Mato Grosso

Dono de carvoaria alicia escravos diretamente no Maranhão

Fiscalização libertou 21 trabalhadores da Carvoaria Ouro Preto, em Tabaporã (MT). Enganados por promessas do dono da propriedade, maranhenses eram mantidos por meio de dívidas contraídas com o transporte e na cantina
Por Bianca Pyl
 22/12/2008

O advogado Francisco Dias de Freitas, dono da Carvoaria Ouro Preto no município de Tabaporã (MT), cruzou diversos estados e percorreu certamente mais de dois mil quilômetros pelo país para efetivar o aliciamento de trabalhadores em Monção (MA), a cerca de 250 km a sudoeste de São Luís.

Em Monção (MA), o empregador alugou um veículo (van) para transportar o grupo, dispensando a utilização do "gato". Para convencer os interessados a encarar uma longa jornada até a carvoaria na região Centro-Oeste (mais precisamente a 643 km ao norte de Cuiabá), Francisco prometia um salário de, no mínimo, R$ 500 mensais a cada trabalhador. 

O descaso com a Certidão Liberatória, autorização da superintendência regional do Trabalho e Emprego para o transporte da mão-de-obra local para além de sas fronteiras estaduais, já dava indícios, porém, de que as promessas do empregador não eram dignas de crédito.

Quando os maranhenses chegaram à propriedade em Tabaporã, o embuste se confirmou. Primeiro, as despesas com a passagem para o Mato Grosso foram cobradas em forma de dívida. Além disso, as compras de gêneros básicos na cantina da fazenda, bem como a cobrança de uma mensalidade extra de R$ 150,00 por conta dos gastos com a alimentação, só faziam aumentar o débito dos trabalhadores para com o patrão.

Para chegar ao centro de Tabaporã (núcleo urbano mais próximo que ficava a 8 km da fazenda), só à pé ou de carona. O advogado e dono da Carvoaria Ouro Preto não disponibilizava transporte para as pessoas saírem periodicamente do local. Um pacote de suco em pó, que exibia ainda a etiqueta do preço de R$ 0,65, era vendido por R$ 1,00 na cantina. Todas as dívidas eram anotadas no caderno mantido e atualizado frequëntemente.

Fiscalização
Esse foi o cenário encontrado por integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso (MT), que libertaram 21 pessoas (incluindo um adolescente de 17 anos) de condições análogas à escravidão da Carvoaria Ouro Preto. De acordo com os fiscais que estiveram na área, o contingente de explorados desconheciam sequer os valores das dívidas da cantina e do transporte do Maranhão para Mato Grosso.

A maioria dos empregados tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. O registro, porém, era em nome da empresa prestadora de serviço V. Carlos da Silva ME, pertencente a Valdir Carlos da Silva, motorista de Francisco. Na avaliação dos fiscais, o proprietário visava burlar a legislação trabalhista, pois o empregador de fato era Francisco e não Valdir.

O empregados recebiam por produção e trabalhavam diariamente, sem descanso semanal. Os salários nas CTPSs assinadas era de R$ 456 por mês. Na prática, porém, com a montanha de acúmulo de dívidas, esse não era o recurso mensal que chegava ao bolso das pessoas. 

Durante a empreitada, pelo menos dois trabalhadores tiveram que retornar às suas cidades de origem no Maranhão por motivo de doença. Para poder deixar o trabalho, contudo, eles tiveram que transferir a dívida contraída até então para outros que continuaram na carvoaria. O proprietário disse aos fiscais que não tinha conhecimento das anotações das dívidas na cantina.

Condições
O alojamento, situado próximo aos fornos da carvoaria, era de madeira e tinha várias frestas e buracos entre as telhas. Não havia luz elétrica nem roupa de cama e os colchões eram muito velhos, sujos e gastos. O esgoto corria a céu aberto próximo do local. A água utilizada vinha de uma nascente próxima. Nas frentes de trabalho, não existia água potável.

Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não eram utilizados: o grupo laborava em fornos, sem qualquer proteção para braços ou cabeça. Também não tinham máscaras ou óculos de proteção contra cinzas e demais substâncias tóxicas. Quando a fiscalização chegou, os empregados estavam com chinelos ou descalços. Muitos estavam sem camisa.

O empregador não conseguiu os recursos para pagar as verbas rescisórias dos funcionários. Pagou, porém, a passagem de volta ao Maranhão e pagou somente o salário de novembro. O valor das rescisões ainda está pendente: o Ministério Público do Trabalho (MPT) deve ajuizar uma ação civil pública por dano moral individual e dano moral coletivo.

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