ela, o cadastro de empresas pertencentes ao pacto funciona como uma espécie de "lista limpa" do trabalho escravo. – Não poderíamos ter em nosso cadastro um grupo empresarial no qual agentes do grupo móvel tenham encontrado escravidão. Isso iria comprometer a credibilidade do pacto – destacou a representante da OIT.

O comitê de monitoramento do pacto comunicou que considerou insatisfatórias as respostas apresentadas pelo presidente do grupo José Pessoa de Queiroz Bisneto.

Pessoa, conforme a nota, teria enviado um comunicado ao comitê afirmando que as condições encontradas de alojamento dos trabalhadores haviam sido corrigidas. Pessoa teria reclamado da atuação da imprensa no caso e acusou a operação de buscar o espetáculo.

A resposta de Pessoa foi divulgada pelo comitê. A Agência Brasil também tentou ouvir a empresa, mas a assessoria de imprensa do grupo não retornou as ligações. Ao comitê, Pessoa teria dito ainda que a empresa é a maior empregadora de mão-de-obra indígena do Mato Grosso do Sul.

De acordo com a OIT, o trabalho escravo tem presença marcante na pecuária bovina. A se considerar o número de empresas com trabalho escravo, 62% estão nessa atividade, a maior parte localizada nas região de expansão da fronteira agrícola brasileira.

No entanto, ao se considerar o número de trabalhadores resgatados, a cana-de-açúcar tem contribuição importante. – Isso ocorre porque a mecanização da colheita da cana-de-açúcar não é vantajosa para as empresas que acabam utilizando mão-de-obra escrava – disse Andrea Bolzon.

Outras atividades que mais contribuem para os índices de trabalho escravo são a produção de carvão – para a produção de ferro gusa – e na agricultura de soja, algodão e milho.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM