Migração

Governo estuda nova anistia a estrangeiros em situação ilegal

Ministério da Justiça analisa a possibilidade de legalizar migrantes sem a exigência do pagamento de multas. Governo aprovou também resolução que facilita concessão de vistos de trabalho para estrangeiros a partir de outubro
Por Bianca Pyl
 24/11/2008

O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Justiça e da Secretária Executiva, está realizando um estudo para verificar a possibilidade da concessão de uma nova anistia aos estrangeiros que se encontram em situação irregular no Brasil. "É preciso deixar claro que ainda não foi nada definido e que os cidadãos interessados deverão aguardar maiores informações", pondera Romeu Tuma Júnior, secretário nacional de Justiça.

O Brasil concedeu anistias em 1980, 1988 e 1998. Nessas ocasiões, foram pedidos apenas documentos básicos, como os que confirmam a identidade e, eventualmente, a data de ingresso no país, além do pagamento de uma taxa para emissão da Carteira de Identidade, obrigatória a todos os estrangeiros residentes. "As anistias anteriores também dispensavam o pagamento de multas por entrada ou estada irregular", explica Romeu Tuma Júnior.

O projeto da nova Lei de Estrangeiros (a que está em vigor é a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980) está sendo finalizado na Casa Civil e também prevê a possibilidade de regularização do imigrante. O projeto foi elaborado por uma comissão instituída pelo Ministério da Justiça. "Essa nova lei é um esforço para que o Brasil possa se adequar à realidade migratória contemporânea, convergindo para uma nova política de imigração que considere, em especial, o desenvolvimento econômico, cultural e social do País, e focado no respeito aos direitos humanos", conta o secretário.

Outra novidade para os imigrantes que pretendem vir ao Brasil é a Resolução Normativa nº 80, que facilita a obtenção do visto de trabalho. O Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) responsável pelas políticas de imigração, aprovou a resolução. A medida atende quem pretende trabalhar no Brasil após a publicação do texto no Diário Oficial da União (DOU), no dia 17 de outubro. A mudança, porém, não contempla quem já reside no país em situação ilegal.

A resolução é válida por dois anos e exige um contrato de trabalho e uma justificativa da empresa solicitante para a concessão do visto de trabalho. Pela Resolução Normativa nº 64 – revogada com a aprovação da nº 80 -, o estrangeiro tinha que comprovar também nível de escolaridade e experiência profissional. "Essa comprovação é feita por diplomas e cartas de experiência emitidas no exterior, traduzidas e legalizadas junto aos consulados brasileiros, procedimento que muitas vezes é difícil e caro para o padrão sul-americano", constata Paulo Sérgio de Almeida, presidente do CNIg. 

A entrada de migrantes sem documentos é um dos principais problemas enfrentados pelo CNIg: não faltam denúncias de exploração de mão-de-obra escrava de clandestinos no Brasil e de uma série de outras violações de direitos humanos envolvendo esse público fragilizado. "Esse fluxo era irregular por não existir um canal migratório para trabalho no Brasil compatível com a realidade (financeira) dessas pessoas", opina Paulo. A resolução contribui para que os imigrantes cheguem regularizados ao Brasil e tenham acesso ao mercado de trabalho com as mesmas garantias legais dos brasileiros.

A comunidade de migrantes latinos que vivem em São Paulo sequer tomou conhecimento da nova resolução, declara Ruth Myrian Camacho, advogada que atende ao Serviço Pastoral do Migrante (SPM). "Essas pessoas não tem acesso aos veículos de comunicação e não ficaram sabendo dessa medida". O SPM e o Centro de Apoio ao Imigrante (Cami) iniciarão trabalhos de divulgação da nova resolução junto a esses segmentos.

A situação de desinformação piorou depois que rádios bolivianas não regularizadas foram fechadas em setembro. As emissoras Galáxia e El Popular divulgavam notícias de interesse direto desses trabalhadores e em espanhol. "Muitos imigrantes nem sequer sabem como adquirir os documentos de permanência e nem onde se informar sobre o assunto", relata Ruth.

A Resolução Normativa nº 80 foi analisada em seminário realizado entre os dias 25 e 28 de agosto deste ano, com representantes do governo, das centrais sindicais, de entidades patronais, acadêmicos e pesquisadores, além de pessoas que atuam junto aos imigrantes. 

Uma das "Contribuições Para a Construção de Políticas Públicas Voltadas À Migração para o Trabalho" que saíram do encontro foi o pedido de fixação de uma regra especial para o trabalho de sul-americanos. "A Resolução é, também, resultado de uma ampla reflexão, realizada com a participação de diferentes setores da sociedade e dos próprios migrantes que são, já por si, uma expressão de abertura e promoção da integração, superando fronteiras físicas ou culturais", conta a irmã Rosita Milesi, presidente do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e integrante do CNIg.

Reunião de ministros
Após a publicação da nova Resolução Normativa nº 80, seis ministros do Trabalho da América do Sul se reuniram no Rio de Janeiro, no dia 20 de outubro, no hotel Rio Othon Palace para promover uma aproximação entre os países do Mercosul. Apesar da presença dos ministros do Trabalho, nenhuma decisão efetiva para os trabalhadores do Mercosul saiu desse encontro.

A reunião resultou na Declaração de Ministros do Trabalho, na qual "os ministros expressam sua preocupação com a crise financeira internacional e afirmam a necessidade de aprofundar a integração no âmbito regional, para garantir a preservação dos postos de trabalho em nossos países, evitando que nossos mercados sirvam de variável de ajuste para a instabilidade oriunda dos centros hegemônicos. Em conformidade com esse objetivo, os ministros propõem a criação de centro de formação e capacitação de trabalhadores e pessoal técnico, para desenvolvimento tecnológico e profissional do Mercosul".

O encontro foi presidido pelo ministro Carlos Lupi e teve a participação da vice-ministra do Trabalho da Argentina, Noemi Ríal, ministro do Trabalho paraguaio, Blas Llano, Eduardo Bonomi, ministro do Trabalho urugauio, o ministro do Poder Popular para o Trabal
ho da Venezuela, Roberto Hernández, e o representante chileno, Marcos Ruiz.

Plano Nacional
O 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo contempla em duas metas os trabalhadores imigrantes. Dentro das ações gerais do plano, está prevista a implantação de estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores imigrantes em situação legal e ilegal, incluindo serviço de emissão de documentação básica. Outra meta diz respeito à necessidade de alteração da Lei dos Estrangeiros para garantir a regularização gratuita dos imigrantes encontrados em situação de trabalho escravo e degradante.

Se essa meta fosse colocada em prática, os 11 paraguaios encontrados em situação degradante de trabalho, durante fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso do Sul (SRTE-MS) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), em agosto desse ano, em Campo Grande (MS), teriam tido a chance de permanecer legalmente no Brasil. Eles trabalhavam na silagem de grãos sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e moravam em alojamentos precários sem condições de higiene.

"O fato de ser estrangeiro ilegal não tira nenhum direito desses trabalhadores. O empregador tem que pagar as verbas rescisórias do mesmo jeito que paga para brasileiros encontrados em situação degradante", explica Jonas Ratier Moreno, da Coordenador Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conaete), do MPT. Ele esclarece que, quando resgatados, trabalhadores imigrantes recebem as verbas rescisórias e a Polícia Federal determina um prazo para que eles deixem o país. O imigrante também tem que pagar uma multa por ter trabalhado ilegalmente. "Eu incluo o valor dessa multa no montante que o empregador terá que pagar ao trabalhador resgatado", adiciona. Para Jonas, a legalização desses trabalhadores após o resgate é difícil, pois envolve questões diplomáticas e outras instâncias de governo.

Mesmo com essas dificuldades, a vizinha Argentina lançou em abril de 2006 o Programa Nacional de Normalização Documentária Migratória, conhecido como "Plano Pátria Grande". De 2006 até abril deste ano, 455 mil imigrantes  regularizaram sua situação (270 mil paraguaios, 112 mil bolivianos e 50 mil peruanos). Cerca de 4,9 mil brasileiros também obtiveram o visto de residência até agora, e o plano não tem prazo para terminar. Uruguai e Chile também aprovaram leis parecidas.

Segundo Romeu Tuma Júnior, o Brasil busca adotar esse tipo de medida, mas de forma multilateral, no âmbito do Mercosul. "Já foi assinado acordo de livre residência neste sentido, faltando apenas o governo paraguaio depositar o respectivo instrumento para que possa iniciar a sua aplicação. Dentro desse contexto, já foi firmada e antecipada a aplicação deste acordo com a Argentina e com o Uruguai. Ou seja, argentinos e uruguaios podem ingressar e regularizar a permanência no Brasil". Desde 2005, aproximadamente 5,8 mil argentinos e 2,7 mil uruguaios que vivem no Brasil já foram beneficiados.

Acordo bilateral
O acordo firmado em 2005 entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Bolívia – que previa a legalização e garantia a permanência dos imigrantes irregulares por dois anos – venceu em 17 de setembro de 2007. Foram emitidos 28 mil vistos. "O acordo não facilitou para alguns trabalhadores bolivianos que não tem nem cédula de identidade. Entre a documentação exigida havia a prova de meios de subsistência. Mas, a maioria trabalha na informalidade e não tem como comprovar renda", ressalta Paulo Illes, coordenador do Cami.

Os ministérios não renovaram o acordo e muitos trabalhadores estão com o visto vencido e terão que deixar o país. "Além de pagar uma multa pelo tempo que trabalharam ilegalmente. Muitos ficaram com medo e nem procuraram a Polícia Federal para tentar permanecer legalmente no país", sublinha Paulo.

O acordo trouxe a legalização de algumas oficinas e de alguns trabalhadores, mas não trouxe a regularização do trabalho, opina a advogada Ruth Myrian. "Os empregados continuam sem registro em carteira, com jornadas excessivas, ganhando mal. Quer dizer, são ações que na prática ainda não mudaram a situação desses trabalhadores", avalia.

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