Trabalho escravo

Fraude em documentos escondia trabalho escravo no interior de São Paulo

Fiscalização em propriedade em Pirassununga (SP) libertou 26 trabalhadores em condições análogas à de escravidão. Eles foram aliciados em Minas Gerais e trabalhavam há cinco meses sem receber
Por Bianca Pyl*
 14/09/2012
Sem receber salários e impedidos de deixar a propriedade, um grupo de 26 trabalhadores, inclusive três adolescentes com menos de 18 anos, foi resgatado de condições análogas à escravidão em Pirassununga (SP), no Sítio São José. Eles aplicavam agrotóxicos e colhiam tomates na propriedade.
Os empregadores Shigueo Hayata e seus filhos André e Hélio Hayata fraudaram documentos trabalhistas, como exames médicos, recibos salariais e o registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos funcionários, de acordo com o procurador do Trabalho da 15ª Região, Nei Messias Vieira.
Os empregados estavam no sítio desde abril com suas famílias, sem receber salário. Somente o "cabeça da turma", espécie de gerente dos trabalhadores, era quem recebia um cheque mensal, no valor de R$ 1,3 mil, para comprar alimentos de um mercado que pertencia a Nelson de Souza, conhecido como “Nelson do Mercado” e candidato a vereador de Pirassununga pelo PP.

De acordo com o procurador do Trabalho, Nelson também é proprietário do sítio onde os trabalhadores foram resgatados. O local foi arrendado pela família Hayata. A Repórter Brasil checou no Tribunal Superior Eleitoral e o imóvel não consta na declaração de bens do candidato.

 Instalações para higienizar equipamentos usados na aplicação de agrotóxicos
eram inadequadas e ofereciam risco à saude dos trabalhadores (Fotos: MPT)

O resgate aconteceu no dia 5 de setembro, em uma fiscalização do Grupo Móvel Rural do Estado de São Paulo, composto por equipes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), motivada por uma denúncia à Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15). "Nós aproveitamos que já estavam previstas fiscalizações na cultura do tomate e apuramos a denúncia", diz o procurador do Trabalho.

Irregularidades trabalhistas já haviam sido descobertas em outras plantações da família Hayata. "Em Ribeirão Preto, ele [Shigueo] já havia assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)", informa Nei. Na mesma fiscalização, agentes encontraram irregularidades em outra propriedade sob responsabilidade de Hélio Hayata, em Conchal (SP): empregados da fazenda foram encontrados sem carteira assinada e sem equipamentos de proteção para a aplicação de herbicidas.
 
Falsificação de documentos
 
As Carteiras de Trabalho dos empregados estavam no Sindicato dos Produtores Rurais de Pirassununga, o que configura retenção de documentos, uma das características do trabalho em condições análogas à de escravidão previstas no art. 149 do Código Penal.
 
Os auditores fiscais e procuradores do Trabalho também encontraram recibos assinados no valor de um salário mínimo no Estado de São Paulo (R$ 690), apesar de, segundo o MPT, os trabalhadores não terem recebido nada.
 
Os contratos de trabalho estavam em nome do produtor André Hayata, filho de Shigueo; seu outro filho, Hélio Hayata, era o gestor da produção.
A fiscalização encontrou ainda rescisões de contrato de trabalho também irregulares, referentes a outro grupo de 15 trabalhadores que trabalhou para a família Hayata na plantação de tomate no Sítio Araúna, em Analândia (SP). "As rescisões estavam assinadas, porém não haviam sido pagas, conforme apuramos", explicou o procurador Nei Vieira.
 
Aliciamento e condições de trabalho
As famílias encontradas em situação análoga à de escravidão em Pirassununga foram aliciadas nos municípios mineiros de Taiobeiras e Salinas com promessas de bons salários. "O empregador iludia as vítimas, dizendo que receberiam no final da safra valores de até R$ 15 mil", afirma Nei. Seriam descontados do pagamento – que nunca chegou a vir – as despesas com a viagem de ida e os adiantamentos usados para comprar alimentos no mercado indicado pelo empregador. Sem salário, os trabalhadores ficavam sem condições de voltar às suas cidades.
 

Os empregados da colheita e suas famílias dormiam em um abrigo feito de material compensado, produzido com caixas recicladas de leite longa vida. Os quartos eram abertos. A fossa séptica ficava a seis metros da moradia, quando o espaçamento determinado pelas normas deve ser de, no mínimo, 30 metros. Havia vazamentos e a tampa da estrutura estava ruindo.

Fossa séptica ficava a poucos metros do alojamento e apresentava vazamentos 

Não havia na propriedade, ainda, local adequado para a lavagem dos equipamentos de proteção individual (EPIs) utilizados na aplicação do agrotóxico, o que aumenta os riscos de contaminação do meio ambiente e dos trabalhadores. As máscaras de proteção, que não podem ficar próximas ao uniforme com veneno, eram lavadas junto com o restante do equipamento.

Após a fiscalização, o Ministério Público do Trabalho celebrou um TAC com Hélio, André e Shigueo Hayata, que se responsabilizaram pelo pagamento de aproximadamente R$ 15 mil líquidos para cada trabalhador, sendo R$ 5 mil de indenização por danos morais e R$ 10 mil referentes às verbas rescisórias. Os empregados receberam também as guias para sacar o seguro-desemprego. Eles voltaram para Minas Gerais na última terça-feira (11), com as despesas pagas pelos empregadores.
 
Os trabalhadores que prestaram serviços em Analândia e não receberam o pagamento de verbas rescisórias, conforme apurado pelo MPT, também devem receber o pagamento de verbas rescisórias e indenização de no mínimo R$ 15 mil.
*Colaborou Guilherme Zocchio

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