Eleições 2014

Como debater com Marina Silva

Engana-se quem acha que as questões ambientais não se relacionam com a política econômica. Marina terá um grande desafio de sustentar suas posições
Por Cristiana Losekann*
 25/08/2014

A recente reviravolta no cenário eleitoral reacendeu o debate sobre a características peculiares da candidata Marina Silva, sobretudo, tendo em vista o seu potencial de conquistar votos. Mas, quais seriam essas características peculiares no comparativo aos outros dois candidatos?

A presença de Marina Silva como uma concorrente de peso nessas eleições é importante por colocar em evidência este tema e por obrigar os outros candidatos a responder a essas questões. Mas, ela própria terá um grande desafio de sustentar suas posições e responder com maior clareza qual o seu projeto de política ambiental em um contexto de economia capitalista. Foto: Divulgação/Campanha
A presença de Marina Silva como uma concorrente de peso nessas eleições é importante por colocar em evidência a questão ambiental. Mas, ela própria terá que responder com maior clareza qual o seu projeto de política ambiental em um contexto de economia capitalista. Foto: Divulgação/Campanha

Marina não se coloca como candidata por um dos dois partidos que rivalizam as competições majoritárias presidenciais nas últimas décadas. Não é do PSDB e se desligou do PT em um processo de crítica fortemente direcionado à linha que domina este partido desde meados do segundo mandato do governo Lula até hoje.

Além disso, Marina Silva coloca-se como uma candidata com propostas políticas com ênfases específicas relativas às questões ambientais, em uma perspectiva colocada como o “desenvolvimento sustentável”. Outra especificidade levantada pelos seus opositores é o fato de ser evangélica, da Assembleia de Deus. Mas ao contrário do que seus adversários tentam sustentar, a relevância política deste fato está apenas na possibilidade de que esta característica lhe confira uma parcela significativa de votos do público evangélico.

A discussão que gostaria de levantar não é
esta que considero uma
retórica ilusionista cujo objetivo é retirar a atenção das questões que podem de fato provocar questionamentos às propostas políticas dos três candidatos. Quero discutir aqui sobre o que esperar de Marina do ponto de vista de sua trajetória de militante ambientalista

Evidentemente a posição particular de um candidato, concernente à religião, não tem implicação automática nas suas decisões enquanto representante eleito. Se a posição de liderança política correspondesse exatamente à posição religiosa ou moral pessoal, certamente a Presidenta Dilma teria se colocado de forma mais enfática junto às bandeiras dos grupos LGBT e não teria se alinhado aos setores evangélicos em disputas importantes como aquela que resultou no recolhimento do material educativo que incluía a homossexualidade como algo comum e legítimo em seu conteúdo.

A discussão que gostaria de levantar não é esta que considero uma retórica ilusionista cujo objetivo é retirar a atenção das questões que podem de fato provocar questionamentos às propostas políticas dos três candidatos. Quero discutir aqui sobre o que esperar de Marina do ponto de vista de sua trajetória de militante ambientalista e de suas recentes posições.

Proponho quatro questões para reflexão:

 

1 – Sobre quais aspectos precisamos questionar Marina?

Sobre a valorização da participação: Marina Silva sempre se colocou comprometida com a participação da sociedade civil. Durante a sua gestão foram realizadas as primeiras Conferências de Meio Ambiente e diversos novos espaços de participação foram criados. Sua proximidade com as mais diversas correntes do ambientalismo e a trajetória ligada aos movimentos socioambientais e aos povos da Amazônia coloca a candidata em uma relação bastante forte com a sociedade civil. Além disso, parte importante da Rede Sustentabilidade vem de organizações ambientalistas importantes e tradicionalmente empenhadas na participação política.

As possibilidades e os limites:  Para fazer uma efetiva diferença na questão da participação, ela teria que enfrentar questões difíceis como a introdução de mecanismos de participação no licenciamento ambiental, a adequação dos formatos de processos participativos para grupos culturalmente diferenciados e a introdução de outros fundamentos de legitimação da decisão que não aqueles estritamente técnicos. Teria também o desafio de cumprir da Convenção 169 da OIT a qual o Brasil é signatário, que determina a consulta prévia às comunidades impactadas por grandes empreendimentos. Outros dois grandes aspectos se colocam como ainda mais desafiadores para qualquer dos candidatos: a abertura para um debate mais amplo e participativo sobre o modelo econômico e sobre as políticas de ciência e tecnologia – ambos estão sob o domínio absoluto de ruralistas e empresários.

 

2 – Como tornar a política ambiental participativa e com efetividade?

Sobre o modelo de desenvolvimento: Durante sua passagem pelo MMA Marina manteve uma posição bastante crítica às diversas iniciativas ligadas ao modelo de desenvolvimento econômico do governo. Amargou grandes derrotas como a liberação dos transgênicos, as hidrelétricas na Amazônia, o avanço do agronegócio. Hoje, a candidata mantém um discurso crítico às atividades impactantes, mas, buscou flexibilizar suas posições, sugerindo que há a possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com uma ideia de sustentabilidade (sem deixar claro o significado desta).

As possibilidades e os limites: Se tomarmos o engajamento histórico de Marina e o fato de ela ter saído do governo Lula por inconformidades com a atual política econômica que se reflete nas alianças, sobretudo, com a bancada ruralista, é de se esperar que ela de fato estabeleça um freio no modelo de desenvolvimento baseado no extrativismo e na criação de grandes projetos, como grandes hidrelétricas, complexos de mineração, portos etc. Por outro lado, como sua proposta permanece inserida na lógica do sistema capitalista é provável que haja apenas um arrefecimento nessas iniciativas, num sentido mais próximo ao do primeiro governo de Lula, porém sem conseguir enfrentar radicalmente questões relativas às desigualdades socioambientais.

 

3 – Qual o sentido da “sustentabilidade” e o que exatamente será mudado no modelo econômico atual?

Sobre a política ambiental: Para quem não está muito ligado ao ambientalismo é preciso avisar que existem diversas concepções sobre o “meio ambiente”. As políticas ambientais podem ter um caráter mais conservacionista que enfatiza a proteção do meio ambiente e o toma como um valor em si mesmo; ou podem ter um caráter mais social e político, como enfatiza a perspectiva da “justiça ambiental”**, que aborda a relação do ambiente com os seres vivos, denunciando que esta relação é determinada pelas desigualdades sociais, econômicas e culturais; ou seja, impactos ambientais são desigualmente distribuídos na sociedade.

As possibilidades e os limites: Marina é uma socioambientalista historicamente comprometida com os povos da Amazônia e as lutas de Chico Mendes que construíram uma base para o ambientalismo brasileiro, relacionando-o as camadas mais pobres, aos indígenas e diversos grupos sociais subalternalizados. Mas, enquanto candidata ela precisa explicitar sua posição em relação à regularização fundiária dos povos indígenas, quilombolas, pescadores etc. Entretanto, sem o avanço nos aspectos que mencionei acima, será muito difícil acreditar que ela possa sustentar uma posição socioambiental semelhante a que sustentava antes. Neste caso corre-se o risco de que a tarefa da “sustentabilidade” recaia justamente sobre as populações que mais sofrem com os efeitos do desenvolvimento econômico através do modelo de grandes projetos como os que estão em curso. É isto que estamos observando hoje quando diversos grupos sociais que têm suas vidas afetadas dramaticamente pela criação tanto de hidrelétricas, minerodutos, portos etc., quanto de unidades de conservação e outras políticas de compensação ambiental**.

 

4 – Qual política ambiental? Qual o compromisso efetivo com a eliminação das desigualdades ambientais?

Sobre participação, economia e meio Ambiente: Engana-se quem acha que as questões ambientais não se relacionam profundamente com a política econômica, com a democracia e com as desigualdades sociais e culturais das nossas sociedades. Ao enfrentar o desafio de incluir a agenda ambiental no centro das discussões políticas mais urgentes percebe-se que as mudanças nesse sentido estão imbricadas com todo o desenho de mundo que elaboramos, em suas dimensões econômicas, sociais e culturais. Por isso, talvez esta seja a agenda com o maior potencial de provocar mudanças estruturais nas nossas sociedades. Mas, evocar as palavras não implica no comprometimento efetivo com seus sentidos. A presença de Marina Silva como uma concorrente de peso nessas eleições é importante por colocar em evidência este tema e por obrigar os outros candidatos a responder a essas questões. Mas, ela própria terá um grande desafio de sustentar suas posições e responder com maior clareza qual o seu projeto de política ambiental em um contexto de economia capitalista.

 

* Cristiana Losekann é professora de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisou os anos em que Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente, como parte de sua tese de doutorado sobre o ambientalismo no governo Lula. 


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** Para saber mais sobre a perspectiva da “justiça ambiental” e para uma crítica às políticas de compensação ambiental, a autora recomenda as respectivas leituras: ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Estud. av.,  São Paulo,  v. 24,  n. 68,   2010 e ACSELRAD, Henri. Descaminhos do ‘ambientalismo consensualista’. Observatorio Social de América Latina, v. XIII, p. 39-49, 2012


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