‘É preciso compreender o lado deles’

 08/06/2006

D. Tomás Balduíno, conselheiro da Comissão Pastoral da Terra: Para o bispo, Congresso é hipócrita e parlamentares não têm autoridade moral para condenar sem-terra que invadiram a Câmara

Roldão Arruda

Na opinião do principal e mais conhecido conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o bispo católico d. Tomás Balduíno, o Congresso não tem autoridade moral para condenar os sem-terra que invadiram a Câmara dos Deputados. Para ele, os integrantes do MLST agiram de forma desesperada, porque suas reivindicações não são atendidas e a reforma não anda. O conselheiro da CPT, entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), compara os congressistas aos fariseus que Jesus condenou por hipocrisia. Na entrevista abaixo, também recorre à Bíblia para enfatizar que os deputados não são dignos dos cargos para os quais foram eleitos. "Esse é um Congresso hipócrita e sem autoridade moral."

Como o senhor viu a ação dos sem-terra no Congresso e a reação de repúdio de diferentes setores da sociedade?

Acho que é preciso analisar e compreender também o lado dos trabalhadores rurais, que não são pessoas voltadas para a violência, nem para a bandidagem, embora a imprensa se esforce, iniquamente, para apresentá-los dessa maneira.

Mas agiram de forma violenta.

Ninguém é a favor da violência. Estou dizendo que é preciso deixar de ser hipócrita, de se ater às pequenas coisas e ignorar as grandes, de coar mosquito e engolir camelo, como disse Jesus diante da hipocrisia dos fariseus.

O senhor está se referindo aos congressistas?

Esse é um Congresso hipócrita e sem autoridade moral. Os congressistas que desejam linchar os pobres são os mesmos que sepultaram no ano passado o relatório da CPI sobre violência no campo. São os mesmos do mensalão. São os que mantêm em vigor uma legislação que põe todo tipo de obstáculo ao avanço da reforma agrária e permite protelar indefinidamente a imissão de posse de terras desapropriadas. Se alguém tivesse prestado atenção, veria que uma das reivindicações que os sem-terra levavam ao Congresso era a de punição mais rigorosa para os proprietários rurais que usam mão-de-obra escrava.

Não está se discutindo a reivindicação, mas a forma que foi feita.

Os trabalhadores rurais têm feito reivindicações de forma organizada. Mas são ignorados. Falou-se muito pouco sobre a marcha de 12 mil sem-terra entre Goiânia e Brasília, em abril do ano passado. A imprensa considera condenável o que fizeram agora, num ato de desespero, mas achou normal quando o prefeito de Mineiros, em Goiás, mandou os funcionários da prefeitura engrossarem uma marcha de proprietários rurais interessados na rolagem de suas dívidas.

Definiria o que ocorreu em Brasília como um ato de desespero?

Foi um ato de desespero diante de um poder cego e mudo para as reivindicações dos sem-terra, diante de maus detentores do poder, de pessoas que, como dizia Jesus, ocupam a cátedra de Moisés.

Poderia explicar melhor?

São pessoas não dignas do cargo que ocupam. Insisto: não têm autoridade para condenar seus pobres.

Não acha que isso pode ter um saldo negativo para a própria causa da reforma agrária?

Na minha avaliação e de outros conselheiros da CPT, o saldo é – e ao mesmo tempo não é – negativo. É preciso lembrar que até agora a reforma agrária no Brasil andou exclusivamente por meio de ações dos sem-terra, por meio da ocupação das propriedades improdutivas. Não teríamos nada de reforma agrária se não tivéssemos trabalhadores organizados em torno de movimentos como esses, que enfrentam despejos e voltam à luta, que enfrentam a violência dos proprietários rurais.

Vê relação entre o que ocorreu agora e o que houve no Rio Grande do Sul, quando as mulheres da Via Campesina destruíram um laboratório de pesquisas?

Estamos chegando a um ponto em que as pessoas reagem, como lá na Aracruz Celulose e agora em Brasília. Não querem assistir paradas à destruição do cerrado e da floresta amazônica, para favorecer o agronegócio, que dispõe de incentivos fiscais e devora os pequenos proprietários. Neste momento, só no Estado de Goiás está prevista a construção de 14 novas usinas de açúcar e álcool. Querem transformar o cerrado num mar de cana e eucalipto e acabar com a pequena propriedade.

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