Trabalho escravo

Após flagrante em fornecedor, Lojas Americanas se comprometem a fiscalizar cadeia produtiva

Grupo firma TAC se comprometendo a tomar providências e a doar R$ 250 mil para fortalecer combate à escravidão. Costureiros resgatados produziam peças de marca da rede
Por Daniel Santini
 01/10/2013

Em 22 de janeiro de 2013, cinco trabalhadores foram resgatados da escravidão confeccionando peças da grife “Basic+Chic”, pertencente às Lojas Americanas. Na época, conforme noticiado pela Repórter Brasil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) passou a apurar a responsabilidade do grupo. Os trabalhadores resgatados, todos bolivianos, viviam e trabalhavam em condições degradantes em uma oficina de costura clandestina que atendia à empresa Hippychick, que, por sua vez, repassava a produção às Lojas Americanas.

Praticamente oito meses depois, em 25 de setembro, representantes das Americanas concordaram em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e tomar providências para evitar novos flagrantes de escravidão na produção das peças que comercializam (clique para ler o documento na íntegra). Apesar de negarem a responsabilidade direta pelo caso, eles se comprometeram, entre vários pontos, a fiscalizar as cadeias produtivas e fazer o recadastramento de todos os fornecedores de peças de vestuário. A multa prevista para cada descumprimento é de R$ 20 mil. O caso foi conduzido pelo procurador Guilherme Duarte da Conceição.

Trabalhadores produzindo peças para a Lojas Americanas. Foto: MPT/Divulgação
Costureiros produziam peças da marca Basic+Kids, grife infantil que pertence às Lojas Americanas. Fotos: MPT/Divulgação

Além de assumir os compromissos, a empresa concordou em doar R$ 250 mil para fortalecer o combate ao trabalho escravo no país. O valor corresponde a 0,06% do lucro líquido em 2012, que foi de R$ 410,2 milhões. Em 2011, o lucro líquido foi de R$ 340,4 milhões. Ou seja, de 2011 para 2012 houve um aumento de 20,5% de ganhos. O grupo tem crescimento acelerado desde 2006, quando a fusão do Americanas.com com o site de vendas Submarino resultou na criação da B2w, uma nova frente especializada em vendas virtuais. As informações são baseadas em balanços financeiros divulgados pela empresa.

Trabalhadores produzindo peças para a Lojas Americanas. Foto: MPT/Divulgação
No local em que trabalhavam os cinco bolivianos resgatados viviam também quatro crianças, sendo uma delas recém-nascida

Procurada na manhã desta terça-feira (1), a assessoria de imprensa da empresa informou que não comentaria a assinatura do TAC. No começo do ano, quando o flagrante de escravidão aconteceu, a rede negou por meio de nota a responsabilidade sobre a situação e disse que qualquer tipo de trabalho realizado em condições degradantes é repudiado pelo grupo.

Nas discussões com o MPT, a estratégia dos advogados das Americanas foi ressaltar que no caso em questão não havia uma relação direta entre a empresa e a oficina clandestina. Também contou o fato de a produção não ser exclusiva e de a Hippychick possuir o selo ABVTEX quando o flagrante aconteceu – a intermediária acabou descredenciada. As Americanas defenderam que o selo poderia ser entendido como uma garantia de responsabilidade social por parte da Hippychick, que não foi cumprida.

Além disso, duas decisões judiciais anteriores enfraqueceram a possibilidade de responsabilização direta pela situação. Em dois processos trabalhistas diferentes referentes ao caso em questão, o juiz do Trabalho Pablo Souza Rocha defendeu que as Americanas não poderiam ser responsabilizadas por violações cometidas.

“Nesses casos, dada a natureza de relação comercial, não há terceirização e, por isso, não incide a responsabilidade subsidiária da Súmula 331 do C. TST. Convence-me (…) a declaração da reclamante de que não via prepostos das Lojas Americanas frequentarem a 1ª reclamada, tampouco recebia ordens diretas de preposto das Lojas Americanas. Desse modo, julgo improcedente os pedidos formulados contra as Lojas Americanas”, escreveu o juiz.

Leia as sentenças completas: 1 e 2.

O flagrante
A oficina clandestina em que os trabalhadores foram resgatados funcionava nos fundos de uma casa em Americana, no interior de São Paulo. Por cada peça produzida, os trabalhadores recebiam R$ 2,80 da Hippychick, cuja sede fica na cidade vizinha Santa Bárbara d´Oeste. Nenhum funcionário tinha registro em carteira e a jornada de trabalho era de 12 horas diárias. No momento em que a fiscalização foi realizada, foram encontradas quatro crianças – sendo uma delas recém-nascida – dividindo o espaço com os pais. As duas casas em que os trabalhadores moravam estavam com a estrutura comprometida e apresentavam precárias condições de higiene.

Trabalhadores produzindo peças para a Lojas Americanas. Foto: MPT/Divulgação
Trabalhadores produzindo peças para a Lojas Americanas na oficina clandestina

O proprietário mantinha parentes trabalhando sob condições notadamente insalubres. O calor era intenso, por causa das telhas de amianto, o pé direito baixo e as laterais fechadas – o que impedia a circulação de ar. As pilhas de tecido espalhadas pelo espaço, além de dificultarem a circulação dos trabalhadores, aumentavam o risco de incêndio, por estarem próximas a “gambiarras” elétricas – o local não possuía extintores e saídas de emergência.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), também presente, efetuou o resgate de cinco trabalhadores, enquadrando a situação como de trabalho análogo à escravidão, nos moldes do artigo 149 do Código Penal, situação na qual os resgatados têm direito ao seguro-desemprego.

Trabalhadores produzindo peças para a Lojas Americanas. Foto: MPT/Divulgação
Trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes

Segundo o MPT, a HippyChick assumiu na ocasião a contratação de bolivianos para costurar as peças que seriam fornecidas à Lojas Americanas e seus representantes assinaram um TAC se comprometendo a indenizar os bolivianos pelos danos causados, em um valor individual de R$ 5 mil por trabalhador. Também assumiram o compromisso de não intermediar a mão de obra para outras empresas e não realizar atividades empresariais que não possuam condições de meio ambiente e segurança do trabalho dignas.

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