Justiça II

Ex-presidente da Funai elogia relatório do STF sobre Raposa

Mércio Gomes lista um resumo dos argumentos mais importantes no relatório do ministro Carlos Ayres Brito, que votou pela improcedência das ações contra a demarcação contínua da terra indígena
Por Spensy Pimentel
 28/08/2008

O ex-presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Gomes, fez em seu blog na internet um resumo dos argumentos mais importantes no relatório do ministro Carlos Ayres Brito, o qual, na última quarta-feira (27), votou pela improcedência das ações contra a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Veja abaixo a reprodução dos 27 pontos listados pelo antropólogo, que presidiu a Funai entre 2003 e 2007, período durante o qual foi homologada Raposa. É uma alternativa para quem não pode ler o relatório inteiro, com mais de 100 páginas.

"Ao tecer suas coordenadas constitucionais e rebater uma por uma as objeções criadas pelos contrários à homologação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o ministro Ayres Britto fez as seguintes considerações:

1. Não há incompatibilidade entre terras indígenas e faixas de fronteira
2. Os povos indígenas não constituem um perigo à soberania nacional
3. As terras indígenas de uma etnia devem ser reconhecidas de forma contínua
4. Os espaços vazios entre terras indígenas de etnias diversas podem ser incorporadas ao estoque de terras públicas não indígenas
5. Diferentes etnias podem conviver na mesma terra indígena quando há compatibilidade e harmonia
6. As culturas indígenas se aculturam e se integram sem necessariamente perder suas características próprias, apenas adicionando novas configurações
7. A ocupação permanente de terras indígenas é definida como tendo um caráter de convivência e uso
8. A Constituição de 1988 é o corte temporário anterior à qual se pode reconhecer uma terra indígena como tendo ocupação permanente. Após esse ano, a chegada de índios a uma terra não constitui ocupação tradicional
9. Roraima tem terras suficientes para sua população, mesmo não tendo controle sobre as terras da União (indígenas e de reservas ambientais), comparativamente com estados com Rio de Janeiro, Espírito Santo e Alagoas, juntos
10. Se há vazio do Estado em faixas de fronteira, a culpa é do próprio estado, não dos índios
11. Portanto, o Estado deve fortalecer o Exército e a Polícia Federal nas regiões de fronteira
12. Os índios não podem se opor à presença do Estado, nem interromper estradas ou próprios públicos, pois eles são cidadãos e dependem do Estado para educação, saúde, desenvolvimento econômico.
13. Os estrangeiros devem ficar fora de terras indígenas, em função de sua cobiça por minerais e pela ambição pela Amazônia
14. No território brasileiro quem manda é o Brasil, não a ONU ou ONGs estrangeiras
15. Tanto os laudos antropológicos feitos pela Funai quanto a comissão do estado de Roraima têm legitimidade para se opor a decisões e apresentar seus argumentos em cortes
16. Não acredita ter havido uma proliferação de malocas com o fito de dar a impressão de presença indígena em todas as áreas
17. Toda a área delimitada pela Funai é terra indígena legítima, habitada pelas etnias Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona e Wapixana, que vivem misturadas em convívio harmonioso
18. As posses e fazendas de arrozeiros são ilegítimas por terem sido obtidas por esbulho dos índios
19. A extensão de Raposa Serra do Sol é compatível com as coordenadas constitucionais concernentes aos povos que lá habitam
20. Demarcar terras indígenas não se orienta por critérios matemáticos. Não deve prevalecer a contabilidade espúria de calcular o tamanha da terra em relação ao número de habitantes indígenas.
21. A extrusão de não indígenas da Raposa Serra do Sol deve ser feita pacificamente e garantindo terras alternativas para os intrusos
22. As vilas existentes em Raposa Serra do Sol foram formadas por garimpeiros que saíram da T.I. Yanomami, portanto, não têm legitimidade
23. São nulas as titulações conferidas pelo Incra e inválida a ocupação da Fazenda Guanabara, Depósito e outras
24. As terras vendidas pelo estado de Roraima são ilegítimas
25. Só os ocupantes de boa-fé podem receber idenizações
26. Os rizicultores que passaram a usar a terra a partir de 1992 não têm direito, mesmo em terras compradas de títulos antigos porque vieram de esbulho dos índios.
27. As fazendas de arrozeiros degradam o meio ambiente e impedem os índios de passarem por lá e usarem do rio Surumu".

Gomes elogia o voto, mas faz a ressalva: "Pairou no ar a falta de diretrizes para a demarcação de novas terras indígenas, algo que parecia ter sido prometido pelo ministro-relator e por Gilmar Mendes, em diversas entrevistas anteriores". Lembra ainda que, no próximo dia 03 de setembro, deverá haver outra sessão do STF que pode gerar repercussões sobre a maneira como o Judiciário encara a demarcação das terras indígenas: nessa data, o ministro Eros Grau lerá seu relatório sobre ação que questiona a demarcação da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, dos Pataxó, na Bahia. Segundo Mércio, essa discussão já dura mais de 20 anos no STF.

Para ler o voto do relator sobre Raposa na íntegra, clique aqui.

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Raposa ganha voto favorável de relator, mas STF adia decisão

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