Trabalho escravo

Diretor do grupo GEP alega ‘traição’ de fornecedores por caso de trabalho escravo

Versão de representante das marcas Cori, Emme, Lugi Bertolli e GAP do Brasil sobre flagrante de escravidão é alvo de questionamentos em audiência na Assembleia Legislativa de SP
Por Guilherme Zocchio
 17/04/2013

São Paulo (SP) – O diretor do grupo GEP, Nelson Volpato, voltou a culpar seus fornecedores pelo caso de trabalho escravo na produção das roupas que a empresa comercializa, em audiência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ocorrida nesta quarta-feira (17). A companhia detém as marcas Cori, Emme, Luigi Bertolli e representa a grife GAP no Brasil. “A empresa que contratamos nos traiu e não cumpriu aquilo que exigimos. Tenho certeza que jamais compactuamos com qualquer violação dos direitos humanos ou exploração indevida”, declarou, durante reunião da Comissão de Direitos Humanos da Alesp, sobre o flagrante de escravidão ocorrido em 19 de março. O posicionamento do empresário não convenceu o público e foi questionado pelos deputados e outras autoridades presentes.

“O senhor afirma que controla a qualidade das peças que os fornecedores produzem para sua empresa. Mas diz, por outro lado, que não sabia da existência de trabalho escravo. Isso parece absolutamente contraditório”, indagou ao diretor do grupo GEP o deputado responsável por convocar a audiência, Carlos Bezerra Jr. (PSDB), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. “Com qual versão eu devo ficar? Porque me parece que as duas se anulam”, completou.

Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou, em 19 de março, 28 imigrantes bolivianos costurando peças para o grupo GEP em condições análogas às de escravo, numa oficina têxtil clandestina na Zona Leste de São Paulo. As vítimas cumpriam jornadas exaustivas, acumulavam dívidas e estavam sujeitas a condições degradantes, por problemas de segurança e higiene no interior do estabelecimento. Na ocasião, a companhia manifestou que “a utilização de mão de obra irregular por contratado contraria a política de relacionamento com nossos fornecedores”.

Ao todo, 28 trabalhadores foram resgatados pela fiscalização
Ao todo, 28 trabalhadores foram resgatados pela fiscalização de 19 de março

“A empresa que contratamos traiu a gente e não cumpriu aquilo que exigimos. Também achamos que é um absurdo esse sistema de trabalho escravo”, declarou Nelson Volpato em resposta ao questionamento do deputado Carlos Bezerra Jr. O empresário se refere à Silobay, oficina com sede no bairro do Bom Retiro contratada para produzir para o grupo GEP e que foi enquadrada como intermediária do caso de trabalho escravo aferido pelos fiscais do MTE. “Ao alegar que desconhecem a situação, isso não os exime da responsabilidade. Porque quem fica com os lucros é a sua empresa. Seus argumentos não me convencem”, rebateu o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp.

Cadeia produtiva
O auditor-fiscal do Ministério do Trabalho presente na audiência, Renato Bignami, responsável por coordenar a fiscalização em que houve o flagrante de trabalho escravo em 19 de março, classificou como “estranho” o posicionamento da empresa. Segundo ele, a auditoria realizada pelo MTE na cadeia produtiva das marcas Cori, Emme e Luigi Bertolli verificou que a Silobay, há algum tempo, não contratava mais costureiros e repassava suas demandas para outras oficinas. “Quer dizer, o grupo GEP já contratou a Silobay sabendo que a intermediária não poderia arcar com a produção das roupas por si própria”, explicou.

Para o fiscal do MTE, não existem dúvidas sobre a responsabilidade da companhia. “A costuraria existia somente para externalizar os custos de produção da intermediária do grupo GEP”, lembrou. A oficina onde os imigrantes trabalhavam em condições análogas às de escravo não tinha capital de giro, muito menos propriedade das máquinas, que eram emprestadas pela Silobay, de acordo com o auditor. “Desse modo a confecção estava presa à cadeia produtiva das marcas Cori, Emme e Luigi Bertolli”, explica.

Renato Bignami também mostrou documentos que comprovam a monitoria da GEP sobre a cadeia produtiva das roupas que comercializa, como tabelas com o controle de qualidade dos produtos e pedidos de fornecimento de materiais. As provas foram coletadas no decorrer das investigações do MTE sobre a produção das roupas com trabalho escravo. Entre os papéis, a fiscalização encontrou até um recado informal, anotado em uma folha de caderno, de um funcionário do departamento comercial do grupo GEP para o dono da oficina onde foi flagrado o emprego de mão de obra escrava.

Falha

Audiência da Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Foto: Guilherme Zocchio)
Audiência da Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Foto: Guilherme Zocchio)

O deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, perguntou ao diretor do grupo GEP se já havia tomado conhecimento de casos de trabalho escravo no setor têxtil em São Paulo. Nelson Volpato disse, em resposta, que “já tinha ouvido falar desse tipo de trabalho escravo”. O empresário, por outro lado, minimizou a responsabilidade de sua companhia e admitiu publicamente que houve um erro no caso. “Nunca soube que nossos fornecedores trabalhavam com essas oficinas em que há trabalho escravo. Falhamos em nunca ter verificado desta vez”, declarou.

Outros questionamentos dos deputados da Alesp também levantaram a possibilidade da existência de outras oficinas com trabalho escravo na cadeia produtiva da empresa. “É um caso isolado”, se defendeu o representante do grupo GEP. O diretor disse que o caso não representa uma prática sistêmica na confecção dos produtos comercializados pelas marcas Cori, Emme e Luigi Bertolli. Ele também apresentou um histórico do processo de regularização da cadeia produtiva do grupo GEP, que diz ter começado em 2012. “Logo que tomamos notícia do caso contratamos uma auditoria internacional. Repassamos um rigoroso código de conduta da empresa a ser seguido por nossos fornecedores”, acrescentou.

“Não parece que simplesmente possa ser uma questão de dizer que não sabia sobre o caso de trabalho escravo na cadeia produtiva”, apontou a parlamentar Beth Sahão (PT), integrante da Comissão de Direitos Humanos. Para ela, soa estranho reduzir a questão simplesmente a uma “falha”. “Alguém que contrata uma mão de obra terceirizada tem de se responsabilizar sobre essas práticas. Parece cinismo dizer que não sabia de nada”, completou.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM