MPF apresenta dados do combate ao trabalho escravo no Brasil

Órgão intensificou sua atuação nos últimos anos
 28/01/2014

Nos últimos anos, o Ministério Público Federal tem intensificado os esforços para garantir maior eficiência na punição do trabalho escravo. Desde 2010, os procedimentos extrajudiciais instaurados aumentaram mais de 800%. Já as ações penais autuadas quase dobraram. Ambos relativos ao crime tipificado no artigo 149 do Código Penal, que é a redução da pessoa a condição análoga à de escravo. É possível notar esse aumento por meio dos dados apresentados em nota técnica produzida pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Nesta semana, em São Mateus (ES), o Ministério Público Federal denunciou sete pessoas do Grupo Infinity Bio-Energy por terem submetido 1.551 trabalhadores a condição análoga à de escravidão em suas propriedades, localizadas nos municípios de Pedro Canário e Conceição da Barra, no norte do Estado. Os empregados estavam sujeitos a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho.

O fato foi descoberto em maio de 2009, durante inspeções realizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) nas empresas que compõem o Grupo Infinity Bio-Energy: Cristal Destilaria Autônoma de Álcool S/A (Cridasa) e Infinity Agrícola S/A (Iasa), de Pedro Canário; e Destilarias Itaúnas S/A (Disa) e Infinity Itaúnas Agrícola S/A (Infisa), de Conceição da Barra. As inspeções eram parte das operações do Programa Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas no Setor Sucroalcooleiro no Espírito Santo.

Em 2012 e 2013, dois casos importantes sobre fazendeiros do Pará acusados do crime de redução a condição análoga à de escravo tiveram atuação da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, órgão do Ministério Público Federal. No primeiro, o réu Wilson Ferreira da Rocha foi condenado pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em decisão que reformou a sentença da Justiça Federal, que o havia absolvido. O acórdão abriu um precedente para casos semelhantes que tramitam na Justiça Federal, já que o Tribunal aplicou a Lei 10.803/03 – que exemplifica as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo – a uma conduta praticada antes da sua entrada em vigor. Atualmente, o réu tenta modificar a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Outro processo importante está no TRF1 desde dezembro de 2009 e ainda não foi julgado, apesar de o MPF ter protocolado em julho de 2013 pedido de urgência no julgamento. Nele, o vice-prefeito de Moju (PA), Altino Coelho Miranda, vulgo Dedeco, responde pelo crime de redução a condição análoga à de escravo. Coelho foi condenado a nove anos de prisão em regime fechado, pela Justiça Federal, mas recorreu ao TRF1. Ele também foi incluído, no final de junho de 2013, na “lista suja*” do trabalho escravo após ser flagrado, pela segunda vez, explorando escravos para a produção de dendê, maior aposta do programa nacional de biodiesel na Amazônia. Em decorrência dessa inclusão, o MPF requereu o julgamento imediato do processo, tendo em vista que os fatos apurados na última fiscalização evidenciam a continuidade da exploração de trabalho escravo por parte do réu. A última movimentação do processo no Tribunal foi em julho de 2013.

Ainda no Pará, em 2013, um dos casos mais polêmicos envolvendo o tema chegou às manchetes logo no início do ano, com a divulgação de denúncias de submissão de mulheres – incluindo uma menor de idade – a trabalho escravo e exploração sexual na região das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, entre Altamira e Vitória do Xingu, na região central do Estado. Em março, o Ministério Público Federal denunciou seis pessoas ligadas ao fato que ficou conhecido como caso da Boate Xingu. Além do crime de submissão a trabalho em condições semelhantes às de escravos, o grupo foi denunciado pelos crimes de tráfico de pessoas, exploração sexual, corrupção de menor e formação de quadrilha. Os acusados foram identificados pelas vítimas, libertadas da boate em fevereiro, depois de operação da Polícia Civil do Pará. As nove vítimas só foram libertadas após a fuga de uma menor de idade que também foi traficada do sul do país e era impedida de sair da Boate Xingu. A boate ficava nas proximidades dos canteiros de obras de Belo Monte. O MPF instaurou investigação separada para apurar a denúncia de que a exploração sexual ocorria dentro da área declarada de utilidade pública pelo governo federal para a construção da usina hidrelétrica.

No Rio de Janeiro, a Procuradoria Regional da 2ª Região (PRR2) defendeu no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) a ampliação da pena de um casal que submeteu em seu sítio, em Macaé (RJ), um trabalhador de 76 anos a condições análogas à de escravidão. Por cerca de 20 anos, a vítima fazia trabalhos forçados em circunstâncias degradantes, sem condições mínimas de higiene, saúde e alimentação. O idoso apresentava também problemas de saúde, como uma hérnia avançada, e o casal nunca o levou ao atendimento médico nem devolveu seus documentos para uma consulta no Programa de Saúde da Família. Algumas tentativas de fuga do sítio foram frustadas pela ré.

Outro caso da PRR2 foi o recurso especial proposto no STJ contra a absolvição parcial de três réus que aliciaram pessoas do sertão da Paraíba para trabalharem em condições precárias no Rio de Janeiro. Atraídos por empréstimos oferecidos pelos réus, as vítimas ficavam em alojamentos precários e eram submetidas a jornadas exaustivas de trabalho vendendo redes. As pequenas comissões recebidas eram revertidas para o pagamento das dívidas. Para a PRR2, a existência de dívida com o empregador e a obrigação, ao menos moral, de quitá-la antes de retornar ao Estado de origem já configura crime de redução análoga à de escravo.

No oeste da Bahia, o MPF intensificou o combate ao trabalho escravo e denunciou 85 pessoas em menos de um ano. As 27 ações penais ajuizadas de julho de 2012 a abril de 2013 relatam flagrantes de trabalhadores em condições degradantes pelos órgãos fiscalizadores e investigativos, incluindo menores de idade. De acordo com o procurador da República José Ricardo Teixeira Alves, as denúncias se baseiam em investigações conduzidas pelo MPF, pela Polícia Federal em Barreiras (BA) e pelo resultado de fiscalizações dos auditores da Delegacia do Trabalho em Barreiras e do Grupo Móvel de Erradicação do Trabalho Escravo (Ministério do Trabalho e Emprego), acompanhados por integrantes do Ministério Público do Trabalho e das polícias Rodoviária Federal e Federal.

Entre as atividades exercidas pelos trabalhadores explorados estão carvoaria, extração de madeira, plantação de milho, serraria, catação de raízes, colheita de capim, tarefas ligadas à pecuária, desmate de terra virgem para plantio, aplicação de agrotóxicos e preparo de solo. Muitos destes trabalhadores eram aliciados em outras regiões e estados do país e transportados até o destino com a falsa promessa de trabalho e remuneração dignos. Ao chegar ao local de trabalho, eram sujeitos a condições degradantes de trabalho e até impedidos de ir embora, presos ao sistema de servidão.

A escravidão contemporânea no Brasil – No Brasil, o trabalho escravo é mais comum em áreas rurais, carvoarias, confecção de roupas, construção civil e para fins de exploração sexual. Conforme dados compilados em nota técnica da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, os estados onde há o maior foco da prática do crime previsto no artigo 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo) são: Pará, com 295 investigações em andamento, Minas Gerais, com 174 investigações, Mato Grosso, com 135 casos, e São Paulo, com 125. Em todo o Brasil, são 2.232 investigações em andamento referentes aos crimes relacionados à prática de trabalho escravo, ou seja, que abrangem os crimes previstos nos artigos 149, 203 e 207 do Código Penal (dados de dezembro de 2013).

Em São Paulo, se verifica a prática dos principais casos de frustração de direitos assegurados por lei trabalhista (crime previsto no art. 203 do Código Penal), principalmente em função da imigração ilegal. No estado, há predominância de latino-americanos, sobretudo de bolivianos, e, mais recentemente, de asiáticos, que trabalham sem folga e com baixíssimos salários em oficinas de costura, carvoarias, construções civis e na agricultura (corte de cana-de-açúcar).

Em 2013, dos 240 procedimentos extrajudiciais instaurados em todo o Brasil relacionados à frustração de direitos trabalhistas, 106 foram em São Paulo. E, num total de 179 inquéritos policiais instaurados, 61 casos foram em SP e 33 no Rio de Janeiro.

Se restringirmos a análise ao crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal), o Pará é o estado onde houve o maior número de procedimentos extrajudiciais. Dos 702 instaurados em 2013, 121 foram no Pará, deixando SP na segunda posição, com 72 casos.

* “Lista suja” é como é popularmente conhecido o Cadastro de Empregadores mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que relaciona pessoas físicas e jurídicas que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

Texto originalmente publicado no site do Ministério Público Federal – Procuradoria Geral da República.

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