Agrocombustíveis

Repórter Brasil percorre 11 estados para avaliar impactos

No rastro dos cultivos com potencial para a produção de agrocombustíveis, equipe esteve em Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pará, Amazonas, Maranhão e Tocantins
Por Repórter Brasil
 22/08/2008

O Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil esteve em 11 estados brasileiros (Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pará, Amazonas, Maranhão e Tocantins) para conferir os impactos – socioeconômicos, ambientais, fundiários, trabalhistas e sobre comunidades indígenas e tradicionais – de cultivos utilizados para a produção de energia. Desta vez, a equipe investigou pólos de culturas de algodão, milho, pinhão-manso, dendê e babaçu.

No rastro da agroindústria algodoeira no Mato Grosso, foram visitadas as cidades de Cuiabá e de Rondonópolis. O caroço do algodão, subproduto da extração da pluma, pode ser utilizado para produção de biodiesel e é uma das apostas dos produtores de para agregar ainda mais valor à cadeia do produto. O Mato Grosso concentra 50% da produção brasileira de algodão (na atual safra, plantou 560 mil dos 1,125 milhão de hectares cultivados no país).

Atualmente, o caroço de algodão é destinado principalmente para servir como ração animal. Contudo, uma pequena parcela, ainda indecifrável nas estatísticas oficiais, já serve de matéria-prima para a extração de óleo e a produção de biodiesel. O potencial mato-grossense para a viabilização de projetos agropecuários é proporcional aos riscos de impactos sociais e ambientais, na medida em que o Estado reúne em seu território grandes extensões da Floresta Amazônica e do Cerrado, populações indígenas em situação de vulnerabilidade e trabalhadores migrantes que chegam de várias partes do país em busca de melhores condições de vida.

O histórico da região é marcado por graves problemas – dos quais valem citar o desmatamento além da Reserva Legal (80% na Amazônia Legal), a contaminação dos recursos hídricos por grandes quantidades de agrotóxicos utilizados na lavoura algodoeira e até a exploração de trabalho escravo. O CMA ouviu representantes de movimentos sociais, centros de pesquisa, governos e entidades de produtores e trabalhadores para dimensionar as conseqüências da expansão do algodão do ponto de vista qualitativo e quantitativo.

Na Região Sul, a Repórter Brasil passou por 15 cidades para avaliar os efeitos da valorização do milho – como fonte para a produção de agrocombustível e como item básico da alimentação humana e animal – e da implementação de projetos de pinhão-manso. Agricultores e entidades envolvidas em experiências de resgate e registro de sementes tradicionais e crioulas em Porto União (SC), Guarapuava (PR) e Bituruna (PR), demonstraram temor quanto ao futuro da produção e da soberania alimentar, ameaçadas pela expansão do cultivo de variedades transgênicas, liberadas recentemente pela Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio).

O modelo das cooperativas de produção de milho no Paraná e Santa Catarina, conectado às agroindústrias, também foi checado. O município de Chapecó (SC) reserva uma síntese da pujança e dos problemas da estrutura citada.

Apontada como uma planta de iminente sucesso no Brasil, seja em termos de produtividade ou de inclusão dos pequenos agricultores, o pinhão-manso ainda apresenta uma inserção tímida no Sul do país, conforme se pode apreender a partir das entrevistas realizadas e cidades visitadas. Em Pitanga (PR), Laranjeiras do Sul (PR) e Porto Barreiro (PR), Palmeira das Missões (RS) e Miracatu (SP), o pinhão-manso surge como uma cultura que pode gerar renda, empregos – e combustível – no campo da agricultura familiar. Prevalece, contudo, uma certa parcimônia tanto em projetos de entidades como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) como em iniciativas de órgãos públicos e grandes empresas.

O CMA também esteve em Janaúba (MG), epicentro brasileiro da pesquisa em pinhão-manso no Brasil. A cidade tem atraído projetos produtivos de agricultores familiares e empreendimentos maiores, inclusive com investimento estrangeiro. A proximidade da usina de biodiesel da Petrobrás, que está em construção em Montes Claros (a cerca de 130 km de Janaúba), estimula ainda mais a corrida pelo plantio. A esperança em torno da nova matéria-prima para a geração de biocombustíveis, entretanto, ainda esbarra no desconhecimento do manejo do pinhão-manso.

O principal foco dos produtores de pinhão-manso em Janaúba está na geração de sementes de qualidade. Não existem atualmente cultivares certificados no mercado. Por isso, ainda não há certeza sobre dados básicos como produtividade, pragas e regime de irrigação. Diversas entidades acadêmicas e de pesquisa estão desenvolvendo experiências em melhoramento do cultivo.

Depois de ter sumido das estatísticas de produção do algodão por causa da queda dos preços e da praga do bicudo, o tradicional pólo algodoeiro baiano de Guanambi (BA) vem retomando o fôlego, com a participação ativa da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário (EBDA). A entidade supervisionou o beneficiamento da produção de 296 agricultores do Vale do Iuiú. A "ajuda" foi paga com 70% do caroço do algodão; o restante do caroço e toda a pluma permaneceram com os produtores. Em comparação com a fibra oriunda de grandes áreas algodoeiras, como a região Oeste do estado, a produção do Vale do Iuiú possui melhor qualidade. Em grande parte, esse diferencial se deve à colheita artesanal da agricultura familiar.

Outro pólo percorrido pela Repórter Brasil foi a Costa do Dendê, que se estende de Valença (BA) a Camamu (BA), região nativa de dendê. Praticamente todo pequeno agricultor local tem palmeiras de dendê nativas em suas terras. O dendê nativo é de baixíssima produtividade, e, por isso, uma variação da planta conhecida como "tenera" foi introduzida para abastecer produtores maiores e indústrias. A maioria do óleo (produzido artesanal ou comercialmente) se destina à alimentação. Uma pequena fração do óleo do caroço da planta à indústria cosmética.

Na Costa do Dendê, metade da produção local é processada pela indústria e a outra metade é beneficiada nos chamados "rodões". Esses locais são espécies de unidades artesanais de descaroçamento e produção de óleo, através do esmagamento e cozimento. Em termos de mercado, os "rodões" garantem a estabilidade dos preços, na medida em que não permitem que toda a produção seja destinada à indústria. Foram firmados contratos entre a Petrobras e produtores, intermediados pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), com o intuito de aumentar a produção, que hoje é baixa para escala indust
rial, especialmente no caso de agrocombustíveis.

O município de Tailândia (PA), no nordeste do Pará (a cerca de 160 km da capital Belém) tem na atividade madeireira e carvoeira sua principal fonte de renda. Por conta das irregularidades associadas a esses setores, Tailândia se tornou alvo da primeira ação da Operação Arco do Fogo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Federal (PF) no final de fevereiro deste ano. A principal atividade agrícola da localidade, porém, é o dendê, produzido em cerca de 35 mil hectares no município e na vizinha Moju. A Agropalma, maior indústria de óleo de palma de dendê do Brasil, conduz essa cadeia não só com plantações em área própria, como também com contratos de parcerias com mais de 150 famílias de agricultores familiares na região.

Também no nordeste do estado, Concórdia do Pará (PA) fica em área de alta concentração de comunidades quilombolas, que lutam pelo reconhecimento e demarcação de seus territórios. Desde 2007, a empresa Biopalma, de capital do Canadá, passou a compras terras na região. A empresa pretende adquirir 100 mil hectares para plantio de dendê, o que deve provocar modificações significativas para o meio ambiente social e natural.

O CMA da Repórter Brasil também esteve em Tefé (AM), no centro do estado do Amazonas (a 525 km de Manaus), que tem na coleta e processamento da castanha do Pará sua principal atividade econômica. O governo estadual pretende ceder, contudo, 20 mil hectares de terra do município à empresa Braspalma, de capital malaio, para plantio de dendê. A área que pode ser destinada ao empreendimento estrangeiro é ocupada atualmente por cerca de 200 famílias de agricultores familiares.

Repleta de babaçuais pelos campos, Imperatriz (MA), no sul do Maranhão, concentra quebradeiras de coco de babaçu, que atuam nos municípios e distritos vizinhos. Elas são uma das principais forças da economia agrícola da região. Por enquanto, a utilização do babaçu como agrocombustível não é disseminado, mas a atividade das quebradeiras está sendo ameaçada pela proibição do acesso às palmeiras de babaçu. Isso se dá porque o coco está valorizando com a procura de carvoarias e guseiras, que queimam tanto o babaçu inteiro como a sua casca para a produção de carvão vegetal, matéria-prima essencial para a indústria de ferro-gusa do Pólo Carajás.

Há cerca de três anos, um empreendimento particular, a Fazenda Bacaba, pertencente ao grupo Biotins, iniciou um plantio extensivo de pinhão-manso no município de Caseara (TO), pequeno município às margens do Rio Araguaia, a 260 km da capital Palmas. O núcleo produtivo integra também várias famílias de seis assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na atividade.

O resultado de todo esse trabalho estará disponível no segundo relatório produzido pelo CMA, que tratará dos impactos causados pelas culturas do algodão, do milho, do pinhão-manso e das palmas (dendê e babaçu). O primeiro, lançado em abril, tratou da soja e mamona.

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Leia o relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis – impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade: soja e mamona", primeiro de uma série de documentos sobre o tema

Clique aqui e confira o site do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis

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