“Doutor, quero um loirinho, de bochecha rosada”

A perspectiva de uma sociedade em que os pais possam "desenhar" seus bebês gera preocupação. As empresas de biotecnologia estão interessadas nesse novo mercado
Especial para o Repórter Brasil
 26/01/2003

A clonagem humana significa uma violação dos direitos humanos e a engenharia genética, aplicada às técnicas de reprodução, pode levar à uma sociedade eugênica no futuro. Essas foram as principais linhas da oficina “A política global da nova tecnologia genética e reprodutiva”, promovida por entidades de defesa da mulher do Brasil e dos Estados Unidos. Segundo as palestrantes, as novas tecnologias de reprodução assistida, somadas à biotecnologia, que pretende “projetar bebês”, podem aprofundar e naturalizar as diferenças entre as populações ricas e pobres.

“Em um mundo racista, sabemos como vão ser os novos seres ‘melhorados'”, afirma Jurema Werneck, diretora da ONG Criola. Ela descreve um futuro em que a engenharia genética poderá criar bebês de acordo com o desejo dos pais e ressaltou os perigos dessa perspectiva. Segundo Werneck, cientistas dos EUA e da Europa já vêm propondo a criação de novos seres.

A coordenadora da ONG Ser Mulher, Alejandra Ana Rotania, procura desfazer o mito, propagado pelos meios de comunicação, de que a liberalização da clonagem é um exercício da liberdade humana. “Ao popularizar o assunto, a mídia vêm retirando dele a perspectiva crítica”, disse. Segundo ela, os cientistas também contribuem com essa confusão ao ressaltarem apenas os pontos positivos da tecnologia. “Será que essas tecnologias, que têm um alto custo, poderão estar à disposição também das populações pobres?”, perguntou.

“Precisamos de uma lei internacional que regule a clonagem, para evitar o surgimento de paraísos genéticos”, preocupa-se Rosario Isasi, pesquisadora da Universidade de Toronto, Canadá. Se não for criada essa regulação, as pessoas que desejam utilizar a técnica simplesmente viajarão a outros países.

A historiadora Marsha Darling, da Universidade de Adelphi (EUA) liga a engenharia genética aplicada a clonagem às leis de propriedade intelectual e à biopirataria. Segundo ela, material genético retirado de populações indígenas naturalmente resistentes a certas doenças poderia se tornar uma mercadoria patenteável aplicada ao “desenho de bebês melhorados”. Ela afirma, com a concordância de Alejandra Rotania, que o combate às leis de propriedade intelectual deveria unir os movimentos feminista (afetado pela clonagem), camponês (afetado pelos transgênicos) e indígena (que têm seu conhecimento e material genetico ilegalmente apropriado).

Marcy Darnovsky, do Centro de Genética e Sociedade, afirma que ainda não há uma posição de consenso sobre a clonagem terapêutica. Segundo ela, os cientistas prometem muitos benefícios com essa técnica, mas ainda não fizeram nenhuma demonstração concreta. A clonagem terapêutica é uma técnica que pretende desenvolver órgãos humanos, que poderiam ser repostos em caso de doença, a partir da clonagem de embriões.

Rafael Evangelista, da Ciranda da Informação e ComCiência

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