Sociedade Civil

Repórter Brasil recebe Prêmio Nacional Direitos Humanos 2008

Premiação fez parte da abertura da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, que reúne mil delegados responsáveis pela revisão do Plano Nacional. Presidente Lula esteve presente e pediu discussão de "tabus"
Por Maurício Hashizume
 16/12/2008

Brasília (DF) – A organização não-governamental Repórter Brasil recebeu, nesta segunda-feira (15), o Prêmio Nacional Direitos Humanos 2008 na categoria Erradicação do Trabalho Escravo, como pessoa jurídica. Personalidade ativa à frente da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frei Xavier Plassat foi laureado como pessoa física de destaque na mesma categoria.

A cerimônia de entrega do Prêmio Nacional Direitos Humanos 2008 foi realizada durante a abertura da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. A coordenadora do Projeto "Escravo, Nem Pensar!", Fernanda Sucupira, representou a Repórter Brasil na premiação (confira lista abaixo).

Além dos prêmios entregues pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na capital federal, a abertura do encontro convocado sob o tema "Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos: Superando as Desigualdades" foi marcada pela presença de cerca de mil pessoas – entre organizadores, delegados, convidados e observadores.

Deise: Poder concentrado tem impaco negativo nos direitos humanos (Foto: Wilson Dias/ABr)

Representante das organizações da sociedade civil e integrante da ONG Fala Preta! – Organização de Mulheres Negras, Deise Benedito lembrou de datas e acontecimentos importantes para os direitos humanos. Em 2008, a morte do seringueiro Chico Mendes (assassinado em 22 de dezembro de 1988) completa 20 anos, assim como a promulgação da Constituição Federal de 1988. Também no último dia 10 de dezembro, os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram comemorados em todo o mundo.

Deise frisou que a 11ª Conferência Nacional – que se estende até quinta-feira (18) e foi convocada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e pelo Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FNDH) – é a 59ª conferência nacional temática do governo Lula. Segundo ela, os participantes do encontro encarregados de revisar e atualizar o Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) estão diante do desafio de "reescrever a história dos direitos humanos" no país. 

A representante da sociedade civil ressaltou que o modelo adotado no Brasil continua dando ênfase a aspectos econômicos (e a "interesses privatistas") em detrimento de formas mais integrais de desenvolvimento. Esse poder concentrado traz um impacto negativo nos direitos humanos, afirmou.
 
Para completar seu discurso, Deise citou uma série de casos específicos em que os direitos humanos estão em xeque: pediu a retirada dos posseiros da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima e reivindicou o direito ao território da comunidade quilombola de Marambaia, no Rio de Janeiro.

De acordo com ela, o racismo ainda persiste, especialmente para com a juventude negra, que sofre o preconceito daqueles que acreditam que "pele define caráter". O sistema prisional também foi alvo de críticas, já que o número de mulheres encarceradas aumentou e a construção de presídios de segurança máxima tem sido tratada como prioridade. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que expropria as terras de empregadores que explorarem trabalho escravo, não foi sequer citada. 

Os aplausos da platéia se intensificaram quando Deise pregou a ampla abertura dos arquivos do Estado e repudiou a resistência de órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU) quanto à possível punição de responsáveis por torturas na ditadura militar. Para ela, essas posições vão na "contramão da história" e não valorizam "a verdade e a transparência". 

A ativista também denunciou a criminalização dos movimentos sociais e dos defensores de direitos humanos, que teria ficado evidente em manifestações do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul e de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) como a da Terra, a das ONGs e a do Aborto. A Lei de Segurança Nacional, adicionou, foi acionada contra os sem terra. "A sociedade precisa dos movimentos sociais", disse.

O Poder Judiciário e a mídia comercial também foram criticados por Deise Benedito. Nas palavras dela, o Judiciário não vem demonstrando "compromisso com os direitos humanos", e contam com o apoio dos veículos comerciais. "A democracia não chegou aos meios de comunicação", declarou, antes de reforçar a importância da conferência nacional sobre esse tema diante do constante desrespeito ao interesse público e à diversidade cultural.

Um total de 137 encontros prévios – denominados conferências livres, regionais, territoriais, municipais ou pré-conferências – foram realizados antes das conferências estaduais e do DF, etapas que antecederam a 11ª Conferência Nacional. Cerca de 14 mil pessoas participaram do processo.

Novos ministérios
O caso Raposa Serra do Sol também foi citado pelo presidente Lula como um exemplo de que os avanços no campo dos direitos humanos não dependem apenas de "vontade política". Em 2004, contou o presidente, o governo propôs um acordo que atendia os índios e todos os outros segmentos que defendem a demarcação em área contínua. Esse "pacote", continuou, "não foi implementado porque havia muita contradição e muita resistência (…), até que o processo foi parar na Justiça".

Secretaria de Direitos Humanos, de Vannuchi, pode se tornar ministério (Foto: Antonio Cruz/ABr)

"E quando chega na Justiça, nós estávamos com 8 a 0, demarcando a área de forma contínua e, de repente, um ministro pede vista e nós temos apenas que aguardar que haja o resultado final, apesar de 8 a 0 já ter definido praticamente a maioria absoluta na Suprema Corte, em favor daquilo que estava no projeto original", comentou. "De qualquer forma, foi pedido vista, o Supremo T
ribunal Federal entra em recesso por esses dias, e eu penso que isso só deve ser votado lá para março do ano que vem, quando tiver reabrindo a Suprema Corte. E assim tantos outros casos".

Lula atacou a dificuldade para a abordagem de determinados temas no Brasil. "A gente não sabe quem foi que fez a lei criando o tabu para determinadas coisas que não se discute abertamente no Brasil", disse. "Nós temos que quebrar barreiras, fazer novas leis, mudar a cabeça das pessoas, politizando as pessoas sobre um sem-número de coisas, que parecem um absurdo. Não faz pouco tempo eu fui criticado porque disse que era preciso criar o ´dia da hipocrisia´ neste país, porque tem tanta coisa que a gente poderia fazer e que, muitas vezes, não se discute com a profundidade que deveria se discutir".

Entre esses assuntos, o presidente citou o racismo e o aborto que, para ele, não é uma questão apenas de ser contra ou a favor, mas "de saúde pública". "Se perguntarem para mim, eu sou contra. Mas quantas madames vão fazer aborto até em outro país, e as pobres morrem na periferia dos grandes centros urbanos deste país? Isso é uma coisa que nós temos que debater e não ter medo de debater. Não se trata de quem gosta da vida ou não, porque eu acho que tem pouca gente que gosta mais do que eu de defender a vida. A vida inteira brigo por isso, mas é preciso apenas que a gente faça o debate". 

Para Lula, os avanços na área ocorrem porque os ativistas da sociedade civil "há muito tempo conquistaram o direito de transformar os direitos humanos numa coisa do dia-a-dia de uma grande parcela da sociedade brasileira". "Não é mérito pessoal do Presidente ou do ministro, é mérito de cada um de vocês, que mesmo quando tinham um governo que não queria discutir, vocês estavam nas igrejas, nas casas paroquiais, nas ruas, fazendo manifestação e reivindicando direitos humanos. Essa é uma típica conquista da sociedade brasileira e qualquer pessoa compreende isso".

A ocasião da conferência fez com que o presidente Lula anunciasse a intenção de transformar tanto a SEDH como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) em ministérios, como já ocorreu  com a ex-Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir). O Executivo federal enviou ainda um projeto de lei em agosto último para converter a Secretaria Especial Aqüicultura e Pesca em ministério.

Além de Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) – que espetou o Judiciário e defendeu a política de cotas raciais -, estiveram presentes na cerimônia de abertura Nilcéa Freire (Políticas para Mulheres), Dilma Rousseff (Casa Civil), Tarso Genro (Justiça), Paulo Bernardo (Planejamento), José Gomes Temporão (Saúde), Jorge Hage (Controladoria Geral da União), Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Edson Santos (Igualdade Racial).

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), também discursou, tentando apontar alguns avanços dos direitos humanos no segmento legislativo. Acabou, contudo, sendo vaiado – especialmente por organizações feministas presentes à 11ª Conferência Nacional, contrariadas pela criação da CPI do Aborto no último dia 8 de dezembro.

Vencedores do Prêmio Nacional Direitos Humanos 2008

Categoria Erradicação do Trabalho Escravo
Pessoa Física: Frei Xavier Plassat
Pessoa Jurídica: ONG Repórter Brasil

Categoria Santa Quitéria do Maranhão – Registro Civil de Nascimento
Pessoa Física: Luís Cláudio Cabral Chaves
Pessoa Jurídica: Associação Nacional dos Rondonistas – Projeto Rondon

Categoria Dorothy Stang – Defensores de Direitos Humanos
Pessoa Física: Maria Amélia de Almeida Teles
Pessoa Jurídica: Associação da Parada do Orgulho  GLBT de São Paulo

Categoria Enfrentamento à Violência
Pessoa Física: Padre Jaime Crowe
Pessoa Jurídica: Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência
Rio de Janeiro / RJ

Categoria Enfrentamento à Pobreza
Pessoa Física: Clodomir Santos de Morais
Pessoa Jurídica: Asmare (Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável de Belo Horizonte)

Categoria Igualdade de Gênero
Pessoa Física: Silvia Pimentel
Pessoa Jurídica: Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul- ATMS

Categoria Igualdade Racial
Pessoa Física: Aurelielza Nascimento Santos
Pessoa Jurídica: Rede Mulheres Negras- PR

Categoria Garantia dos Direitos das Pessoas com Deficiência
Pessoa Física: Maria de Lourdes Canziani
Pessoa Jurídica: Secretaria Estadual para Inclusão da Pessoa com Deficiência –Seid, Piauí

Categoria Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
Pessoa Física: Diva de Jesus Negrão Andrade
Pessoa Jurídica: Aldeias Infantis SOS Brasil (pelo trabalho realizado no Amazonas)

Categoria Garantia dos Direitos da Pessoa Idosa
Pessoa Física: Iadya Gama Maio
Pessoa Jurídica: Pastoral da Pessoa Idosa- Cornélio Procópio/PR

Categoria Educação em Direitos Humanos
Pessoa Física: Miracy Barbosa de Souza Gustin
Pessoa Jurídica: Prefeitura Municipal de Vitória- Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos

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