Pará

Fazendeiro admitiu ao MPT que explorava trabalho escravo e infantil

Procurador diz que escravidão de 52 pessoas foi assumida em acordo. Em entrevista anterior, proprietário chamara jovens resgatados de "oportunistas"
Por Daniel Santini
 09/02/2012

O fazendeiro Ronaldo de Araújo Costa, proprietário da fazenda em que 52 trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão em janeiro, incluindo quatro adolescentes, admitiu ao Ministério Público do Trabalho o crime. Em entrevista à Repórter Brasil nesta semana, ele havia negado a exploração e dito que muitos dos libertados eram "oportunistas" que se aproveitaram da presença da fiscalização de olho em verbas indenizatórias, incluindo os jovens. "Isso não corresponde de forma alguma à verdade. São afirmações levianas. Ele confessou, assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que essa questão é especificada", afirma o procurador José Carlos de Souza Azevedo, do Ministério Público do Trabalho, da Procuradoria Regional da 8ª Região.

Os dois adolescentes de 13 e 14 anos com o machado utilizado (imagem alterada para preservar a identidade dos jovens, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente) Fotos: Divulgação/MTE

A reportagem teve acesso ao TAC assinado, que especifica que "dos 56 trabalhadores identificados na Fazenda São Gabriel, 52 foram resgatados, porquanto verificadas sérias violações aos direitos humanos decorrentes do labor em condições análogas à de escravo, sendo certo que dentre os quais existiam 4 adolescentes trabalhando dos 8 menores encontrados nos limites da citada fazenda". Ronaldo, segundo a procuradoria, assinou sem ressalvas. 

A fiscalização aconteceu no município de Tailândia, no Pará. Dos quatro adolescentes resgatados, dois deles, de 13 e 14 anos, exerciam atividade de risco manuseando machados na extração e beneficiamento de madeira, trabalho que está entre as piores formas de exploração infantil, conforme a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e a legislação brasileira

Menina que vivia com a família
em um dos  barracões de lona

"Na ação, encontramos mais menores, só que apenas quatro estavam em situação de trabalho. Tivemos critério e cuidado na fiscalização", reforça José Carlos. "Encontramos, por exemplo, uma garotinha de cinco anos vivendo com a família em um dos abrigos de lona. É uma situação crítica, mas não é exploração de trabalho", reforça. 

Além do pagamento de indenizações aos trabalhadores por dano moral e individual por tê-los submetidos à escravidão, o fazendeiro também se comprometeu a pagar R$ 28.088 em móveis e aparelhos para a Secretaria Municipal de Saúde de Tailândia e mais R$ 100.000 a instituições indicadas pela procuradoria. Também estão previstas multas no caso de reincidência. 

Registro profissional
De acordo com a auditora fiscal Inês Almeida, do Ministério do Trabalho e Emprego, o administrador da fazenda, Hortêncio Pinhoto Costa, pai de Ronaldo, o proprietário, afirmou em depoimento que mais de 200 trabalhadores já haviam passado pela fazenda sem nunca terem tido a carteira assinada. 

"Tanto o valor desembolsado quando às multas são uma forma de inibir que isso volte a acontecer. Na fiscalização, o fazendeiro [Hortêncio, pai de Ronaldo] disse que nunca havia sido fiscalizado e chegou a dizer que estava lisonjeado ao ver a presença do estado. Ele se mantinha confiante na impunidade, o que explica um pouco a forma como os trabalhadores eram tratados", afirma o procurador José Carlos. "Ele tinha amplo conhecimento sobre o que estava fazendo."

"Nosso foco é forçar o empregador a cumprir a lei. São trabalhadores rurais sem perspectiva de deixarem de ser trabalhadores rurais. Precisamos propiciar ambientes saudáveis e decentes para que eles possam manter a dignidade. Ninguém pretende acabar com a atividade produtiva", conclui o procurador.

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