Raposa Serra do Sol

Julgamento no STF: 10 a 1 a favor de demarcação contínua

Depois de duas interrupções, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente garantiram integridade do território indígena em Roraima. Entidades advertem, porém, sobre perigo de precedentes das condições impostas
Por Repórter Brasil*
 20/03/2009

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (19), recusou o pleito dos senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) pela redução da área já homologada pelo governo federal em 2005 e manteve os limites originais de demarcação da Terra indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima. São 1,7 milhão de hectares, onde vivem cerca de 18 mil indigenas dos povos Ingarikó, Makuxi, Taurepang, Patamona e Wapichana.

Indígenas comemoram o resultado do julgamento na Praça dos Três Poderes (Foto: José Cruz/ABr)

De quebra, os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Carmen Lúcia Tavares, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Pelluzo, Ellen Gracie, Celso de Mello e o presidente Gilmar Mendes – que votaram a favor do relatório de Carlos Ayres Brito – se manifestaram favoravelmente à cassação da decisão liminar que suspendeu a operação da Polícia Federal de retirada dos não-índios da terra, em abril de 2008. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello – que pedira vistas no meio do julgamento em dezembro do ano passado, quando o resultado já apontava 8 a 0 a favor da demarcação contínua – votou pela mudança da demarcação já homologada da Raposa Serra do Sol.

A responsabilidade pela retirada – que começou a ser realizada pelo Executivo federal em abril de 2008 – foi atribuída pelo STF ao Poder Judiciário. Mais especificamente com a participação do ministro Carlos Ayres Brito – que deve se encontrar com o ministro da Justiça, Tarso Genro, para tratar dos detalhes da operação – e do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1). 

O STF não se restringiu em manter a homologação contínua da TI Raposa Serra do Sol e estabeleceu também 19 condições (as 18 apresentadas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito em dezembro de 2008, mais uma proposta pelo ministro Celso de Mello, que assegura a "participação dos entes federativos durante o processo demarcatório") que, segundo Gilmar Mendes, devem ser tomadas como referência para os outros processos de demarcação no país.

Essas condições provocaram manifestações de entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Instituto Socioambiental (ISA). 

O Cimi reconhece a "vitória histórica no processo de consolidação dos direitos territoriais indígenas", que "se deu pela luta incansável dos povos daquela terra, que por mais três décadas vêm lutando por seus direitos com o apoio de uma grande rede de aliados e simpatizantes da causa indígena".

Na avaliação do Cimi, porém, "o STF extrapolou o que foi pedido pelos autores da ação popular julgada, na medida em que estabeleceu uma normatização para todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas no país. Tal condição deve ser entendida num contexto de cerceamento de direitos dos povos indígenas, das populações tradicionais, do campesinato e outras, em favor da expansão do interesse do capital privado no campo".

Diante disso, o Cimi, que tem ligação com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), "alerta sobre os riscos que a restrição de direitos pode acarretar, como o acirramento de conflitos em razão da legítima defesa da posse da terra pelos povos e comunidades indígenas.

Para Ana Paula Caldeira Souto Maior e Raul Telles do Valle, do ISA, o STF "deu com uma mão e tirou com a outra" no julgamento da Raposa Serra do Sol. Apesar de reconhecer a legitimidade do processo de demarcação e a necessidade de retirada dos produtores que ocuparam a área irregularmente, o colegiado de ministros também impuseram condições preocupantes.

"Um dos exemplos é a condição 5, que estipula que ´a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas´. Essa condição, além de arbitrária, contraria expressamente o disposto no Art. 6o da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, que dá às populações indígenas o direito de se manifestarem previamente à construção de obras de infraestrutura em suas terras Leia mais. Não ficou claro se o STF julgou inconstitucional esse dispositivo da convenção, ou se essa decisão significa que o Brasil está denunciando (rescindindo) a convenção que se comprometeu a cumprir", adicionam os integrantes do ISA.

A condição de número 17, que veda expressamente a ampliação de terras indígenas já demarcadas, também é problemática, segundo artigo dos representantes do ISA. "Um dos casos fortes para testar esta orientação será o dos Guarani do Mato Grosso do Sul, que vivem em terras extremamente diminutas exatamente porque foram demarcadas antes de 1988, segundo critérios totalmente distintos dos existentes atualmente. Hoje esse povo sofre com a miséria, o alcoolismo e os suicídios, problemas associados à falta de território suficiente à sobrevivência física e cultural", emendam.

Incluída na fase final do julgamento, a 19a e derradeira condição também é avo de questionamentos dos membros do ISA. "O ponto é polêmico porque o GT [grupo de trabalho] encarregado do procedimento tem caráter eminentemente técnico, sendo presidido por um antropólogo. Como em geral os poderes públicos locais não são favoráveis à demarcação de terras indígenas, por contrariarem os interesses econômicos das oligarquias locais, esse pode ser um novo fator de atraso ou impasse na conclusão dos relatórios e demais etapas do processo de demarcação".

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*Com informações do ISA e do Cimi

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