São Paulo

Em São Paulo, CPI do Trabalho Escravo cria canal para receber denúncias

Instaurada na semana passada, CPI estadual pretende investigar violações de direitos humanos. Denúncias de escravidão podem ser encaminhadas por e-mail
Por Daniel Santini
 24/04/2014
Luiz Fabre, procurador do Ministério Público do Trabalho; Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil; Carlos Bezerra Jr. (PSDB), deputado federal presidente da CPI; e Renato Bignami, auditor fiscal e coordenador estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo, durante sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo. Fotos: Divulgação
Luiz Fabre, procurador do MPT; Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil; Carlos Bezerra Jr. (PSDB), deputado estadual presidente da CPI; e Renato Bignami, auditor fiscal e coordenador estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego. Fotos: Divulgação

A Comissão Parlamentar de Inquérito aberta na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para investigar escravidão contemporânea criou um canal para envio de denúncias de violações ocorridas em São Paulo. Os casos devem ser enviados por e-mail para o endereço [email protected].

A CPI foi instaurada na semana passada, a pedido do deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), que foi eleito seu presidente. A relatoria ficou com a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), e a vice-presidência com o deputado estadual Carlos Cezar (PSB). “Nosso trabalho será divido em três fases: diagnóstico, investigação e intervenção. Agora, estamos ouvindo especialistas e autoridades envolvidas com o tema. Buscamos uma noção precisa sobre o problema em São Paulo. Depois, passaremos às diligências e convocações. Por fim, virá a etapa de intervenção, com o relatório e seus desdobramentos legais”, explica Bezerra, que no ano passado convocou representantes dos grupos GEP (dono das marcas Cori, Emme, Lugi Bertolli e GAP do Brasil), e Restoque (Le lis Blanc e Bourgeis Bohême – Bo.Bô) para prestar esclarecimentos à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

As duas empresas foram responsabilizadas por flagrantes de escravidão de 56 pessoas (28 em cada), em inspeções realizadas em março e junho, respectivamente. Publicamente, ambas assumiram o compromisso de tomar medidas imediatas e contribuir para que tais violações sejam erradicadas. Nem sempre, porém, as companhias colaboram com as autoridades e por vezes os próprios mecanismos de combate à escravidão são questionados. Em 2012, por exemplo, o grupo Inditex (da marca Zara), um dos maiores do setor têxtil no mundo, não só criticou a fiscalização que resultou no resgate de 15 trabalhadores costurando peças da marca um ano antes, como também questionou a própria existência do cadastro oficial de empregadores flagrados, a chamada “lista suja”, posicionamento extremo que levou a empresa a ser suspensa do acordo empresarial contra a escravidão, o Pacto Nacional pela Erradicação do TrabalhoEscravo. Há duas semanas, a Zara foi considerada pela Justiça responsável pela situação; e seus representantes anunciaram que a empresa irá recorrer da sentença.

Oficina em funcionamento na hora em que a fiscalização chegou ao local. Fotos: Sabrina Duran
Oficina em que 14 costureiros foram resgatados em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Foto: Sabrina Duran

A crítica aos mecanismos de combate ao trabalho escravo no Brasil encontra espaço inclusive no Congresso Nacional, onde representantes da Frente Parlamentar de Agropecuária, a Bancada Ruralista, pressionam para que o próprio conceito de escravidão contemporânea seja descaracterizado. O presidente da CPI estadual do Trabalho Escravo afirma que a comissão está pronta para enfrentar opositores. “Sabemos das pressões que estão por vir. O que queremos é enfrentar de fato essa violação”, diz. A CPI tem duração inicialmente prevista de 120 dias, podendo ser prorrogada em mais 60 dias se necessário for.

Panorama nacional
No Congresso Nacional, a CPI do Trabalho Escravo aberta na Câmara dos Deputados terminou no ano passado sem a aprovação de um relatório final. Em entrevista à Repórter Brasil na ocasião, seu presidente, o deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), lamentou a resistência que encontrou entre seus colegas e denunciou “uma forte ofensiva de setores obscurantistas no Congresso Nacional contra direitos que já achávamos consolidados”. Puty lamentou as dificuldades encontradas durante os trabalhos.”Apesar de não termos votado o relatório, vamos apresentar um relatório conjunto dos deputados que concordam que a pauta da CPI deveria ter sido ‘os avanços na fiscalização e na erradicação do trabalho escravo’, e não o ‘combate à fiscalização’. Então, nós, eu, o relator [deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP)] e outros deputados do PT e do Psol, vamos elaborar um relatório conjunto, apresentando propostas como parlamentares individuais”, afirmou.

Em São Paulo, a conjuntura tem sido mais favorável a matérias legislativas relacionadas ao aprimoramento do combate à escravidão. O Estado foi o primeiro a aprovar lei que prevê o fechamento de empresas que utilizem trabalho em condições análogas à escravidão. A lei, proposta pelo deputado Bezerra, o presidente da nova CPI estadual, foi sancionada em 28 de janeiro de 2013 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e prevê a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estabelecimentos comerciais envolvidos na prática desse crime – seja diretamente ou no processo de produção, como nos casos de terceirização ilegal, por exemplo. Além disso, os autuados ficam impedidos por dez anos de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova firma no setor.

O projeto inspirou iniciativas semelhantes em outros estados.

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Reportagem produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo

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