Maranhão

Tribunal rejeita denúncia e absolve juiz acusado de escravidão

Por 12 votos a 4, Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) arquivou processo contra Marcelo Baldochi, juiz estadual envolvido em caso de trabalho escravo que culminou na libertação de 25 pessoas - inclusive um jovem de 15 anos
Por Bianca Pyl
 01/12/2009

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) decidiu não aceitar denúncia do Ministério Público Estadual do Maranhão (MPE/MA) contra o juiz estadual Marcelo Baldochi por crime de trabalho escravo. Na votação, 11 membros acompanharam o voto do relator Antônio Guerreiro Júnior, que enterrou as investigações acerca do magistrado que chegou a fazer parte da "lista suja" do trabalho escravo. No final, o placar terminou com 12 votos pela absolvição sumária do denunciado contra apenas quatro favoráveis à instauração do processo, providência essa que foi defendida em voto do desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos (leia mais abaixo).

Em defesa da absolvição, Antônio argumentou que "não vislumbra que haja prova de materialidade delitiva (do crime)", conforme descrito na ementa da decisão. Para o relator, ainda de acordo com a ementa, "não bastam condições degradantes de trabalho, é imprescindível a completa sujeição da pessoa que tenha relação de trabalho ao poder do sujeito ativo do crime".

Processo contra Marcelo Baldochi foi rejeitado pelo TJ (Foto: TJ/MA)

Equipe do grupo móvel de fiscalização – formada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Polícia Federal – libertou 25 pessoas, incluindo um jovem de apenas 15 anos, de situação análoga à escravidão da Fazenda Pôr do Sol, sob responsabilidade de Marcelo Baldochi, em setembro de 2007.

Assinada pelo procurador-geral de Justiça Francisco das Chagas Barros de Sousa, a peça acusatória descreve uma série de irregularidades, com esteio na fiscalização trabalhista: condições precárias de alojamento; problemas nas frentes de trabalho e alimentação (exíguo intervalo e falta de água potável); não fornecimento de equipamentos de proteção; ausência de assistência médica; indevida retenção de salário; utilização de mão-de-obra de adolescente de 15 anos; e sistema de servidão por dívidas.

"A rigor, esses eventos, por si só, não são suficientes para dar azo à reprimenda criminal, não obstante outro seja o entendimento no âmbito da responsabilidade civil e administrativa, notadamente à luz das leis que regem as relações laborais", justifica, em seu voto escrito, o relator. "Sucede que o crime em espécie exige representativa submissão do sujeito passivo ao poder do agente, suprindo o status libertatis, posto que apenas desta forma anila-se por completo a liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a sua dignidade", completa.

Pela rejeição da denúncia, o desembargador relator minimiza o quadro de servidão de dívida e faz menção às possíveis confusões que podem existir entre o que chamou de "singelos modos de viver" e casos efetivos de trabalho escravo contemporâneo. "Há de se convir que o trato da vida envolto a uma fazenda é traçada com singelos modos de viver, o que não podem (sic) ser confundidos com condições degradantes de vida" (veja quadro abaixo).

Para relator, servidão por dívida não consiste em condição degradante (Foto: Detalhe – Reprodução)

Além de Antônio Guerreiro, rejeitaram a denúncia no último dia 11 de novembro: Antonio Fernando Bayma Araújo, Jorge Rachid Mubárak Maluf, Cleonice Silva Freire, Nelma Sarney Costa, Mário Lima Reis, Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães (que mudou o voto), Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Raimunda Santos Bezerra, Lourival de Jesus Serejo Sousa, Jaime Ferreira de Araújo e José Bernardo Silva Rodrigues. Acompanharam o voto divergente de José Joaquim Figueiredo dos Anjos os desembargadores Benedito de Jesus Guimarães Belo, Paulo Sérgio Velten Pereira e Raimundo Nonato de Souza. Cleones Carvalho Cunha absteve-se. 

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2006 definiu a competência da Justiça Federal no caso das denúncias criminais de trabalho escravo. Mas como Marcelo Baldochi é membro do Judiciário estadual, o caso foi julgado pelo tribunal maranhense – instância em que também foi negado o pedido do corregedor-geral Jamil Gedeon para a instalação de processo administrativo relacionado ao mesmo episódio de escravidão.

Voto contrário
O desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos foi um dos quatro magistrados que votou a favor do acolhimento da denúncia. "Eu tenho a consciência tranquila que meu voto foi acertado. Não estou condenando o acusado. Há indícios suficientes para receber a denúncia", declara. Após pedir vista dos autos em 8 de julho de 2009, José Joaquim apresentou voto dissonante durante a sessão plenária de 30 de outubro. O TJ-MA tem 24 membros e apenas 17 se manifestaram oficialmente.

Na opinião dele, Marcelo Baldochi foi submetido à prévia investigação, iniciada com a fiscalização. "Ali [na fiscalização] foram levantadas irregularidades que, em tese, desembocariam na conduta do artigo 149 do Código Penal. O relatório do Ministério do Trabalho e Emprego detalha a situação dos empregados da Fazenda Pôr-do-Sol, inclusive com foto dos alojamentos, cozinha, locais destinados ao banho, comida [carne em varal] e água dos empregados", continua o desembargador.

Desembargador José Joaquim apresentou voto contra a absolvição sumária (Foto: TJ/MA)

Em seu voto de vista, José Joaquim r
elembra a conduta de Baldochi durante o processo. "O denunciado intervém em vários momentos antes da apresentação da denúncia em plenário, juntando documentos que em nada contribuíram para o processo, noticiando o arquivamento do processo administrativo instaurado contra ele".

O desembargador entrou em contato com a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), ligada do MTE, e soube que não houve arquivamento algum do processo administrativo. O que ocorreu foi um erro na fase de notificação do acusado.

O MPE/MA deve recorrer da decisão. A procuradora da Justiça Nilde Sandes, uma das responsáveis pela denúncia assinada pelo procurador-geral, se reuniu com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e representantes do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailândia (MA), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 20 de novembro, para tratar das próximas medidas que serão adotadas pelo órgão.

Fiscalização
Em consequência da libertação de 25 pessoas, incluindo um jovem de apenas 15 anos, em situação análoga a escravidão, ocorrida em 2007, o juiz estadual Marcelo Baldochi foi incluído, em dezembro de 2008, para a "lista suja" do trabalho escravo – relação de infratores que utilizaram mão-de-obra escrava mantido pelo governo federal. Em junho deste ano, porém, ele foi excluído do cadastro por causa do já citado problema na notificação durante o processo administrativo instaurado pelo MTE.

Marcelo Baldochi responde também à acusação de comandar pessoalmente uma ação truculenta de reintegração de posse de sua Fazenda Pôr-do-Sol, ocupada por trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em agosto deste ano. O magistrado também promoveu intervenções no caso de outro escravagista, Miguel de Souza Rezende. Segundo a promotora Raquel Chaves Duarte Sales, isso pode favorecer o outro réu.

A Repórter Brasil entrou em contato com Marcelo Baldochi para que ele se pronunciasse, mas não houve retorno até o fechamento da matéria. No início de setembro, o magistrado foi transferido de Pastos Bons (MA) para a Comarca de Senador La Roque (MA), município próximo a Imperatriz (MA). A justificativa apresentada pelo TJ para a remoção foi uma só: merecimento.

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