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Tráfico de pessoas atrai mais vítimas, frisa relatório dos EUA

No lançamento de relatório anual sobre o tema, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, declarou que o problema é mais grave hoje do que no passado. Em ranking de países, Brasil segue no grupo intermediário
Por Maurício Hashizume
 02/07/2011

A gravidade e o alcance do tráfico de pessoas em nível mundial foram reforçados esta semana pelo lançamento do mais recente panorama do governo dos EUA sobre o tema. Durante a apresentação do relatório anual Trafficking in Persons (TIP) 2011, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, repetiu a estimativa de que o problema corrói as vidas de cerca de 27 milhões de vítimas e admitiu que os próprios norte-americanos não investiram recursos e deram a visibilidade que a questão merece.

"Infelizmente, por causa das facilidades do transporte e da comunicação global que pode alcançar em profundidade os pequenos vilarejos com promessas e fotos de como pode ser uma vida melhor, nós hoje vemos que mais seres humanos são explorados que antes", declarou a secretária.

Desde 2001, o governo norte-americano divulga balanços anuais com avaliações da conduta dos países acerca da questão. De acordo com o ranking de 2011, o número de países incluídos no Grupo 3 – formado pelos que não têm tomado providências mínimas para erradicar o problema – subiu de 13, no ano passado, para 23, neste ano. Outras 41 nações foram classificadas pelos EUA na também preocupante "lista de observação" do Grupo 2, ou seja, cumprem parcialmente medidas contra o tráfico de pessoas, mas ficaram aquém dos que fizeram mais para garantir posição no Grupo 2.

Composto por países comprometidos com o combate ao crime segundo os critérios dos norte-americanos, o Grupo 1 também cresceu e agrega agora 32 países, incluindo os Estados Unidos, que começaram a se auto-avaliar apenas em 2010. O Brasil, por sua vez, segue no Grupo 2, junto com outros países como Japão, Romênia, Burkina Faso e Camboja.

Em 2006, o Brasil chegou a ser "rebaixado" para a "lista de observação" do Grupo 2, mas em 2007 foi alçado novamente ao Grupo 2. Desde então, o país permanece no patamar intermediário. Ao todo, 184 países foram analisados em 2011, mais do que o dobro do número inicial de 2001 (confira a lista completa de países e a classificação feita pelos EUA).

Para Luis de Baca, embaixador com a função específica dentro do Departamento de Estado de monitorar e combater o tráfico de pessoas, o relatório de 2011 visa marcar a transição da década de desenvolvimento (2001-2010) para o início da década do cumprimento (2011-2020).

"Precisamos medir nosso sucesso ou fracasso em termos de vítimas atendidas, traficantes punidos e abusos evitados. É hora de tratar o paradigma dos ´3Ps´ [prosecution/repressão, no sentido mais amplo de instauração de processos de responsabilização, inclusive criminal; protection/proteção e prevention/prevenção] não apenas como um dispositivo retórico: a repressão sozinha não libertará o mundo dessa chaga, mas precisa ser complementada pela proteção e pela prevenção. Todos os países – em todos os grupos de classificação – podem e devem fazer mais", sustentou Luis de Baca.

A despeito da defesa enfática do embaixador quanto aos desdobramentos benéficos no sentido de incentivo a melhorias, o relatório TIP vem recebendo críticas dentro e fora dos Estados Unidos. Artigo publicado em revista acadêmica norte-americana especializada contestou a real eficácia do sistema baseado na confecção e divulgação do ranking de países.

Em pronunciamento público, o senador democrata Jim Webb, da Virginia, pôs em xeque a metodologia de avaliação dos países e chegou a dizer que o relatório pode provocar "confusão e ressentimento" e colocar em perigo as boas relações com países asiáticos. O político comparou a estabilidade de Cingapura – que vem protestando repetidamente contra o relatório TIP, assim como o governo brasileiro protestou após o lançamento em 2008 – com os próprios EUA, onde se estima que haja 20 milhões de indivíduos em condições de ilegalidade, muitas delas vítimas de tráfico de pessoas.

Brasil
Segundo o relatório TIP 2011, homens, mulheres e crianças brasileiras continuam sendo submetidas ao tráfico de pessoas para fins de trabalho forçado e também de exploração sexual, dentro e fora do país.

Na avaliação dos EUA, o governo brasileiro tem feito esforços significativos, mas ainda não cumpre totalmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico de pessoas. O aumento do número de investigações e a condenação de sete policiais acusados de cumplicidade com esquemas de tráfico foram citados como passos positivos, assim como a parceria entre poder público e sociedade civil tanto em campanhas contra o tráfico para fins de exploração sexual quanto no isolamento econômico de empresas envolvidas em flagrantes de trabalho escravo. Foi ressaltada, no entanto, a persistência de falhas na punição, na proteção e na reinserção do conjunto de vítimas.

As recomendações dos norte-americanos ao Brasil passam por uma maior dedicação às investigações e consequentes responsabilizações jurídicas dos envolvidos em casos de tráfico de pessoas e pelo fortalecimento da interação entre mecanismos federais, estaduais e municipais dedicados ao combate e prevenção ao crime, bem como à proteção das vítimas. O treinamento de agentes públicos, o maior engajamento para ações voluntárias do setor privado e a aprovação de um 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, acompanhada de recursos específicos destinados para a sua aplicação, também fazem parte da lista de recomendações.

Quanto aos itens mais espe
cíficos sobre o trabalho escravo, o relatório frisa que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 – também conhecida como PEC do Trabalho Escravo -, que prevê o confisco de propriedade onde houver exploração de mão de obra escrava, permanece parada no Congresso Nacional "em função da oposição dos proprietários rurais".

Também são apresentados números sobre operações do grupo móvel de fiscalização e sobre processos judiciais relativos ao Art. 149 do Código Penal, que define o crime de reduzir alguém à condição análoga à escravidão. O documento constata que as punições muitas vezes se restringem à esfera civil por conta da falta de ação e articulação entre os diferentes órgãos. E cita ainda a ocorrência de "pressão política local" como ficou registrado nas ameaças de fazendeiros de Santa Catarina à inspeção trabalhista.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) negociado pela Advocacia-Geral da União (AGU) com uma "grande companhia" (Cosan) também mereceu referência no relatório norte-americano. O acordo, que ainda aguarda ratificação por parte da Justiça do Trabalho, tem como efeito prático a manutenção da companhia sucroalcooleira fora da "lista suja" do trabalho escravo, Mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a "lista suja" é o cadastro de empregadores envolvidos em flagrantes desse tipo de crime.

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