Passou pela “lista suja” da escravidão e fez “lista suja” de empregados

Raízen Energia fez lista para evitar contratar empregados que fazem reclamações trabalhistas. Mulheres e pessoas acima de 45 anos também foram discriminadas. Empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 3 milhões.
 01/09/2015

A Justiça do Trabalho da 15a região condenou a Raízen Energia por manter uma “lista suja” de empregados que faziam reclamações trabalhistas contra a empresa, faltavam no serviço (de forma justificada ou não) e apresentavam baixa produtividade. A lista, que teria cerca de 5 mil nomes, seria enviada aos “gatos” (contratadores de mão de obra), responsáveis pela seleção para as lavouras de cana. Também haveria discriminação de mulheres e de pessoas com mais de 45 anos.

Além de se abster de ações discriminatórias nas contratações, a empresa foi condenada a pagar uma indenização R$ 3 milhões ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Na sentença (processo 0010539-23.2014.5.15.0024), proferida pelo juiz José Roberto Thomazi, a Raízen nega a existência da “lista suja”. À decisão cabe recurso.

Ironicamente, a Cosan – que depois se juntou à Shell Brasil, formando a Raízen para operações do setor sucroalcooleiro – bateu na porta do Palácio do Planalto e conseguiu um acordo com o governo federal, em 2011, para ver seu nome retirado do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, a chamada “lista suja” do trabalho escravo. Ou seja, foi inserida em uma “lista suja” e depois excluída no “tapetão”.

Esse cadastro do governo federal serve como base de transparência e é usado pela sociedade e por empresas e bancos para o gerenciamento de riscos e ações de responsabilidade social. Desde dezembro, ele está suspenso por uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal à associação das incorporadoras imobiliárias.

A prática de organizar “listas sujas” de empregados não é novidade e tem sido verificada em setores como o petroquímico, o automobilístico e o de mídia e comunicações.

A lista suja dos trabalhadores – A defesa da empresa, presente na sentença, afirmou que “todo e qualquer processo seletivo, seja na administração pública ou privada, possui elementos classificatórios, ou seja, há certos critérios que devem ser entendidos como a distinção e escolha de um perfil que mais seja adequado a vaga, sem que tal discernimento seja confundido com o ato discriminatório”. E que “a discriminação vedada por lei é aquela decorrente da condição da pessoa e não da conduta da pessoa”.

Contudo José Cardoso, preposto da empresa, que atuava na seleção de mão de obra, confessou que “havia uma relação de pessoas que não deveriam ser contratadas” por terem ajuizado ações trabalhistas, por exemplo. O juiz ressalta que outros depoimentos confirmaram também que havia discriminação contra a contratação de mulheres e de pessoas com mais de 45 anos.

“A atitude da reclamada – na confecção da ‘lista suja’ – constitui a pratica de se ‘fazer justiça com as próprias mãos’, proibida legalmente, a partir do momento que o Estado chamou a si o direito de punir. E o que é pior: com requintes de crueldade”, afirmou o juiz. “O condenado em processo crime sabe que após cumprir a pena imposta pelo Estado, ele retornará à sociedade e continuará normalmente sua vida, pois ele já pagou seu débito com a sociedade. Já o trabalhador citado em ‘lista suja’, cumpre sua pena ‘em liberdade’, pois as chances de retornar ao mercado de trabalho são mínimas.”

Em nota divulgada pelo Ministério Público do Trabalho, o procurador Marcus Vinícius Gonçalves, responsável pela ação civil pública, afirmou que “a prática instaura uma política de terror e opressão sobre o trabalhador, que tem somente sua força física para oferecer como moeda de troca no mercado de trabalho”. A decisão foi tomada no final de julho, mas foi divulgada agora pelo MPT.

A lista suja do trabalho escravo – Em 2011, um acordo fez com que o governo federal desistisse de tentasse reincluir a Cosan, maior produtora de açúcar e álcool, à “lista suja” do trabalho escravo depois da empresa conseguir uma liminar para que seu nome fosse retirado. É praxe da Advocacia Geral da União entrar na Justiça para devolver os nomes dos flagrados com trabalho escravo que saíram, por decisão judicial, antes dos dois anos previstos no cadastro.

O acordo foi concebido durante o governo Lula a pedido do próprio Palácio do Planalto. Segundo apurou este blog na época, pegava mal para a Presidência da República, que se empenhara em organizar o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, visando promover a imagem do etanol dentro e fora do país com a justificativa de que melhoraria as condições dos trabalhadores, ter a maior empresa nacional do setor em uma lista de escravagistas.

Toda empresa tem o direito de entrar na Justiça caso se sinta prejudicada em uma fiscalização. Cabe ao Poder Judiciário decidir e ao governo federal defender suas ações. O problema é quando o Poder Executivo deixa de exercer o papel a que está incumbido, de cumprir as regras, abrindo mão de seus instrumentos de controle, como foi nesse caso.

 

Conteúdo publicado originalmente no Blog do Sakamoto

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