Setor têxtil

Justiça absolve Lojas Marisa em caso de trabalho escravo

Juíza não considera a empresa responsável pelos trabalhadores da oficina terceirizada flagrada com funcionários em condições análogas à escravidão. União deve recorrer
Por Stefano Wrobleski
 01/02/2013

A juíza Andréa Grossmann, do Tribunal do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), absolveu a Lojas Marisa no caso de trabalho escravo flagrado em 2010 em uma oficina de costura que produzia para a rede varejista. A decisão é em primeira instância.

A empresa, uma das maiores do ramo de confecção, terceiriza a produção de suas roupas e demais peças para várias oficinas. Foi numa delas, a Indústria de Comércio e Roupas CSV Ltda., com sede na capital paulista, onde foram encontrados 16 bolivianos produzindo em condições análogas às de escravos.

Trabalhadores em oficina que produzia para a Marisa
Oficina de costura fiscalizada produzia peças femininas para a Marisa (Foto: Maurício Hashizume)

A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que fez a fiscalização, sustenta que a empresa deveria ser responsabilizada por todas as etapas de sua cadeia produtiva. Para a SRTE-SP, um agravante é o fato de que 94% da produção da oficina era destinada à Marisa. A empresa, então, entrou na Justiça contra a União pedindo a anulação dos autos de infração produzidos com base nos resultados da fiscalização.

Andréa argumentou na sentença que, como não havia vínculo de emprego entre a Marisa e os trabalhadores da oficina, a responsabilidade não pode recair sobre a empresa. A juíza disse ainda que o fiscal de trabalho afrontou a legislação trabalhista, já que ele “extrapolou a sua competência de fiscalização ao considerar a relação de terceirização como se de emprego fosse”.

Confira a sentença na íntegra

Em comunicado à imprensa, a empresa disse estar “satisfeita” com a decisão. Ela destacou ainda que vem realizando auditorias independentes e periódicas na cadeia produtiva de seus fornecedores e exige a correção imediata de irregularidades.

Já o SRTE-SP declarou esperar “que a empresa Marisa Lojas S.A. não retroceda em seu processo de acompanhamento da rede de fornecedores, implementado após as autuações impostas pela fiscalização”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) ainda não foi intimada da decisão. No entanto, Lia Meneleu Finza Favali, advogada da AGU, já havia declarado à Repórter Brasil que a União recorreria da sentença caso fosse desfavorável.

Histórico

Em 18 de fevereiro de 2010, uma operação fiscal da SRTE-SP nas instalações da Indústria de Comércio e Roupas CSV Ltda. constatou que nenhum dos trabalhadores que operavam máquinas de costura tinha Carteira de Trabalho e Previdência Social assinada. Todos manejavam peças de um lote da Marisa. A etiquetagem com a marca era feita no local.

Foram apreendidos cadernos com anotações que remetem diretamente a cobranças ilegais de passagens da Bolívia para o Brasil, a “taxas” não permitidas de despesas designadas com termos como “fronteira” e “documentos” – o que, segundo a fiscalização, consiste em “fortes indícios de tráfico de pessoas” –, ao endividamento por meio de vales e a descontos indevidos.

Vários problemas graves no campo de saúde e segurança do trabalho também foram detectados. As instalações elétricas estavam completamente irregulares. Os extintores, com a carga vencida, ficavam ao lado de tecidos amontoados, com alto risco de incêndio, Cadeiras não respeitavam padrões mínimos de qualidade. Uma criança, filha de uma das operárias, estava exposta a acidentes com o maquinário.

As jornadas de trabalho começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h. Nos sábados, o turno transcorria das 7h às 12h, com o restante do fim de semana livre, conforme depoimentos colhidos pela Repórter Brasil, que acompanhou a fiscalização in loco. As refeições eram feitas de modo improvisado nos fundos do mesmo cortiço que abrigava a oficina. O irmão do dono da CSV permanecia todo o tempo junto com os trabalhadores e atuava como um vigia permanente dos imigrantes.

Os alojamentos também não seguiam normas básicas. Em apenas um cômodo mal iluminado nos fundos de um dos imóveis, construído para ser uma cozinha, sete pessoas dormiam em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros precários completavam o cenário de incorreções. Não havia separação adequada das diversas famílias alojadas na mesma construção.

Os auditores fiscais se deslocaram, em 1º de março daquele ano, para a sede da Marisa e colheram um conjunto de informações que reforçam o diagnóstico do vínculo existente entre a empresa e todas suas “fornecedoras”, vínculo esse que passa pela especificação das peças até a definição dos preços. Segundo declararam na ocasião integrantes da equipe fiscal, a Marisa era “inteiramente responsável pela situação encontrada” e “comanda e exerce seu poder de direção e ingerência de diversas formas sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, com exclusividade, a seu preço e à sua clientela”.

Em resposta à Repórter Brasil, a Marisa afirmou que “não mantém e nunca manteve vínculos com trabalhadores estrangeiros em situação de vulnerabilidade ou trabalhadores contratados com condições de irregularidade” e que “a situação detectada pelos auditores não é de responsabilidade direta ou indireta da Marisa”.

Os auditores fiscais responsáveis pelo caso reconhecem que, diante do emaranhado de pessoas jurídicas intermediárias resultantes da subcontratação (terceirização, quarteirização, quinteirização etc.), a empresa tomadora principal acaba perdendo o controle da mão de obra que está “na ponta”. Mas, de acordo com eles, no caso específico da Marisa o que se verificou foi a simulação de contrato de fornecimento, sendo que a empresa mantém a ingerência sobre todos processos que envolvem a produção.

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